O Globo
O orçamento é secreto. Elmar Nascimento,
não. Não há constrangimento. O papo sai reto. Patrimonialista e reto. Os
entrevistadores, Gabriel Sabóia e Lauriberto Pompeu, fizeram as perguntas
necessárias sem enrolação — e ele entregou
sem rodeios. Deu no GLOBO do dia 11.
Se toda a verba outrora do orçamento
secreto ficasse com o Congresso, a articulação política melhoraria? Esse não
seria um modelo fisiológico, de troca de recursos por votos?
— O governo não teria dificuldade. O Bolsonaro tinha uma base sólida. A estratégia do governo Lula, de participação via indicação de ministros, não traz base consolidada. O chão da fábrica, que é o plenário da Câmara dos Deputados, está muito mais ligado à execução de obras nas bases do que à ocupação desse tipo de espaço, que não chega para eles.
Trata-se de mais uma peça jornalística
incontornável para o entendimento da linguagem parlamentar corrente e da
dinâmica do relacionamento entre governo e Congresso. (Notável também que o
deputado, líder de frondosa federação dentro do União Brasil, ignore a segunda
parte da pergunta. Não há constrangimento.)
— O plenário não tem relação com
ministérios. Com as emendas, sim.
Com os fluxos de emendas sem filtros
palacianos, ritmo em que os donos do Congresso ordenam e o Planalto carimba, “o
governo não teria dificuldade”. Fazer ministros, prática de 2003, só acarinha a
cúpula, os liras e os alcolumbres. O baixo clero profundo em que consiste a
Câmara só responde a estímulos imediatos: dinheiros liberados a seus
municípios.
Pode ser que Bolsonaro tivesse base sólida.
Foi ontem. Já uma impossibilidade hoje. O “chão de fábrica” só responde a
estímulos imediatos — negociados no corpo a corpo e a cada votação. Base fluida
e episódica. Que, no entanto, quer mais.
Referi-me a “mais uma peça incontornável”
porque o próprio Nascimento tem falado bastante. Idem Arthur Lira. A turma é
afinada. A ordem, unida. O recado, inequívoco.
O Parlamento tem saudade da fluência das
relações com o Planalto conforme havida nos anos Bolsonaro, notadamente a
partir de Ciro Nogueira na Casa Civil. E se ressente de o governo não cumprir
automaticamente o que fora combinado — pela manutenção do sistema operacional
do orçamento secreto — quando do acordo que garantiria a aprovação da PEC da
Transição.
Isso é chave. Desconheço clareza maior:
— E há gente do governo contra um acordo
que foi feito na época da PEC da Transição para a manutenção do controle dos
deputados sobre todo o orçamento originário da RP9.
O orçamento originário da RP9, ainda que
realocado, continua sendo dos parlamentares — está na Lei Orçamentária Anual.
Foi acordado. Mas o Planalto tenta ter controle sobre o rumo das distribuições.
É onde o bicho pega.
— São muitos erros na condução política. O
primeiro ocorreu quando o Supremo Tribunal Federal interveio e cancelou a RP9.
O STF decidiu em defesa de princípios
constitucionais elementares. Demorou até. E não interveio. Provocado, exerceu o
controle de constitucionalidade, em nome da transparência e da impessoalidade.
Tampouco cancelou a RP9. Apenas proibiu o uso pervertido, opaco e autoritário,
de suas ferramentas.
Nascimento, destaque-se, não distingue
Corte constitucional brasileira e agentes político-partidários — o que
mereceria alguma reflexão pelos membros do tribunal. O Supremo compreendido
como parte influente — e sob influência — no jogo político.
— O governo não trabalhou para tentar
manter a existência da RP9.
O Planalto não via com maus olhos a
restrição formal à emenda do relator. Mas não se negaria, e não se negou, a
compor um novo pacto — lavrado, repito, na LOA — para que os dinheiros do
orçamento secreto, doravante sob suas asas, continuassem como propriedade dos
parlamentares. É o acordo a que se refere Nascimento. A cujo cumprimento
instantâneo o governo ora resiste. O impasse.
O Planalto não via com maus olhos a
restrição formal à emenda do relator, porque pretendia encaixar um modelo em
que pudesse pautar os destinos das granas que deputados e senadores sabem suas.
O Parlamento não aceita. O impasse.
— Ficou um vácuo em que você tinha que
definir para onde iriam aqueles recursos do Orçamento. Metade foi transformada
em emendas impositivas e metade em RP2 [a cargo dos ministérios].
Não existe vácuo em política nem em
orçamento público. A solução encontrada foi boa para todos os envolvidos: tirou
a pressão sobre o STF, que se pronunciou e seria enganado; manteve os recursos
todos sob apontamento dos parlamentares, o Congresso como cooperativa gestora
de fundos orçamentários; e deu ao governo perspectiva de lhes poder influir nas
distribuições.
Como perspectiva é também expectativa,
donde igualmente esperança, Elmar Nascimento fala para que não haja iludidos.
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