O Estado de S. Paulo
Adoção no Brasil de um processo sistemático e transparente de revisão de gasto conversaria muito bem com o novo arcabouço fiscal e as regras da LRF
Desde a crise do endividamento brasileiro,
nos anos 80 do século passado, a necessidade de ajuste das contas públicas
aparece como uma recorrência no debate econômico. A expressão “corte de gastos”
talvez seja uma das mais lidas no noticiário destes 40 anos.
É lógico que os cortes, por vezes, são necessários para que se encontre uma posição fiscal percebida como sustentável pelos agentes econômicos. O problema principal é que nosso país é excessivamente desigual e desprovido de infraestrutura, o que torna as demandas sociais sobre a máquina pública múltiplas e inescapáveis, sob a perspectiva de um país civilizado e solidário. De outro lado, há segmentos importantes de nossa economia que vivem da interação com o Estado, tanto como fornecedores de bens e serviços como beneficiários de recursos públicos. Este contexto de pressões, legítimas e ilegítimas, tende a levar as autoridades a optar por cortes lineares, especialmente em investimentos públicos, justamente para fugir às pressões setoriais e de interesses específicos.
É premente avançar na análise e compreender
que o “corte linear” do Orçamento tem conexão direta com a baixa capacidade
institucional na avaliação da eficiência do gasto. E esta questão não é
novidade para o mundo. As estratégias de Spending Reviews consistem na
avaliação da qualidade do gasto e da alocação de recursos públicos e têm
crescente reconhecimento internacional. Interessante observar que, até 2011, 16
países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
haviam realizado revisões de gastos. Em 2018, esse número subiu para 27.
A crise financeira de 2008 agudizou essa
tendência, multiplicando as novas experiências em matéria de governança
pública. Houve claro direcionamento à institucionalização de sistemas de
revisões periódicas dos gastos públicos, baseados em metodologias sofisticadas
de gestão. Em pesquisa da OCDE de 2012, metade dos países-membros da
organização informaram que estavam implementando o Spending Review para
promover profundas mudanças no setor público a fim de gerar economias
orçamentárias, ou para reduzir o gasto público no nível agregado, ou para gerar
espaço fiscal para novas prioridades.
O Spending Review é basicamente um processo
institucionalizado, transparente e coordenado de revisão de gastos, projetos e
programas governamentais. Como produto de um processo de avaliação do gasto, os
indicadores de performance servem para orientar os gestores governamentais
responsáveis pela condução das políticas públicas. No caso do Spending Review,
o principal produto é a conexão do processo de avaliação com o processo
orçamentário. As revisões do gasto existem para apresentar uma lista de medidas
para reduzir o gasto público, com transparência absoluta dos números e
critérios envolvidos.
A base racional do processo orçamentário nos
países que adotam esse sistema é a eficiência econômica, que se desdobra em
dois tipos: técnica e alocativa. A primeira, no sentido de buscar reformas que
assegurem melhores serviços públicos com o mesmo custo ou o mesmo serviço com
um custo menor. A segunda, no sentido de alocar o espaço fiscal em setores
estratégicos que geram produtividade e desenvolvimento, como, por exemplo,
infraestrutura.
Nos últimos dias a área econômica do governo
vem levantando o tema, o que é muito louvável e abre um caminho distinto do
velho e surrado jeito brasileiro de fazer gestão orçamentária por corte linear
de recursos. A ideia que tem transparecido é embutir na Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) um dispositivo que possa dar curso à revisão das ações
públicas medindo sua eficiência.
Não acredito que uma decisão de tanta
importância para o futuro do País possa ser tomada apenas como apêndice da LDO.
Creio que o País precisa de solidez institucional e de perenidade nos ritos
orçamentários e de gestão da “coisa pública”.
A instituição do Spending Review no Brasil
deve começar pela aprovação de uma lei complementar prevendo a obrigatoriedade
das revisões periódicas do gasto público. O Senado já aprovou, por unanimidade,
o Projeto de Lei Complementar n.º 428/2017, de minha autoria, para instituir o
Plano de Revisão Periódica do Gasto Público. A proposta está na Comissão de
Administração e Serviço Público (Casp) da Câmara dos Deputados, como PLP
504/2018. Basta ao governo fazer o movimento de apoiar a tramitação da proposta
para que o Brasil tenha o seu Spending Review.
Sem dúvida, a adoção no Brasil de um processo
sistemático e transparente de revisão de gasto, como adotado nos países da
OCDE, conversaria muito bem com o novo arcabouço fiscal e as regras da Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF). De mais a mais, as regras fiscais, por si sós,
não são suficientes para conter o viés deficitário dos orçamentos e para
assegurar uma melhor alocação dos recursos públicos, especialmente num palco
político fragmentado como o nosso. O momento que vivemos não é para remendos,
mas para a construção de instituições fortes com capacidade de interação entre
os diversos momentos e decisões relacionados aos recursos públicos.
*Economista
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