terça-feira, 16 de maio de 2023

Carlos Andreazza - Elmendas

O Globo

O orçamento é secreto. Elmar Nascimento, não. Não há constrangimento. O papo sai reto. Patrimonialista e reto. Os entrevistadores, Gabriel Sabóia e Lauriberto Pompeu, fizeram as perguntas necessárias sem enrolação — e ele entregou sem rodeios. Deu no GLOBO do dia 11.

Se toda a verba outrora do orçamento secreto ficasse com o Congresso, a articulação política melhoraria? Esse não seria um modelo fisiológico, de troca de recursos por votos?

— O governo não teria dificuldade. O Bolsonaro tinha uma base sólida. A estratégia do governo Lula, de participação via indicação de ministros, não traz base consolidada. O chão da fábrica, que é o plenário da Câmara dos Deputados, está muito mais ligado à execução de obras nas bases do que à ocupação desse tipo de espaço, que não chega para eles.

Trata-se de mais uma peça jornalística incontornável para o entendimento da linguagem parlamentar corrente e da dinâmica do relacionamento entre governo e Congresso. (Notável também que o deputado, líder de frondosa federação dentro do União Brasil, ignore a segunda parte da pergunta. Não há constrangimento.)

— O plenário não tem relação com ministérios. Com as emendas, sim.

Com os fluxos de emendas sem filtros palacianos, ritmo em que os donos do Congresso ordenam e o Planalto carimba, “o governo não teria dificuldade”. Fazer ministros, prática de 2003, só acarinha a cúpula, os liras e os alcolumbres. O baixo clero profundo em que consiste a Câmara só responde a estímulos imediatos: dinheiros liberados a seus municípios.

Pode ser que Bolsonaro tivesse base sólida. Foi ontem. Já uma impossibilidade hoje. O “chão de fábrica” só responde a estímulos imediatos — negociados no corpo a corpo e a cada votação. Base fluida e episódica. Que, no entanto, quer mais.

Referi-me a “mais uma peça incontornável” porque o próprio Nascimento tem falado bastante. Idem Arthur Lira. A turma é afinada. A ordem, unida. O recado, inequívoco.

O Parlamento tem saudade da fluência das relações com o Planalto conforme havida nos anos Bolsonaro, notadamente a partir de Ciro Nogueira na Casa Civil. E se ressente de o governo não cumprir automaticamente o que fora combinado — pela manutenção do sistema operacional do orçamento secreto — quando do acordo que garantiria a aprovação da PEC da Transição.

Isso é chave. Desconheço clareza maior:

— E há gente do governo contra um acordo que foi feito na época da PEC da Transição para a manutenção do controle dos deputados sobre todo o orçamento originário da RP9.

O orçamento originário da RP9, ainda que realocado, continua sendo dos parlamentares — está na Lei Orçamentária Anual. Foi acordado. Mas o Planalto tenta ter controle sobre o rumo das distribuições. É onde o bicho pega.

— São muitos erros na condução política. O primeiro ocorreu quando o Supremo Tribunal Federal interveio e cancelou a RP9.

O STF decidiu em defesa de princípios constitucionais elementares. Demorou até. E não interveio. Provocado, exerceu o controle de constitucionalidade, em nome da transparência e da impessoalidade. Tampouco cancelou a RP9. Apenas proibiu o uso pervertido, opaco e autoritário, de suas ferramentas.

Nascimento, destaque-se, não distingue Corte constitucional brasileira e agentes político-partidários — o que mereceria alguma reflexão pelos membros do tribunal. O Supremo compreendido como parte influente — e sob influência — no jogo político.

— O governo não trabalhou para tentar manter a existência da RP9.

O Planalto não via com maus olhos a restrição formal à emenda do relator. Mas não se negaria, e não se negou, a compor um novo pacto — lavrado, repito, na LOA — para que os dinheiros do orçamento secreto, doravante sob suas asas, continuassem como propriedade dos parlamentares. É o acordo a que se refere Nascimento. A cujo cumprimento instantâneo o governo ora resiste. O impasse.

O Planalto não via com maus olhos a restrição formal à emenda do relator, porque pretendia encaixar um modelo em que pudesse pautar os destinos das granas que deputados e senadores sabem suas. O Parlamento não aceita. O impasse.

— Ficou um vácuo em que você tinha que definir para onde iriam aqueles recursos do Orçamento. Metade foi transformada em emendas impositivas e metade em RP2 [a cargo dos ministérios].

Não existe vácuo em política nem em orçamento público. A solução encontrada foi boa para todos os envolvidos: tirou a pressão sobre o STF, que se pronunciou e seria enganado; manteve os recursos todos sob apontamento dos parlamentares, o Congresso como cooperativa gestora de fundos orçamentários; e deu ao governo perspectiva de lhes poder influir nas distribuições.

Como perspectiva é também expectativa, donde igualmente esperança, Elmar Nascimento fala para que não haja iludidos.

 

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