sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Governo tenta reescrever verdade sobre impeachment

O Globo

Chamar de ‘golpe’ decisão legítima do Congresso Nacional contribui para disseminar desinformação

Até as paredes depredadas do Palácio do Planalto sabem que a ex-presidente Dilma Rousseff foi afastada por um processo de impeachment, movido pelo Congresso Nacional de acordo com todas as regras previstas na Constituição e na legislação, referendadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar disso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e integrantes de seu governo têm insistido em desafiar a verdade e em se referir ao episódio como um “golpe”.

Foi o que Lula voltou a fazer depois de encontro com o presidente do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou, ao se referir ao ex-presidente Michel Temer como “golpista”, expressão que já empregara antes. Mais grave ainda, a narrativa do “golpe” foi reproduzida por documentos oficiais — disseminando desinformação, que o governo diz combater. Ao noticiar a mudança de comando na Empresa Brasil de Comunicação (EBC), o site do governo cita “o golpe de 2016”. Que golpe é esse que ninguém viu?

Com toda a razão, o PSDB, que apoiou o afastamento de Dilma, recorreu à Justiça Federal para impedir que o governo use em seus meios oficiais a palavra “golpe” para se referir ao impeachment. Temer, por seu turno, lembrou em nota que Dilma foi condenada à perda do cargo sob acusação de ter cometido crimes de responsabilidade, com as “pedaladas fiscais” e decretos que geraram créditos orçamentários sem autorização do Parlamento.

Ela sofreu impeachment por seus próprios erros, ao mandar para o espaço a Lei de Responsabilidade Fiscal. Teve amplo direito de defesa, e o afastamento seguiu todos os trâmites legais, como manda a Constituição. Tudo às claras, com transmissão ao vivo pela TV. Iniciado em 2 de dezembro de 2015, o processo foi encerrado em 31 de agosto de 2016, quando o Senado decidiu, por 61 votos a 20, cassar o mandato da presidente da República (na Câmara, o pedido foi aprovado por 367 votos a 137, com sete abstenções).

O desfecho não surpreendeu, pois Dilma estava fragilizada politicamente. A despeito de o PT ter a maior bancada no Congresso, sua gestão incapaz de debelar a crise econômica custou-lhe a sustentação parlamentar no segundo mandato. Ela não tinha também base popular. Com o país mergulhado em crises, passeatas pedindo seu impeachment se sucediam. A cada aparição na TV, panelaços reverberavam expondo a escalada na rejeição.

A verdade inconveniente para o PT e para Lula é que nada disso violou nenhuma lei nem regra da democracia, como fizeram os vândalos golpistas que invadiram as sedes dos Três Poderes no 8 de janeiro. O impeachment de Dilma foi, pela própria natureza do instrumento, um processo ao mesmo tempo jurídico e político e, como todo evento traumático, teve um custo para a sociedade. Obviamente não agradou aos petistas. Mas foi tão legítimo quanto o impeachment de Fernando Collor de Mello em 1992, apoiado pelo PT. Qual a diferença? O que pretende o Executivo agora? Reescrever a História sob a ótica das facções petistas?

Lula fez campanha, arregimentou apoio de amplos espectros da sociedade e se elegeu presidente defendendo a democracia e a Constituição, em contraponto aos arroubos golpistas do adversário, o ex-presidente Jair Bolsonaro. Não pode, agora já eleito, querer estabelecer uma nova verdade para fatos históricos, como numa distopia orwelliana.

Contestação a projeções do Censo mascara profusão de municípios

O Globo

Só uma minoria das prefeituras gera recursos locais para pagar despesas — as demais dependem da União

Em liminar, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski manteve as regras de distribuição dos R$ 188 bilhões do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). A decisão foi uma resposta a projeções demográficas sugerindo encolhimento populacional em 863 cidades brasileiras, o que acarretaria redução nas verbas recebidas do governo federal (entre elas, 73 dos 92 municípios do Rio de Janeiro). Os prefeitos prejudicados contestaram a qualidade do Censo, sujeito a adiamento, cortes e dificuldades técnicas que impediram até agora sua conclusão.

Os argumentos dos detratores do Censo são frágeis. Trata-se do melhor retrato possível do Brasil dentro das condições. Além disso, a liminar, que ainda será examinada pelo plenário do STF, apenas mascara o enfrentamento de uma deficiência grave do pacto federativo brasileiro: a proliferação de municípios sem receita tributária suficiente para arcar com suas despesas.

A reclamação dos prefeitos resulta da distorção criada depois da promulgação da Constituição de 1988, com a criação de centenas de novos municípios. Com promessas de empregos e benesses, houve uma onda de plebiscitos para desmembrar regiões. De 1989 a 2001 surgiram 1.181 novos municípios. Cada um com seu prefeito, câmara de vereadores, estrutura administrativa com secretários, assessores etc. Na maioria dos casos, a conta sobrou para os repasses do FPM.

A festa municipalista foi até certo ponto contida em 1996, com uma emenda à Constituição acrescentando às exigências já previstas a aprovação de lei complementar federal para cada proposta de novo município e a divulgação de Estudos de Viabilidade Municipal. O plebiscito necessário ao desmembramento passou a incluir também as cidades que poderiam ser afetadas pela criação da nova prefeitura.

As medidas não conseguiram reverter o desequilíbrio. O Brasil tem hoje 5.570 municípios. De acordo com o último estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), com dados de 5.239 municípios para o ano de 2020, 1.704 (32,5%) nem geram localmente recursos para arcar com a estrutura administrativa. Um levantamento do jornal Folha de S.Paulo estimou que 70% arrecadam o suficiente para pagar menos de 20% das despesas. Nem todos recolhem tributos municipais. Preferem viver com o dinheiro fácil e sem encargos do fundo de participação.

Embora a criação de municípios independentes tenha sido justificada muitas vezes com base em critérios geográficos ou econômicos, boa parte surgiu apenas para atender a interesses políticos paroquiais. A liminar de Lewandowski pode satisfazer à demanda imediata dos prefeitos prejudicados, mas a realidade não mudará, e o Censo é apenas seu retrato mais fiel. Congresso e Executivo têm o dever de desenvolver um programa para aglutinar prefeituras que isoladamente não se sustentam e que, agrupadas, seriam mais viáveis. A medida melhoraria a qualidade da gestão pública e do gasto com o dinheiro do contribuinte.

Motores globais

Folha de S. Paulo

EUA e China mostram sinais econômicos positivos, o que dá algum alento ao Brasil

Com alta de 2,9% no quarto trimestre, em número anualizado, a economia americana encerrou 2022 com crescimento de 2,1% e continua dando sinais de robustez, desafiando prognósticos mais pessimistas de uma recessão iminente.

O que há até o momento é uma bem-vinda moderação que ajuda a reduzir pressões inflacionárias. O consumo e o investimento domésticos subiram 2,2% no ano passado, bem abaixo da tórrida expansão de de 8,1% em 2021.

Setores mais sensíveis ao aumento de juros promovido pelo Fed, o banco central americano, já mostram comportamento diverso. A construção civil tem apresentado queda anualizada superior a 20%, e parece diminuir a demanda interna por bens e serviços.

É um resultado desejável, diante da necessidade de fazer a inflação ao consumidor cair dos 6,4% de 2022 para algo mais próximo da meta de longo prazo de 2% num horizonte não muito distante.

Os dados mais recentes caminham nessa direção, e por isso os mercados financeiros já se mostram mais confiantes de que o rápido ciclo de alta do custo do dinheiro se encerre em breve, com juros na casa de 5% ou um pouco mais.

A principal incerteza ainda está no mercado de trabalho. Com taxa de desemprego de 3,5%, não distante da mínima histórica, os salários ainda sobem de 4,5% a 5% ao ano, muito acima da produtividade e do que seria compatível com a meta de inflação. Daí o desejo da autoridade monetária por uma contenção, que talvez não possa ser obtida sem um período recessivo.

Nos últimos meses, entretanto, os dados caminharam na direção mais vantajosa, e este 2023 se inicia com uma combinação benigna —a perspectiva de estabilização dos juros e menos inflação nos Estados Unidos pode viabilizar o desejado pouso suave.

Há outros fatores globais promissores no curto prazo. O abandono da política de Covid zero na China prenuncia forte aumento da demanda no gigante asiático, e alta do Produto Interno Bruto de pelo menos 4,5%, ante 3% em 2022.

Uma aceleração desse tipo sempre resulta em impulso para o restante do mundo, em particular para países emergentes que dependem da exportação de matérias-primas, caso do Brasil.

Melhores notícias também aparecem na Europa, com menos risco de recessão em razão da diminuição dos preços de energia.

Para nós, os ventos externos ainda são favoráveis. Preços de commodities elevados, maior demanda chinesa, queda do dólar e impulso a fluxos de capitais para emergentes sugerem menos pressão para que o governo indique logo o rumo a seguir na economia. Não convém contar com a sorte, porém.

Vale de problemas

Folha de S. Paulo

Brumadinho gera denúncias na Justiça, mas governo posterga recuperação ambiental

Ao completarem-se quatro anos do colapso da barragem da Vale no município de Brumadinho (MG), atenções estão voltadas para a denúncia na Justiça Federal de 16 executivos da mineradora e da empresa Tüv Süd pelas mortes de 270 pessoas. O aspecto ambiental do desastre, contudo, resvalou para um plano distante.

Não se trata, por óbvio, de estipular hierarquia de valores entre perdas de vidas humanas e danos à natureza, e sim de instar o poder público a cumprir suas obrigações. Não só a de indenizar os parentes de mortos e os diretamente atingidos, mas de zelar pela qualidade de vida na bacia hidrográfica afetada, encetando sua recuperação.

No fulcro está o rio Paraopeba, para o qual escorreu boa parte dos 13 milhões de m³ de rejeitos minerários. Ao todo, 26 dos 48 municípios da bacia se encontram na área afetada. Impacto mais significativo que os 3 km² de mata atlântica dizimados pelo derrame (o dobro da área do parque Ibirapuera).

Persistem incertezas sobre a contaminação do rio, de poços e do pescado, com pareceres conflitantes de órgãos públicos e de instituições independentes. Não faltam denúncias de moradores da região, que deveriam ser abastecidos com alternativas mais seguras para consumo de água e peixes.

Parte do desencontro de informações decorre da dificuldade de estabelecer e aplicar critérios objetivos sobre quem deve ser cadastrado como atingido, obstáculo já enfrentado após o caso de Mariana (MG), três anos antes. Mas falta também transparência do governo mineiro e um esforço crível para dirimir dúvidas remanescentes.

Uma questão mal resolvida é a ausência de representação direta dos afetados na governança do plano de reparação acordado com a Vale, no valor de R$ 37 bilhões. A supervisão cabe só ao governo regional, ao Ministério Público Federal e Estadual e à Defensoria Pública, sem controle social de fato.

Organizações de atingidos e pesquisadores independentes defendem mais recursos para remoção de rejeitos do rio. Queixam-se, ainda, da falta de acesso a dados e informações detidos pela empresa e por instituições públicas.

Minas Gerais já enfrentou duas tragédias minerárias em prazo curto e possui diversas barragens que ainda podem gerar episódios semelhantes. O governador Romeu Zema (Novo) deve empenhar-se na defesa dos interesses da população que o reelegeu.

Falta grandeza a Lula

O Estado de S. Paulo.

Ao insistir em chamar de ‘golpe’ o impeachment constitucional de Dilma, Lula investe no rancor, como sempre fez ao longo de sua trajetória, mas o momento do País clama por um estadista

Num evento público na Argentina, o presidente Lula da Silva chamou de “golpe de Estado” – nada menos – o impeachment da então presidente Dilma Rousseff em 2016. Ou seja: não contente em classificar de “golpe de Estado” uma decisão soberana do Congresso, com respaldo do Supremo Tribunal Federal e em estrito cumprimento da Constituição, Lula o fez no exterior, enxovalhando as instituições democráticas do Brasil perante uma audiência estrangeira. Foi, portanto, uma dupla ofensa ao País.

De Lula, é claro, não se podia esperar outra coisa. É da sua natureza investir no rancor como ativo eleitoral. Foi assim que, desde a fundação do PT, e de modo mais acentuado durante o mandarinato lulopetista, Lula alimentou a cizânia nacional, dividindo o País em “nós” e “eles”. “Nós”, no léxico lulopetista, designa todos aqueles que, sendo petistas, são considerados naturalmente bons, justos e tradutores juramentados dos desejos do “povo”; já “eles”, nesse mesmo dicionário, representam todos os que ousam criticar o PT e, portanto, são naturalmente maus, injustos e inimigos do “povo” – e, agora, golpistas.

Se o comportamento de Lula não causa surpresa, provoca desânimo: justamente no momento em que o País mais precisa de um estadista, capaz de reconstruir pontes e fomentar o diálogo, o que temos na Presidência, até o momento, é o agressivo líder sindical que só se interessa pelos seus e desmerece quem não integra sua patota.

Lula recebeu um País imerso numa profunda crise, mas não uma crise qualquer: há risco real de ruptura, como testemunhamos, estarrecidos, no dia 8 de janeiro, com a tentativa de golpe em Brasília. Seu antecessor deixou como principal legado a desconfiança generalizada em tudo – seja em relação a vacinas e às urnas eletrônicas, seja em relação aos políticos, à imprensa e ao Judiciário. Relações familiares foram irremediavelmente rompidas, e todos os aspectos da vida cotidiana foram politizados.

Ora, ao qualificar como “golpe de Estado” um processo rigorosamente constitucional, em que nenhum direito foi violado, Lula colabora decisivamente para manter em carne viva o tecido social, alimentando o descrédito nas instituições, exatamente como fazia Jair Bolsonaro na Presidência.

Ao longo da campanha eleitoral e em seus primeiros discursos, Lula transmitiu a esperança de que agiria para retomar o diálogo entre os cidadãos em torno de objetivos comuns, a começar pela defesa do regime democrático. Mas não é isso o que o presidente tem feito até agora. O Lula da “frente ampla”, está cada vez mais claro, era só um personagem inventado pelo marketing político. O Lula que está na Presidência certamente satisfaz os petistas que desejam vingança pelos anos em que o partido virou sinônimo de corrupção e incompetência, mas está longe de satisfazer as demandas de um dos mais graves momentos da história nacional. Depois de ser presidido por um anão moral, o Brasil esperava, se não um gigante, ao menos um presidente minimamente empenhado em restabelecera grandeza da Presidência da República.

É claro que as soluções para os imensos problemas do País não dependem apenas da ação do governo, pois demandam uma concertação de interesses e o engajamento da sociedade civil organizada. Tudo isso, no entanto, só será possível soba liderança de alguém disposto a sobrepor o interesse público a outros interesses de natureza ideológico-partidária – eo interesse público nem remotamente se confunde coma agenda retrógrada e rancorosa do PT. A história nacional não é aquilo que o partido do presidente diz que é.

O País precisa de entendimento sobre suas prioridades e clama por uma condução altiva e responsável. É em momentos de turbulência, como o que ora o Brasil atravessa, que estadistas são forjados. Lula, portanto, tem de decidir se quer ser visto como o líder certo para essa quadra desafiadora de nossa história ou se pretende seguir como um dos grandes beneficiários do jogo de soma zero com o bolsonarismo, retroalimentando o círculo vicioso que nos trouxe até aqui.

Bloqueio de perfis requer fundamentação

O Estado de S. Paulo.

Decisão judicial se cumpre. Não cabe ao Telegram desobedecer à ordem determinando bloqueio de perfil de rede social. Mas o STF precisa fundamentar de forma mais concreta suas decisões

O descumprimento de ordem judicial por parte da plataforma de mensagens Telegram constitui flagrante desrespeito ao Estado brasileiro. Fez bem, portanto, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em aplicar multa à empresa por não ter efetuado o bloqueio, tal como havia sido determinado em decisão prévia, de um perfil do deputado federal eleito Nikolas Ferreira.

“Como qualquer entidade privada (...), a rede social Telegram deve respeitar e cumprir, de forma efetiva, comandos diretos emitidos pelo Poder Judiciário relativos a fatos ocorridos ou com seus efeitos perenes dentro do território nacional; cabendo-lhe, se entender necessário, demonstrar seu inconformismo mediante os recursos permitidos pela legislação brasileira”, disse Alexandre de Moraes. Se alguém considera equivocada uma decisão judicial, o caminho não é desobedecê-la, e sim requerer sua revisão por meio dos instrumentos processuais disponíveis.

Na decisão, o ministro do STF lembrou um importante aspecto do caso. “A presente medida não configura qualquer censura prévia” – o que é proibido pela Constituição de 1988 –, uma vez que “não há qualquer proibição dos investigados em manifestarem-se em redes sociais ou fora delas”. De natureza cautelar, o bloqueio dos perfis pretende apenas, esclareceu Alexandre de Moraes, “fazer cessar lesão ou ameaça de lesão a direito”, interrompendo “a divulgação de discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”.

De toda forma, mesmo não sendo censura prévia, ou seja, mesmo o Judiciário podendo em tese determinar o bloqueio de perfis em redes sociais, é necessário que decisões com esse teor sejam especialmente bem fundamentadas, apontando de forma específica quais são as publicações que estão provocando lesões (ou ameaças de lesões) a direitos e suscitam a atuação da Justiça. Nesse sentido, merecem reparo diversas decisões judiciais a respeito de bloqueios de perfis em redes sociais. Elas precisam ser fundamentadas de forma mais concreta.

Longe de eximir da necessidade de fundamentação da decisão, a alegada gravidade das publicações – “conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática” – deve ser motivo adicional para que a Justiça especifique os conteúdos ilegais e criminosos. Não pode haver decisão por baciada, com fundamentações genéricas que servem a variados casos.

Não basta um juiz ter competência jurisdicional. Não basta que ele tenha poderes para tomar aquela medida judicial. O magistrado precisa justificar sua decisão, relacionando os fatos e circunstâncias do caso concreto com a lei a ser aplicada.

É desse trabalho de fundamentar a decisão judicial que decorre a legitimidade democrática do exercício da magistratura. Não sendo eleitos, os juízes não têm um poder arbitrário. Precisam mostrar, com a máxima transparência possível, as razões de cada decisão, explicitando sua compreensão dos fatos e sua interpretação da lei.

A fundamentação concreta das decisões é caminho indispensável para que a Justiça possa cumprir sua missão de solucionar e pacificar os conflitos sociais. Os cidadãos têm o direito de conhecer as razões pelas quais o juiz proferiu, naquele processo, aquela específica decisão. Ao estar fundamentada de forma concreta na legislação vigente, a solução dada pelo magistrado poderá, mesmo que não se concorde com ela, ser respeitada, e, se for o caso, contestada de forma também concreta por meio do recurso cabível.

A fundamentação a partir das circunstâncias do caso e da lei assegura à decisão judicial seu pleno caráter jurídico. Num momento em que o STF sofre especiais contestações, sendo criticado por supostamente atuar politicamente, é preciso ser ainda mais rigoroso na fundamentação das decisões, explicitando que a ordem judicial não é fruto das idiossincrasias do juiz do caso, mas decorrência direta da lei. Agir assim é um modo muito efetivo de defender o Supremo e sua autoridade.

O Estado de S. Paulo.

Uma desconfiança perigosa

É preocupante que uma parcela crescente da população brasileira hesite e resista às vacinas

Duas pesquisas divulgadas recentemente apontam para um problema grave: a crescente desconfiança de parcelas da população brasileira em relação a vacinas. Tal resistência, alimentada por desinformação, tem contribuído para a queda dos índices de cobertura vacinal no País. Nos últimos anos, as principais metas de imunização do calendário infantil não foram atingidas, um risco à saúde de milhões de crianças − e um alerta para as autoridades.

Um levantamento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) indicou os principais fatores de resistência a vacinas no País. O principal deles, citado por 72,8% dos entrevistados, foi a preocupação com possíveis efeitos colaterais − como se os imunizantes não tivessem que ser licenciados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), procedimento que analisa a segurança do produto.

A pesquisa da UFMG foi realizada entre setembro e outubro de 2021, com apoio do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). Para Hisham Hamida, diretor do Conasems, o receio de efeitos colaterais é sintoma de falsas notícias e boatos disseminados nas redes sociais. Disse ele ao Estadão: “É uma hesitação causada pela desinformação, pela desconstrução de uma confiança que tínhamos no programa de vacinação”. Uma lástima.

Outra pesquisa, publicada na revista científica Nature Medicine, mostrou que a hesitação dos brasileiros em vacinar os filhos contra a covid-19 aumentou 56,3% em 2022, em relação ao ano anterior. O levantamento foi feito pelo Instituto Global de Saúde de Barcelona (ISGlobal) e alcançou 23 países onde vivem mais de 60% da população mundial. Enquanto a disposição global de vacinar os filhos cresceu, a parcela de pais que relutam em fazer isso no Brasil subiu e atingiu 13,6%. Mais um sinal de que o País caminha na contramão.

A vacina contra a covid-19 é o método mais eficaz de prevenção das formas graves de uma doença que já matou quase 700 mil pessoas no País, muitas delas crianças. Elevar os índices de imunização em todas as faixas etárias, portanto, não só é recomendável, como é uma necessidade de saúde pública. O mesmo raciocínio se aplica às demais vacinas disponibilizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). No caso da covid-19, infelizmente, há que recordar a campanha contrária à imunização de crianças e adolescentes promovida pelo então presidente Jair Bolsonaro, que resistiu à liberação da vacina infantil pela Anvisa. Mesmo depois da aprovação, ele disse que sua filha, na época com 11 anos, não seria vacinada.

Sim, é de lamentar que o Brasil dê sinais de retrocesso em tema de tamanha seriedade. O desenvolvimento de vacinas, como se sabe, foi um dos maiores avanços de saúde pública na história da humanidade. Desacreditá-las é um desserviço que custa vidas. As autoridades sanitárias devem agora se empenhar em difundir informações corretas e com base científica, recordando as muitas evidências disponíveis: as vacinas são essenciais para prevenir doenças e, ao mesmo tempo, seguras para as respectivas faixas etárias.

 Brasil volta à cena externa com diplomacia passadista

Valor Econômico

Os primeiros passos de Lula indicam mais do mesmo, da política externa “ativa e altiva”. O pragmatismo pode forçá-lo em outras direções

O presidente Lula escolheu os parceiros certos para dar início a suas viagens internacionais oficiais e imprimir uma marca distinta em relação à desastrosa diplomacia de seu antecessor. Lula visitou a Argentina e o Uruguai e já tem agenda para próximos encontros com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o presidente da China, Xi Jinping. O vigor da retomada diplomática, porém, não parece até o momento se refletir no conteúdo das mensagens brasileiras, que deixam no ar a impressão de que se trata apenas de uma volta ao passado.

As relações com o Mercosul são prioritárias e Lula retomou os vínculos com a Argentina, rompidos por Jair Bolsonaro, uma ruptura que foi até recebida com alívio pelo presidente argentino, o peronista Alberto Fernandez. Mesmo no tempo em que os Kirchners governavam o país, o relacionamento do Brasil o país vizinho foi conflituoso. A economia argentina se dilacera de crise em crise e de novo não tem fontes de financiamento externo, sustentando-se apenas em um acordo com o FMI, com empréstimos com carência de US$ 45 bilhões - e criticado pela vice-presidente, Cristina Kirchner.

Com escassez de divisas, a Argentina argumenta com um motivo a mais para não abrir sua economia - o outro é a resistência ideológica dos peronistas em fazer isso. As reticências se refletem no acordo União Europeia-Mercosul, cujas negociações foram iniciadas no primeiro governo de Lula e só concluídas no governo Bolsonaro. A Argentina ainda quer negociar mudanças pois vê pontos negativos para sua indústria no acordo. A posição expressa por Lula é de fechar o acordo, embora sinais diplomáticos indiquem que o Brasil também gostaria de fazer reparos nele.

Como gesto de boa vontade, Lula acenou com medidas de efeito duvidoso. A primeira foi a moeda para transações comerciais externas, como forma de driblar a escassez de financiamento para o país vizinho. Deficitária na balança comercial com o Brasil, a Argentina tampouco tem reais para suprir diferenças da liquidação contábil. O Brasil propôs, além disso, financiamentos do Banco do Brasil, com base em um Fundo Garantidor. Não há mais detalhes sobre isso.

Problemático também foi a oferta de Lula de o BNDES financiar gasodutos para escoamento do gás de Vaca Muerta até o Brasil. No fim do governo Lula e princípio do de Dilma, o BNDES foi abarrotado de funding por transferências do Tesouro. Sem o Tesouro, os desembolsos do banco encolheram muito. O país vive uma penúria fiscal e há que escolher criteriosamente para aonde vão os recursos, já que são escassos internamente também. Vaca Muerta, além disso, é um pesadelo ecológico para ambientalistas, e seu gás cobriria primordialmente déficits de abastecimento da Argentina. Não seria vital para o Brasil, que desperdiça gás do pré-sal.

No Uruguai, Lula tentou apagar incêndios. O presidente Lacalle Pou, de centro-direita, abriu negociações com a China para ingressar na Parceria Transpacífico. O Uruguai tomou a atitude unilateralmente, o que fere o Tratado do Mercosul, que obriga à negociação conjunta. Lula argumentou que o Mercosul deveria se concentrar no acordo com a UE para depois tratar da China, que também ofereceu um acordo comercial com o Brasil, mas parece não ter convencido o parceiro uruguaio. Sem uma tarifa externa comum, o bloco se fragmentará.

No campo político, Lula propagandeou sua versão da história, ao mencionar o “golpe” de Estado que depôs Dilma e chamar o ex-presidente Michel Temer de “golpista”, passando por cima do fato de que o Congresso, com assistência do Judiciário, removeu Dilma do poder pelas pedaladas fiscais. Lula reatou laços com a Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e do Caribe), com elogios à defesa que fizeram da democracia quando esteve ameaçada no Brasil. Da Celac fazem parte Venezuela, Cuba e Nicarágua, países que estão longe de ser democráticos. Coube a Lacalle Pou dizer na reunião que a defesa da democracia não era monopólio da esquerda, referindo-se aos três países, que o Brasil apoia, que não tem práticas democráticas.

A diplomacia sob Lula terá de se adaptar a um novo mundo, mais hostil. A opção pelas relações Sul-Sul pode se mostrar inviável diante da rivalidade aberta entre EUA e China, e da invasão da Ucrânia pela Rússia, dois parceiros do Brasil nos Brics, grupo que tende à implosão. Os primeiros passos de Lula indicam mais do mesmo, da política externa “ativa e altiva”. O pragmatismo pode forçá-lo em outras direções

3 comentários:

Anônimo disse...

A posição do Lula é sempre ficar por baixo. Apesar na orientação para is brasileiros não ter complexo de vira lata, parece que ele próprio sofre desse complexo. Talvez, pelo imenso país que governa o faça sentir melhor entre os menores.. Com a dimensão territorial do país deveríamos pleitear a ser o pior entre os melhores. Uma vez república das bananeiras,
sempre “bananeiras”.

Anônimo disse...

Nota-se seu apego a Maduro e
a bajulação com empréstimos facilitados. A sua fragilidade em relação a viúva negra da Argentina sugere muitas coisas, como também o seu apego a Dilma querida.Foi obrigado a esquecer Cuba
devido sua incontinência verbal que o colocou suspeito de fofocar perante os Castro. Bouça fechada não entra mosquito, mas seu ego e narcissismo não deixa seus neurônios funcionar adequadamente. Ele é o FHC

Anônimo disse...

Boca