sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Claudia Safatle - Campos Neto vai defender seu legado

Valor Econômico

Problema de presidente do BC com governo Lula se tornará mais delicado se e quando as declarações se transformarem em decisões concretas

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, está disposto a enfrentar o mau humor do governo do PT com a sua gestão, que manteve os juros básicos em 13,75% ao ano na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Enquanto for manifestação de desagrado por parte do presidente Lula com o nível elevado da taxa de juros, não há muito que fazer.

O problema se tornará mais delicado se e quando as declarações se transformarem em decisões concretas, como o governo mudar a meta de inflação de 3% para 4,5%, como sugeriu Lula - na crença de que um pouco mais de inflação poderá gerar um pouco mais de crescimento; se o governo tentar revogar a lei complementar que conferiu independência para o Banco Central; ou, ainda, se o governo quiser tirar Campos do comando do Banco Central através do Senado, que é quem pode fazê-lo.

A lei que aprovou a independência para o Banco Central atribuiu mandatos fixos e não coincidentes com os do governo para a diretoria da instituição.

O mandato de Campos vai até o fim de 2024 e ele pretende cumpri-lo e lutará por isso. Ele considera que tem um legado para defender, pois este era um tema que tramitava há três décadas no Congresso, e Campos ajudou a tirá-lo do papel. Há, inclusive, questões familiares envolvidas pois o seu avô, Roberto Campos, participou ativamente da criação do BC independente em 1964.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse que a lei complementar representou “um avanço” para o país e considerou o presidente do BC um homem muito bem preparado. O presidente da Câmara, Artur Lira, declarou que a independência do Banco Central é uma “marca mundial” e que os parlamentares não estão dispostos a retroceder para que o governo possa interferir nas decisões da autoridade monetária. Foram duas manifestações importantes de apoio.

O projeto de lei complementar que concedeu autonomia para o Banco Central foi aprovado pelo Senado e pela Câmara e teve atestada a sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em um placar de 8 a 2, em resposta às demandas do PT e do PSOL.

Pela lei, no dia 28 próximo abrem-se duas vagas na instituição e vai ser uma boa pista para se averiguar as intenções de Lula sobre quem ele vai indicar para substituir as vagas da diretoria de Política Monetária e de Fiscalização, hoje ocupadas por Bruno Serra e por Paulo Souza, respectivamente. Em dezembro abrem-se outras duas vagas na diretoria.

Durante a transição, o PT já havia dado indicações de que não estava satisfeito com a independência do BC. Apesar da importância dos assuntos vinculados à autarquia, Campos não foi chamado para conversar durante a transição e não se encontrou com o ministro da Fazenda. Ele só esteve com Haddad um pouco antes do fim do ano e encontrou-se com Lula no dia 30, às vésperas da posse.

O mesmo Banco Central que está sendo criticado pela taxa Selic de 13,75% ao ano foi o que colocou os juros em 2% ao ano. Depois de estacionada por seis meses nesse patamar, o Copom começou, em março de 2021, a aumentar a taxa Selic, que chegou a 13,75% em agosto do ano passado. Era preciso enfrentar as pressões inflacionárias e o BC também foi criticado por reagir tardiamente ao movimento dos preços. No ano passado a inflação foi de 5,79%, um pouco acima do teto da meta de 5%. Mas em 2021 ela atingiu 10,06%.

Autonomia e o mandato fixo dificultam, mas não eliminam totalmente a possibilidade de demissão da diretoria do BC. Foi o que aconteceu na Argentina quando a então presidente Cristina Kirchner exonerou, em 2010, o presidente do BC independente, Martín Redrado, por divergências políticas. Em geral, as pressões são por mais crescimento no curto prazo, em detrimento do controle da inflação.

Um bom exemplo vem do Chile de Gabriel Boric, um presidente de esquerda eleito por uma coalizão formada pela Frente Ampla e pelo Partido Comunista. Boric escolheu para ser o ministro das Finanças Mário Marcel, presidente do Banco Central no governo anterior. Trata-se de um nome de prestígio no mercado. Tal iniciativa foi parte de um esforço para garantir aos investidores que seu governo seria fiscalmente responsável.

 

2 comentários:

Anônimo disse...

A alma mais honesta do mundo, mais que Deus até, não precisa se preocupar. É só visitar os ditadores da América latrina consegue uma solução magnífica.

ADEMAR AMANCIO disse...

Campos Neto no ''Roda Viva'',não perco.