sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Simon Schwartzman * - O futuro das Forças Armadas

O Estado de S. Paulo.

Questão da intervenção dos militares na política é o passado. O futuro é a contribuição que as Forças, renovadas, podem e precisam dar ao País

A tentativa frustrada de Jair Bolsonaro de jogar as “suas” Forças Armadas na aventura de um golpe não deu certo, detida que foi pela atuação firme do Judiciário e pelo profissionalismo dos principais comandantes, mas serviu para recolocar na agenda a questão do papel dos militares na sociedade brasileira. O governo Lula procurou reagir aplacando os militares, oferecendo apoio a seus projetos de modernização e reunindo os comandantes com empresários, acenando com o ressurgimento da fracassada indústria nacional de armamentos, tentada pelo regime militar na década de 70. Quem sabe, assim, eles deixariam a política de lado e ficariam tranquilos em suas casernas?

É preciso ir mais a fundo, e nas últimas semanas muitas ideias e propostas têm circulado sobre como repensar o papel das Forças Armadas, em substituição à antiga doutrina de segurança nacional, que imperou durante a guerra fria e que se tornou obsoleta com o fim do regime militar, em 1985, e a dissolução da União Soviética, em 1991.

Essa doutrina sempre teve duas caras. Uma, o princípio reiterado de que a “função precípua” das Forças Armadas seria a defesa do País contra eventuais inimigos externos numa guerra convencional, que, fora a Guerra do Paraguai e o contingente da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Segunda Guerra, nunca se materializou. A outra, a atuação em questões internas, como a construção das redes de telégrafos dos tempos de Rondon, a presença na região amazônica e nas áreas de fronteira e a doutrina de segurança nacional, justificando os governos militares após 1964.

Também fizeram parte desta doutrina vários projetos militares de desenvolvimento tecnológico, incluindo o programa nuclear do almirante Álvaro Alberto, nos anos 50, o projeto de submarino nuclear da Marinha, o Centro Tecnológico da Aeronáutica em São José dos Campos e as empresas de indústria bélica – Engesa, Avibras e Embraer. Destes, o único claramente bem-sucedido foi a Embraer, que se transformou numa multinacional privada de natureza predominantemente civil.

As Forças Armadas brasileiras consomem anualmente cerca de 1,6% do produto interno bruto (PIB), R$ 115 bilhões, 80% dos quais para pagamento de pessoal, um contingente de cerca de 350 mil pessoas na ativa, e existem propostas para aumentar esses gastos ainda mais. Quanto desta antiga doutrina ainda é válido e quanto precisaria ser modificado, em razão do novo cenário da política internacional, das revoluções havidas na tecnologia militar e civil e da consolidação da democracia brasileira?

A doutrina oficial está consubstanciada em três documentos encaminhados pelo Ministério da Defesa ao Congresso Nacional em 2020, a Política Nacional de Defesa,a Estratégia Nacional de Defesa eo Livro Branco de Defesa Nacional. Documentos como estes deveriam ser periodicamente revistos e aprovados pelo Congresso, mas, na prática, eles não têm sido discutidos nem chegam à opinião pública.

Lendo esses documentos, nota-se a ênfase em três prioridades estratégicas de cunho tecnológico: a nuclear, a espacial e a cibernética. Felizmente, o Brasil renunciou há décadas à pretensão de desenvolver armas nucleares, e o projeto do submarino nuclear, que se arrasta há mais de 30 anos, corre o risco de resultar em equipamentos que já nascem tão obsoletos quanto nossos porta-aviões. O programa espacial sofreu um golpe terrível com a tragédia de Alcântara de 2003, e desde então as tecnologias espaciais evoluíram enormemente, ficando cada vez mais longe de nosso alcance. A área de segurança cibernética é cada vez mais crucial para garantir o funcionamento da sociedade brasileira em todos os aspectos, e exigiria, para ser bem-sucedida, uma concentração de investimentos e recursos humanos que estamos longe de fazer.

Parece claro, olhando este conjunto, que uma política atualizada de segurança nacional deveria se concentrar em alguns temas e áreas críticas de natureza local, como a proteção das fronteiras, da costa e da região amazônica, do meio ambiente e dos recursos nacionais. É preciso evoluir para um contingente muito menor, tecnicamente qualificado e apoiado por equipamento tático, com capacidade de deslocamento e intervenção rápida, e não em equipamentos mais pesados e típicos de guerras convencionais passadas. O serviço militar obrigatório, que já não funciona, precisa ser substituído por um contingente mais profissional e mais aberto a especialistas de formação civil. Para a defesa estratégica contra eventuais inimigos externos, não temos como agir sozinhos e precisamos participar de alianças e instituições que contribuam para a defesa dos regimes democráticos, da estabilidade política e da cooperação internacional, nas esferas econômicas, ambientais e de manutenção da paz. Para o desenvolvimento de nossa tecnologia, precisamos de uma economia aberta e de fortes parcerias entre instituições militares e civis, públicas e privadas.

A questão da intervenção dos militares na política é o passado. O futuro é a contribuição que as Forças Armadas, renovadas, podem e precisam dar ao País.

*Sociólogo, é membro da Academia Brasileira de Ciências

3 comentários:

Anônimo disse...

"A questão da intervenção dos militares na política é o passado. O futuro é a contribuição que as Forças Armadas, renovadas, podem e precisam dar ao País."

Não é passado. Em q país vive o articulista? Não viu o 08/01/23?

Não precisamos de forças armadas militares. Delas precisamos q sejam civis. Nossos milicos já provaram q não são confiáveis pois apoiaram o golpe e sequer viram (ou não quiseram ver) o genocídio yanomami. Dentre outras inúmeras falhas q aqui não cabem.

Anônimo disse...

Quando um balão chinês cair na cabeça de alguém eu quero rir. Kkkkkkkkkkkkkk

ADEMAR AMANCIO disse...

O articulista está dizendo que é coisa do passado,eu concordo com ele.