sábado, 21 de janeiro de 2023

Eduardo Affonso - Todes juntes, vamos!

O Globo

Ao contrário de seus auxiliares, o presidente Lula parece refratário ao progressismo linguístico

A linguagem inclusiva tem tudo para vir a ser exclusividade de um grupo restrito. É preciso muita determinação para incorporar ao idioma o gênero neutro — que existia no latim, com outra finalidade, e de que o português guarda resquícios — e levá-lo às últimas consequências.

Não basta — como fizeram em seus discursos de posse os ministros Alexandre Padilha, Cida Gonçalves, Fernando Haddad, Márcio Macêdo, Margareth Menezes e Silvio Almeida — se dirigir a “todos, todas e todes”.

No nosso ainda inculto e já não tão belo idioma, artigos, pronomes, substantivos, adjetivos e verbos no particípio sofrem flexão de gênero. O neutro implicará concordância em efeito cascata.

“Brasileiras e brasileiros”, inaugurado por José Sarney (logo ele, imortal da Academia Brasileira de Letras), foi o primeiro golpe no pretenso machismo gramatical, que fazia do masculino um gênero não marcado. Saía de cena o “todos”, que incluía todo mundo, e começava a era da redundância, com “todos e todas”. Pois agora é preciso acrescentar as pessoas que não se identificam com o gênero masculino nem com o feminino. E entra o “todes”.

Como diria a cantora Kátia, não está sendo fácil.

Ao contrário de seus auxiliares, o presidente Lula parece refratário ao progressismo linguístico. Em seu discurso de posse, afirmou:

— Quero começar fazendo uma saudação especial a cada um e a cada uma de vocês — e não saudou “cada ume”.

— Vou governar para 215 milhões de brasileiros e brasileiras — prosseguiu, sem se comprometer a governar para es brasileires. — Cada brasileiro e cada brasileira tenha o direito de voltar a sonhar.

Es brasileires continuarão insones.

— É hora de reatarmos os laços com amigos e familiares — o que faz crer que a reaproximação venha a se dar apenas entre os homens, pois amigas e amigues não foram mencionadas e mencionades (“familiares” é comum de dois, mas não de três, e é um caso ainda a ser estudado).

Lula se dirigiu a “Minhas queridas companheiras e meus queridos companheiros” — e ignorou ses querides companheires. Lembrou “trabalhadores e trabalhadoras desempregados” — com o famigerado plural no masculino, sem acenar com carteira assinada a desempregades.

— Juntos somos fortes; divididos seremos sempre o país do futuro que nunca chega — um futuro que só há de chegar para valer quando a frase começar por “Juntos, juntas e juntes somos fortes; divididos, divididas e dividides seremos sempre etc.”. Da mesma forma que “Ninguém será obrigado a enfrentar mais ou menos obstáculos apenas pela cor da sua pele” não garante o fim do racismo, a menos que o discurso mude para “Ninguém será obrigado, obrigada ou obrigade”.

Nos tempos do plural não marcado, o “agradecimento especial aos profissionais do SUS” teria sido amplo, geral e irrestrito. Com a linguagem inclusiva, valeu apenas para portadores de cromossomos XY e homens trans.

— Ninguém será cidadão ou cidadã de segunda classe.

Cidadãe continuará sendo?

— Na luta pelo bem do Brasil, usaremos as armas que os nossos adversários mais temem.

Não haveria adversárias e adversáries nas hostes inimigas?

Se for pra usar “todes” e acabar com o masculino como gênero não marcado, que seja pra valer. Ou não adianta nos empurrar uma língua capenga — e excludente — goela abaixo.

 

4 comentários:

Anônimo disse...

Papo de Viades

laurindo junqueira disse...

A coisa não é tão simples, companheiro! As lutas sociais plenamente justificáveis, quando conduzidas a defender interesses tão particularizados - estão tendo o condão de desfocalizar o tema central da luta de classes e a diminuir a força do proletariado. Cada subdivisão tem causado miríades de outras subdivisões e cada uma delas tem-se mostrado incapaz de enfrentar os sucessivos golpes que nos ameaçam a todos. De nada adianta, poré, acusar de "viadagem" essa explosão de forças sociais que vinha permanecendo latente em nossas sociedades. É preciso conjuminar esses movimentos todos a favor do tema central de nossa luta! e o que podemos ver, tristemente, é que a anterior centralização promovida pelos movimentos internacionalistas foi minada pelo excessivo culto à personalidade de S., por nós todos promovida. E os católicos e socialistas não foram capazes de manter nossas bases sociais ancoradas no proletariado e nas demais camadas e justos movimentos da sociedade, fossem eles quais fossem.
Afastar esses novos companheiros só nos leva a novas e trágicas derrotas. Cadê os antigos PCs? Onde foram parar todos eles?

ADEMAR AMANCIO disse...

Eu sou viado,de esquerda,claro,e não curto esse tal de pronome neutro,rs.

ADEMAR AMANCIO disse...

Todas,todos,todes,todxs,tods,to@s...