O Estado de S. Paulo.
Questão da intervenção dos militares na política é o passado. O futuro é a contribuição que as Forças, renovadas, podem e precisam dar ao País
A tentativa frustrada de Jair Bolsonaro de jogar as “suas” Forças Armadas na aventura de um golpe não deu certo, detida que foi pela atuação firme do Judiciário e pelo profissionalismo dos principais comandantes, mas serviu para recolocar na agenda a questão do papel dos militares na sociedade brasileira. O governo Lula procurou reagir aplacando os militares, oferecendo apoio a seus projetos de modernização e reunindo os comandantes com empresários, acenando com o ressurgimento da fracassada indústria nacional de armamentos, tentada pelo regime militar na década de 70. Quem sabe, assim, eles deixariam a política de lado e ficariam tranquilos em suas casernas?
É preciso ir mais a fundo, e nas últimas
semanas muitas ideias e propostas têm circulado sobre como repensar o papel das
Forças Armadas, em substituição à antiga doutrina de segurança nacional, que
imperou durante a guerra fria e que se tornou obsoleta com o fim do regime
militar, em 1985, e a dissolução da União Soviética, em 1991.
Essa doutrina sempre teve duas caras. Uma,
o princípio reiterado de que a “função precípua” das Forças Armadas seria a
defesa do País contra eventuais inimigos externos numa guerra convencional,
que, fora a Guerra do Paraguai e o contingente da Força Expedicionária
Brasileira (FEB) na Segunda Guerra, nunca se materializou. A outra, a atuação
em questões internas, como a construção das redes de telégrafos dos tempos de
Rondon, a presença na região amazônica e nas áreas de fronteira e a doutrina de
segurança nacional, justificando os governos militares após 1964.
Também fizeram parte desta doutrina vários
projetos militares de desenvolvimento tecnológico, incluindo o programa nuclear
do almirante Álvaro Alberto, nos anos 50, o projeto de submarino nuclear da
Marinha, o Centro Tecnológico da Aeronáutica em São José dos Campos e as
empresas de indústria bélica – Engesa, Avibras e Embraer. Destes, o único
claramente bem-sucedido foi a Embraer, que se transformou numa multinacional
privada de natureza predominantemente civil.
As Forças Armadas brasileiras consomem
anualmente cerca de 1,6% do produto interno bruto (PIB), R$ 115 bilhões, 80%
dos quais para pagamento de pessoal, um contingente de cerca de 350 mil pessoas
na ativa, e existem propostas para aumentar esses gastos ainda mais. Quanto
desta antiga doutrina ainda é válido e quanto precisaria ser modificado, em
razão do novo cenário da política internacional, das revoluções havidas na
tecnologia militar e civil e da consolidação da democracia brasileira?
A doutrina oficial está consubstanciada em
três documentos encaminhados pelo Ministério da Defesa ao Congresso Nacional em
2020, a Política Nacional de Defesa,a Estratégia Nacional de Defesa eo Livro
Branco de Defesa Nacional. Documentos como estes deveriam ser periodicamente
revistos e aprovados pelo Congresso, mas, na prática, eles não têm sido
discutidos nem chegam à opinião pública.
Lendo esses documentos, nota-se a ênfase em
três prioridades estratégicas de cunho tecnológico: a nuclear, a espacial e a
cibernética. Felizmente, o Brasil renunciou há décadas à pretensão de
desenvolver armas nucleares, e o projeto do submarino nuclear, que se arrasta
há mais de 30 anos, corre o risco de resultar em equipamentos que já nascem tão
obsoletos quanto nossos porta-aviões. O programa espacial sofreu um golpe
terrível com a tragédia de Alcântara de 2003, e desde então as tecnologias
espaciais evoluíram enormemente, ficando cada vez mais longe de nosso alcance.
A área de segurança cibernética é cada vez mais crucial para garantir o
funcionamento da sociedade brasileira em todos os aspectos, e exigiria, para
ser bem-sucedida, uma concentração de investimentos e recursos humanos que
estamos longe de fazer.
Parece claro, olhando este conjunto, que
uma política atualizada de segurança nacional deveria se concentrar em alguns
temas e áreas críticas de natureza local, como a proteção das fronteiras, da
costa e da região amazônica, do meio ambiente e dos recursos nacionais. É
preciso evoluir para um contingente muito menor, tecnicamente qualificado e
apoiado por equipamento tático, com capacidade de deslocamento e intervenção
rápida, e não em equipamentos mais pesados e típicos de guerras convencionais
passadas. O serviço militar obrigatório, que já não funciona, precisa ser
substituído por um contingente mais profissional e mais aberto a especialistas
de formação civil. Para a defesa estratégica contra eventuais inimigos
externos, não temos como agir sozinhos e precisamos participar de alianças e
instituições que contribuam para a defesa dos regimes democráticos, da
estabilidade política e da cooperação internacional, nas esferas econômicas,
ambientais e de manutenção da paz. Para o desenvolvimento de nossa tecnologia,
precisamos de uma economia aberta e de fortes parcerias entre instituições
militares e civis, públicas e privadas.
A questão da intervenção dos militares na
política é o passado. O futuro é a contribuição que as Forças Armadas,
renovadas, podem e precisam dar ao País.
*Sociólogo, é membro da Academia Brasileira
de Ciências
3 comentários:
"A questão da intervenção dos militares na política é o passado. O futuro é a contribuição que as Forças Armadas, renovadas, podem e precisam dar ao País."
Não é passado. Em q país vive o articulista? Não viu o 08/01/23?
Não precisamos de forças armadas militares. Delas precisamos q sejam civis. Nossos milicos já provaram q não são confiáveis pois apoiaram o golpe e sequer viram (ou não quiseram ver) o genocídio yanomami. Dentre outras inúmeras falhas q aqui não cabem.
Quando um balão chinês cair na cabeça de alguém eu quero rir. Kkkkkkkkkkkkkk
O articulista está dizendo que é coisa do passado,eu concordo com ele.
Postar um comentário