Seu movimento não se expressou na forma
partido, provavelmente porque Bolsonaro, formado na cultura política do AI-5,
dominante nos desvãos da caserna dos anos 1970, sempre se orientou tendo em
vista um golpe militar, refratário à política e aos movimentos de massa, apenas
mobilizados para fins de agitação e de valorização do seu papel de condottieri.
O resultado desastrado da intentona do infausto dia 8, segundo recente
declaração sua, parece que lhe abriu os olhos para a política. Daí para a forma
partido falta um passo.
O fascismo como ideologia política não nos
é estranho, conhecemos, nos anos 1930, o partido Integralista, com forte
presença entre militares e intelectuais, influente na criação do Estado Novo,
em 1937, e na promulgação autocrática da Constituição fascista que lhe seguiu.
A tentativa malograda do golpe dos integralistas contra o governo Vargas, em
1938, resultou na dissolução do integralismo como movimento social, mas não da
Carta fascista de 1937, vigente até a democratização de 1945.
Como registra a melhor bibliografia, a nova
Carta de 1946 de índole liberal em suas linhas principais garantiu sobrevida a
muitas das normas contidas na anterior, em particular as que disciplinavam o
mundo do trabalho, preservando a fórmula corporativa e a tutela dos sindicatos
pelo Estado e a legislação sobre segurança nacional, além da manutenção do
estatuto do exclusivo agrário com que garantiu a coalizão reacionária entre as
elites. Com essa construção, sob forma encapuzada o fascismo se manteve em
estado latente na ordem liberal entre 1946 e 1964, até que, após o golpe
militar, nos fins de 1968, com o AI-5, rompe com ela numa ressurgência do
fascismo dos anos 1930.
Com a ascensão de Bolsonaro, um rebento
nostálgico do regime do AI-5, à presidência, contando com o beneplácito de
setores importantes das elites econômicas, os rumos do seu governo se fixam
obsessivamente em solapar as instituições e os fundamentos da Carta de 88 que
tinha guarnecido com um sistema defensivo a ordem democrático-liberal que
criara. Infrutíferas todas as tentativas, recorreu a uma meticulosa preparação
de um golpe de Estado, a que lhe faltou, como sabido, respaldo suficiente na
hora decisiva nos altos comandos militares.
Do fiasco, sobrou-lhe sua armata brancaleone,
boa parte ainda fiel a ele, e que lhe deve ter serventia para uma eventual
organização partidária. Derrotadas pela via da conspiração, as hostes
bolsonaristas se orientam, reiterando o movimento da extrema direita em vários
países, para o caminho das disputas eleitorais, quando o seu principal objetivo
se define pela conquista de posições na chamada direita civilizada, no suposto
de que a reação às políticas democratizadoras do novo governo afetando seus
interesses, venham a facultar suas pretensões.
Aí é que mora o perigo. Diversa é uma
arregimentação para sustentar uma pregação fascista limitada aos porões dos
ressentidos da que se encontra escorada em setores das elites dominantes. Franz
Neumann, em Behemoth, obra clássica de sociologia política sobre a ascensão do
nazismo na Alemanha, e Luchino Visconti, em os Deuses Malditos, filme também
clássico, são exemplares narrativas das letais ameaças frutos dessa associação
entre as elites e os partidos de ideologias totalitárias.
Nesse sentido, é motivo de preocupação o
teor de algumas manifestações publicadas na grande imprensa favoráveis a que se
passe um pano no envolvimento do ex-presidente na intentona antidemocrática de
8 de janeiro, na intenção de preservá-lo eleitoralmente, e, principalmente, o
fato do presidente do Banco Central, filho excelso da elite econômica
brasileira, ter feito profissão de fé na candidatura Bolsonaro e se expor
publicamente com vestimenta usual a seus seguidores.
Daí ser imperativo que as lideranças
democráticas dos partidos ora responsáveis pelas políticas governamentais
estarem atentas a esse processo, ainda larvar, a fim de obstar sua propagação, considerando
em cada passo as suas consequências, para as quais estão credenciadas pelos bons
resultados até aqui conquistados, por que ainda falta muito para que cheguemos
a um porto seguro.
*Luiz Werneck Vianna. Sociólogo, PUC-Rio
2 comentários:
Taí...
Não dá pra ser mais clara a identificação e localização do ovo da serpente!
Bob Fields Gson, the snake
Pois é.
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