quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Morre o sociólogo Luiz Werneck Vianna: Um pensador fundamental para entender o Brasil

Luis Felipe Azevedo / O Globo

Autor de obras importantes da Sociologia brasileira, se exilou durante a ditadura e ajudou a redigir o programa político do MDB  

Morreu nesta quarta-feira o cientista social Luiz Werneck Vianna, aos 86 anos, no Rio de Janeiro. O intelectual era professor da PUC-Rio e publicou livros considerados fundamentais para a sociologia brasileira, como “Liberalismo e sindicato no Brasil” (1976) e “A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil” (1997).

O cientista social estava internado no Hospital Copa D'Or. Em nota, a unidade de saúde lamentou a morte do paciente.

"O Hospital Copa D’Or lamenta profundamente a morte do paciente Luiz Jorge Werneck Vianna na tarde desta quarta-feira (21). O hospital se solidariza com a família e amigos por essa irreparável perda, também informa que não tem autorização para divulgar mais detalhes."

Nascido em 1938 no Rio, Vianna foi criado no bairro de Ipanema, na zona sul da cidade. A trajetória em escolas de elite contou com percalços. Ele chegou a ser expulso de uma instituição devido à denúncia de pais por receio de possível “influência comunista”.

Amante da literatura, o afinco por livros era observado desde a juventude. Monteiro Lobato, Eça de Queiroz, Fiódor Dostoiévski e Miguel de Cervantes são exemplos de autores que influenciaram a inclinação de Vianna pelos valores humanistas que perpassam sua carreira.

Ele ingressou na faculdade de Direito da Universidade do Estado da Guanabara (atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ UERJ) em 1958. Dois anos depois, Vianna passou a fazer parte do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Quando iniciou a graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), m 1964, o golpe civil-militar ocorreu no país. Na época, Vianna era envolvido em movimentos esquerdistas e teve destacada sua atuação no Centro Popular de Cultura (CPC), instituição criada em 1962 por intelectuais de esquerda em associação com a União Nacional dos Estudantes (UNE).

Posteriormente, intelectual ingressou na primeira turma de mestrado do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Entretanto, ele teve a trajetória acadêmica interrompida pela perseguição sofrida pelo regime. Vianna chegou a responder cinco inquéritos policiais-militares e partiu para o exílio no Chile em 1970.

Vianna retornou ao Brasil no ano seguinte e foi detido por seis meses. Ao sair da cadeia, iniciou doutorado em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e passou a trabalhar no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP).

O intelectual continuou a integrar o PCB e participava um grupo de intelectuais que se dedicavam ao estudo da obra de Karl Marx. Em 1974, ele chegou a realizar um curso teórico na “Escola de Quadros” com Anastacio Mansilla, referência teórica dentro do Partido Comunista soviético à época.

No mesmo ano, o sociólogo redigiu com outros intelectuais o programa político do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) – único partido legalmente instituído à época de oposição ao regime ditatorial. Intitulada “Liberalismo e sindicato no Brasil”, sua tese de doutorado foi defendida em 1976 e consolidou-se como um clássico de interpretação sociológica do Brasil.

Por três décadas, ele foi professor do IUPERJ e presidiu por dois a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS). Vianna era professor do Departamento de Sociologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

Referência no âmbito da sociologia, o cientista chegou a analisar o cenário do país durante entrevista ao GLOBO em 2018.

— Temos pela frente tempos difíceis, sem contar com partidos que nos defendam. Contudo, ainda temos duas grandes corporações — a dos militares e a dos magistrados — identificadas com a nossa Carta Constitucional. Enquanto for assim, não há motivos para maiores preocupações — disse.

Repercussão

O plenário da Câmara dos Deputados realizou um minuto de silêncio em homenagem ao sociólogo na noite desta quarta. O ex-deputado federal Roberto Freire (Cidadania) escreveu na rede social X (antigo Twitter) que a inteligência brasileira "perde um dos seus mais ilustres representantes".

"Perdi um velho camarada e amigo. Meu profundo sentimento pelo falecimento do grande cidadão brasileiro, Luiz Werneck Vianna. Meus pêsames a família e seus amigos e amigas", escreveu.

O deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) afirmou que Vianna espalhou senso de justiça e "fará falta nesses tempos de tanta indigência intelectual".

A PUC-Rio lamentou a morte do professor.

"Luiz Werneck Vianna foi um intelectual de grande relevância para o campo da sociologia e para a comunidade acadêmica como um todo. Seu legado se estende nas orientações de muitas gerações, estudos e reflexões sobre a sociedade brasileira, onde deixou uma marca indelével na história do pensamento social no Brasil", afirmou em nota.

A ANPOCS manifestou profundo pesar pelo falecimento de Vianna e ressaltou a gestão dele como presidente da associação durante o biênio 2003-2004.

"Seu legado intelectual para as Ciências Sociais é inestimável, e seguirá inspirando reflexões sobre o Brasil do passado e do presente. Deixamos nosso abraço solidário e fraterno à família, amigos/as e colegas do Professor Luiz Werneck Vianna", disse em nota.

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