terça-feira, 16 de maio de 2023

Merval Pereira - Um raio justiceiro

O Globo

Anistia proposta impede punição a irregularidades dos partidos políticos

Se um raio divino não cair sobre o Congresso para castigar os pecadores, deve ser aprovada hoje na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara o que já é avaliado como a maior anistia da história política recente, impedindo que irregularidades eleitorais dos partidos políticos detectadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sejam punidas.

O TSE terminou recentemente a análise dos gastos partidários de 2017 — atraso que, por si só, favorece a impunidade — e determinou multas no valor de R$ 40 milhões, corrigidas pela inflação. A anistia pretendida beneficia governo e oposição, esquerda e direita, é ampla, geral e irrestrita, atinge praticamente todos os partidos, acusados de gastos indevidos do dinheiro público ou de não cumprirem a legislação eleitoral, principalmente a que determina cotas raciais e de gênero para as candidaturas.

A anistia, na forma de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), proíbe qualquer punição a irregularidades cometidas antes de sua publicação. Será mais uma de cinco já aprovadas ao longo do tempo para anistiar os partidos por seus desvios. Só entre o ano passado e este ano, os partidos receberam mais de R$ 6 bilhões dos cofres públicos (o fundo eleitoral repassou R$ 5 bilhões e, neste ano, o fundo partidário destinará às siglas R$ 1,185 bilhão).

O presidente do TSE, o onipresente ministro Alexandre de Moraes, foi relator da punição. Identificou “gastos sem relação com a atividade partidária e em benefício de dirigentes” e falta de comprovação da destinação das verbas. O caso mais extravagante, que mostra como os partidos não se preocupam com as consequências de seus atos, é a suspeita de que o ex-presidente do PROS Eurípedes Jr. tenha usado verba pública para comprar toneladas de carne e equipamentos para uma churrascaria cuja proprietária foi sua companheira.

Num humor involuntário, os técnicos do TSE disseram que não foi possível constatar o uso de tais equipamentos — forno e bifeteira elétricos, pratos, copos, taças de vinho, maçarico culinário — “em atividades partidárias”. Outro item da gastança que, segundo o partido, obedeceu às normas vigentes foi a construção de uma piscina na casa de Eurípedes Jr., onde atuaram empregados do partido. Uma consequência óbvia da aprovação da PEC é que ela não poderá ser revogada pelo Congresso.

Portanto o caso deverá parar no Supremo, pois já existem movimentos de órgãos da sociedade civil para tentar impedir mais este abuso. Representantes de diversos setores, participantes do Conselhão do governo Lula, divulgaram documento pedindo que o governo intervenha para impedir que sua base aliada aprove a anistia no Congresso. Mais parece um amargo engano de líderes que se dispuseram a fazer parte de um conselho que assessora o governo, mas, no final das contas, não tem nenhuma influência real nas decisões.

Mesmo porque, entre os que assinaram a proposta, está o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães. São casos como esse que fazem o cidadão perder a confiança nos partidos políticos. Não apenas os partidos desmoralizam a política. Um bom exemplo é o procurador-geral da República, Augusto Aras, e seus malabarismos para se manter no cargo, seja qual for o governo.

Enquanto tinha esperança de ser nomeado para uma das vagas do Supremo por Bolsonaro, fez poucas e boas para mostrar fidelidade. Perdida a chance da vaga no Supremo com a indicação de André Mendonça, Aras continuou sua luta para, pelo menos, ser mantido no cargo pelo novo presidente, já que a escolha de Cristiano Zanin, advogado de Lula, parece certa para o STF.

Aras, durante o governo Bolsonaro, rejeitou meia dúzia de vezes processos contra o presidente. Agora apoia investigações contra Bolsonaro, alegando que suas manifestações são feitas de “forma técnico-jurídica, com base nas especificidades de cada momento procedimental”. Pelo visto, o “momento procedimental” já não é mais favorável a Bolsonaro, mas a Lula. A única coisa a fazer é aguardar um raio justiceiro.

 

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