Apesar da pressão, queda de juros seria prematura
O Globo
Ao contrário do que afirmam Lula e
petistas, nossa inflação é de demanda e exige remédio amargo
É prematura a pressão para que o Banco
Central (BC) reduza os juros. Pelos últimos dados do IBGE, o BC tem adotado uma
política de juros responsável e não deveria ceder às pressões para mudá-la.
Apesar de a taxa básica de juros permanecer em patamar alto (13,75%), a queda
da inflação tem
sido mais lenta que o esperado. Tal lentidão reforça a necessidade de os
diretores do BC se manterem imunes aos ataques do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, de seus ministros, de cardeais do PT e das alas do empresariado
tolerantes com o descontrole de preços.
Há, é certo, sinais positivos. Nos primeiros quatro meses deste ano, a inflação foi inferior à do mesmo período de 2022 (2,72% ante 4,29%). Em abril, o IPCA acumulado em 12 meses sofreu queda pelo décimo mês consecutivo e ficou em 4,18%, menor taxa desde outubro de 2020. Como o teto da meta do BC é 4,75%, é compreensível que muita gente diga estar na hora de baixar os juros. Infelizmente, não é o que sugere uma análise mais cuidadosa.
É alta a possibilidade de os preços
ganharem novo ímpeto no segundo semestre. Metade do mercado estima o IPCA acima
de 6,02% no final de dezembro. Mesmo que tal previsão não se materialize, há
motivos para preocupação. Descontados os choques temporários nos preços de
maior volatilidade — como energia ou alimentos —, a inflação tem se mostrado
mais resistente que o esperado. A medida que capta essa tendência, chamada núcleo
da inflação, continua em alta. De acordo com o BC, subiu de 0,37% em março para
0,51% em abril. O aumento se concentra no setor de serviços, onde a inflação em
12 meses foi de 7,49% em abril ante 7,63% em março.
Quais as causas da resistência? No jargão
dos economistas, o Brasil vive uma inflação de demanda. Com a massa salarial em
crescimento e o desemprego em patamar baixo na comparação com os piores
momentos da pandemia, a procura por produtos e serviços tem se mantido elevada.
Contribui para a inflação alta um segundo
ingrediente: as expectativas. Se os agentes financeiros acreditam que os preços
subirão mais, fica mais difícil contê-los. É nesse quesito que influi a
campanha difamatória de Lula contra o BC — baseada na noção ridícula de que a
autoridade monetária é contra a queda dos juros. Ao deteriorar as expectativas,
Lula dá uma força para a elevação dos preços.
Por fim, a tendência para os próximos meses
é o governo dar impulso ainda maior à demanda, em razão da antecipação do 13º
salário de aposentados e pensionistas, do aumento real do salário mínimo e do
pagamento do reajuste salarial do funcionalismo público.
Se seguir dessa forma, Lula continuará
jogando apenas para sua plateia, sem se preocupar com o poder de compra dos
mais pobres, a parcela da população que mais tem a perder com a espiral
inflacionária. Dá com uma mão para ficar bem com sua base de eleitores, mas
tira com a outra com a inflação mais alta. Para piorar, mira no BC à procura de
um bode expiatório pela falta de dinamismo da economia. A recusa teimosa em
enxergar as causas do problema tornará mais lenta e mais difícil a solução.
Governo precisa regularizar o fornecimento
de insulina a diabéticos
O Globo
Pacientes com a doença relatam dificuldades
para obter o medicamento em diferentes estados
O Ministério da Saúde precisa regularizar
com urgência os estoques de insulina no SUS. Em diferentes estados, pacientes
com diabetes que fazem uso regular do medicamento têm relatado dificuldades
para obtê-lo, como mostrou
reportagem do GLOBO. Quando não o encontram no sistema público,
são obrigados a recorrer a grupos de ajuda ou a comprar em farmácias, onde o
tratamento custa em torno de R$ 200 por mês.
Não se pode dizer que o governo tenha sido
surpreendido. O próprio ministério sabia que os estoques acabariam a partir de
maio. No fim de março, o Tribunal de Contas da União (TCU) chamara a atenção
para o risco de faltar insulina nos estados. O alerta foi feito depois uma
inspeção, realizada a pedido do Congresso, para apurar irregularidades na
compra, na entrega e no armazenamento de insumos, vacinas e remédios. Diante da
ameaça de desabastecimento, o ministério orientou os estados a substituir as
canetas de insulina pelo medicamento em frascos, mas a solução não é ideal,
porque a ação é mais lenta.
Nos dois últimos pregões feitos pelo
governo, em agosto de 2022 e janeiro de 2023, nenhuma empresa apresentou
proposta. Com a redução dos estoques, o governo fez uma compra emergencial para
tentar sanar o problema, mas parece ter escolhido o caminho errado. Fechou
acordo para comprar 1,3 milhão de tubetes da chinesa Globalx Technology
Limited, produto sem registro na Anvisa. A emergência não justifica a compra de
medicamentos não aprovados, mesmo que o fabricante tenha garantido a segurança
e eficácia do produto.
A situação se torna ainda mais insólita
quando se lembra que lotes do medicamento que hoje falta para pacientes com
diabetes foram descartados pelo Ministério da Saúde nos últimos anos, por não
terem sido usados no prazo previsto. Segundo o TCU, foi perdido quase 1 milhão
de tubetes de insulina de ação rápida, com prejuízo de R$ 12,5 milhões aos
cofres públicos.
Não importa que o problema tenha sido herdado do governo anterior. O Planalto trocou de comando faz mais de quatro meses, tempo suficiente para pôr a casa em ordem. São evidentes as falhas de logística na distribuição do medicamento. Não só do Ministério da Saúde, pois há municípios sem insulina, apesar de ainda ser encontrada nos depósitos dos estados. É inaceitável que os pacientes com diabetes paguem o preço de tamanha inépcia. É fundamental recompor logo os estoques públicos. De preferência com produtos aprovados pela Anvisa. E na quantidade certa, para que novos lotes não acabem no lixo como tem acontecido.
A força do autocrata
Folha de S. Paulo
Mesmo contra inflação e oposição, Erdogan
vai ao 2º turno com chances na Turquia
Pesquisas de opinião indicavam que o
autocrata Recep Erdogan, no poder há 20 anos, poderia perder a eleição turca no
primeiro turno. Entretanto ele obteve o
primeiro lugar com 49,5% dos votos, ante 44,9% de seu principal opositor,
Kemal Kilicdaroglu, centrista, a favor do Estado laico e europeizante.
Não é improvável que, no segundo turno,
Erdogan conte com a maioria dos eleitores do terceiro colocado, Sinan Ogan, de
ultradireita. Caso vença no dia 28, o premiê de 2003 a 2014 conquistará seu
terceiro mandato como presidente, com maioria no Parlamento.
Uma inflação
de 44% ao ano e a rara coalizão de seis partidos de Kilicdaroglu pareciam
ameaçar mais o líder autoritário —que está desgastado, mas nem
tanto.
Ele venceu em 2014 com 51,8% e em 2018 com
52,6%. Desta vez, perdeu nas províncias da costa do Mediterrâneo, em Istambul,
na capital, Ancara, e no leste curdo. Venceu entre os mais pobres, os
religiosos e no interior mais rural.
Depois de enfrentar uma tentativa de golpe,
em 2016, Erdogan promoveu expurgos nas Forças Armadas, na alta burocracia e na
Justiça; aprovou leis que facilitam prisões de jornalistas. Controla a mídia
estatal e veículos privados, de empresários amigos.
Na campanha, recorreu a reajustes salariais
e tornou a previdência social mais generosa. Chamado de
"neo-otomano", em oposição aos princípios da República laica fundada
em 1923, faz propaganda da ideia de Turquia-potência.
Dá indícios de que pode reforçar a
tendência pró-religiosa, islâmica, de seu governo —sob o qual mulheres puderam
voltar a usar lenços na cabeça em repartições públicas, um tema importante no
país.
Diz que a oposição se subordina ao
Ocidente, ao FMI e a "terroristas" curdos, que aprovará direitos
LGBTQIA+ e é inimiga da família.
O nacionalismo conservador de Erdogan
parece ter apoio firme de parte da população, como se nota por seu desempenho
em eleições consideradas livres, mas injustas, dados o poder excessivo do
presidente e prisões de adversários.
Menos se nota que, apesar da inflação, da
heterodoxia econômica e do risco de iminente crise externa, a economia teve
crescimento expressivo desde 2003.
A renda per capita cresceu 122%, ante não
mais de 27% no Brasil. Os turcos têm hoje o dobro do poder de compra dos
brasileiros. Em 2022, a economia cresceu 5,6%. Em uma geração, o nível de vida
no país mudou de patamar.
Com o prestígio do nacionalismo religioso,
de guerras culturais e do "homem forte", um expoente internacional da
autocracia pode conseguir mais uma vitória.
Amor que diz seu nome
Folha de S. Paulo
Uniões homoafetivas quadruplicam, mas
Congresso precisa garantir direito em lei
No final do século 19, o escritor irlandês
Oscar Wilde foi condenado a trabalhos forçados por manter relações sexuais com
outro homem. Durante o julgamento, citou um verso do poema de seu amante
—"o amor que não ousa dizer seu nome". A frase tornou-se símbolo da
perseguição sofrida por homossexuais ao longo da história.
Passados mais de cem anos, vários países
derrubaram leis que interferiam de forma grotesca na vida privada dos
indivíduos e criaram outras para garantir direitos, como o casamento. Hoje, o
amor não apenas pode dizer seu nome, como registrá-lo em cartório.
No Brasil, a oficialização da união
homoafetiva foi liberada há dez anos pelo Conselho Nacional de Justiça, a
partir de uma decisão de 2011 do Supremo Tribunal Federal que considerou
inconstitucional negar o casamento civil a pessoas mesmo sexo. Antes, cartórios
eram obrigados a solicitar autorização judicial para fazer o registro.
Desde então, o número de uniões quase
quadruplicou. No ano
passado, foram 12.987, ante 3.700 em 2013. Até abril, 76.430 casais
homoafetivos oficializaram suas relações —cerca de 7.600 por ano.
O avanço trazido pelo Judiciário deve ser
saudado. Contudo é forçoso observar que o Congresso está se eximindo de modo
vergonhoso da sua função de legislar. Até supostos interesses eleitoreiros dos
parlamentares não encontram mais respaldo na sociedade.
Segundo pesquisa Datafolha, em 2013, 67% da
população achava que a homossexualidade deve ser aceita; em 2022, o
número saltou para 79%. Já aqueles que consideravam que a
homossexualidade deve ser desencorajada caiu de 25% para 16% no mesmo período.
O Código Civil brasileiro instituído em
1916 foi atualizado em 2013, mas, apesar das inovações na seara do
comportamento, deixou de fora a união homoafetiva.
Entendimentos do Judiciário tendem a ser
mais mutáveis. Caso a composição do STF se torne mais conservadora, magistrados
podem rever decisões anteriores e eliminar direitos.
Foi o que ocorreu, por exemplo, nos Estados
Unidos —que, em matéria de segurança jurídica, são mais estáveis que o Brasil.
A Suprema Corte norte-americana revogou recentemente sua decisão de 1973 que
legalizou o aborto.
O Congresso deveria, pois, normatizar em lei a união homoafetiva para garantir maior segurança à norma. Nesse quesito, a sociedade brasileira está mais adiantada que seus representantes.
Com o MST, Lula quer vingança
O Estado de S. Paulo
No terceiro mandato presidencial, petista
já nem sequer tenta disfarçar que o MST será um dos instrumentos de sua vendeta
pessoal contra um Brasil que não se deixa enrolar por sua lábia
À primeira vista, a IV Feira Nacional da
Reforma Agrária, realizada na cidade de São Paulo entre os dias 11 e 14 de maio
pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pareceu ser apenas uma
reunião festiva entre cooperativas de pequenos agricultores – esses que teriam
transfigurado o MST do grupo invasor de propriedades alheias que sempre foi no
“maior produtor de arroz orgânico do País”, segundo a mitologia petista – e a
juventude urbana que veste o boné vermelho do MST como item fashion para usar
na balada.
Mas o evento, na realidade, foi um ato
político de arrepiar os cabelos de todos os que se preocupam com o respeito à
ordem jurídica, em particular ao direito de propriedade, e acreditam que sem
paz social, no campo ou na cidade, não haverá a mais tênue chance de o Brasil
ser um lugar atrativo para novos investimentos e trilhar o caminho do
desenvolvimento sustentável. Ao fim e ao cabo, a feira foi pretexto para que o
País inteiro visse que o MST conta com mais do que a simpatia da atual
administração federal; conta com o endosso do governo Lula da Silva para seus
modos truculentos de fazer reivindicações políticas, corriqueiramente
afrontosos à Constituição.
A presença maciça de membros do primeiro
escalão do governo na feira, poucos dias após Lula em pessoa ter atacado
empresários do agronegócio que não lhe nutrem simpatia, sobretudo os produtores
paulistas, chamando-os de “fascistas”, não deixa dúvida de que o presidente usa
o MST como mais um instrumento de sua vendeta pessoal contra um Brasil que não
se deixa enrolar por sua lábia.
A bem da verdade, além da ligação atávica
entre PT e MST, a chancela de Lula às práticas do grupo já havia ficado
evidente quando o presidente fez questão de levar a tiracolo o chefão do MST, o
notório João Pedro Stédile, em sua comitiva durante viagem à China. Não
satisfeito com a mera presença de Stédile no séquito, Lula fez questão de que o
arruaceiro figurasse na foto oficial do encontro de cúpula entre ele e o
presidente chinês, Xi Jinping. Na volta ao Brasil, Lula ainda incluiu o MST
entre os membros do chamado “Conselhão”.
O que se viu na feira do MST foi um desfile
de ministros de Estado que só não superou a posse presidencial. Boa parte da
Esplanada se fez representar no Parque da Água Branca, na zona oeste da capital
paulista. Até o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria,
Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, lá esteve. O cidadão que porventura tenha
acordado de um longo coma e lido o noticiário do sábado passado decerto teve um
choque ao ver Alckmin ser saudado pelos simpatizantes do MST, entre uma
tietagem e outra, como “guerreiro do povo brasileiro”, epíteto que até outro
dia era reservado apenas aos mais empedernidos petistas, os mesmos que Alckmin
outrora combatia.
À medida que o tempo passa, Lula parece
cada vez mais empenhado em deixar claro para o País que aquele líder de uma
formidável “frente ampla em defesa da democracia” não passou de uma personagem
que ele inventou para posar de pacificador de uma sociedade profundamente
dividida. Como presidente, Lula se mostrou incapaz, até agora, de assumir suas
responsabilidades como chefe de Estado e de governo, além de aumentar a aposta
na radicalização em muitas frentes, apenas com o sinal invertido em relação ao
seu antecessor, como forma de manter a coesão de seus apoiadores.
As revelações inequívocas de quão
imbricados estão o governo petista e o MST ocorrem justamente no momento em que
Lula enfrenta enormes dificuldades para governar o País sem uma base de apoio
sólida e confiável no Congresso e sem o apoio da uma parcela significativa da
sociedade que não comunga do ideário petista. Em que esses atos de afronta aos
brasileiros moderados, ao agronegócio e a seus representantes no Poder
Legislativo ajudarão Lula a angariar apoios fora do seu centro gravitacional
nesse momento desafiador, só o “gênio político” do presidente é capaz de
responder.
Brasil envelhece e precisa se adaptar
O Estado de S. Paulo
Novas projeções sobre o perfil da população
incluem impacto do aumento das mortes pela covid; políticas públicas em saúde,
educação e trabalho precisam ser repensadas urgentemente
O Brasil precisa adaptar suas políticas
públicas às novas expectativas para o crescimento populacional. E é necessário
que essa reformulação seja feita de maneira urgente, porque os fundamentos das
prioridades dos gastos governamentais ficarão rapidamente desatualizados,
segundo as projeções mais recentes sobre o crescimento do número de
brasileiros. O envelhecimento populacional está chegando mais cedo.
Um impacto importante da pandemia de covid,
ainda pouco analisado, é a antecipação do momento em que a população do Brasil
vai parar de crescer e passará a decair. O aumento da mortalidade por covid,
que ocorreu em todas as faixas de idade, mudou as projeções populacionais.
Estudo divulgado na semana passada pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) indica que ela deverá crescer até 2030, quando atingirá um
total de cerca de 215 milhões de pessoas. A partir daí, passará a diminuir,
tanto que se espera que em 2040 sejamos apenas 209 milhões. As projeções
sugerem que a população continuará em decréscimo por, pelo menos, 30 anos após
2040.
A conclusão natural desse processo será o
envelhecimento populacional, que já vem ocorrendo desde os anos 1980 no País –
e em outras regiões do mundo. Segundo a autora do trabalho, Ana Maria Camarano,
especialista em pesquisas de igualdade de gênero, raça e gerações do Ipea,
apenas a faixa da população com mais de 45 anos tenderá a aumentar a partir de
2020. Esperase redução para os demais grupos etários e o que ela chamou de
superenvelhecimento da população.
Esse panorama exige, portanto, mudanças
importantes em como os governos de forma geral – a União, Estados e municípios
– vão direcionar seus esforços e recursos. A mudança no perfil da população já
está impactando de forma sensível o mercado de trabalho e esses efeitos devem
se aprofundar. Deverá ser menor o contingente de jovens a entrar no mercado a
cada ano, mas eles precisam estar mais bem preparados para as novas exigências
laborais.
Houve um aumento na escolaridade média da
população nas últimas décadas, confirma o estudo do Ipea, mas continuamos em
pior situação do que países emergentes, mesmo alguns com graves problemas
econômicos, como a Argentina. É certo que em muitos subsetores da economia hoje
a demanda por trabalhadores é menor do que no passado, com a maior utilização
de, por exemplo, robôs na indústria e de mecanismos de inteligência artificial
nos setores de serviços e comércio. Isso significa menor procura de
trabalhadores, porém de trabalhadores com melhor formação.
A menor entrada de pessoas procurando
emprego a cada ano indica, por sua vez, que as empresas precisam, elas também,
adequar suas rotinas para manter o trabalhador por mais tempo nos seus cargos.
O estudo do Ipea indica, nesse caso, sugestões como cargos e horários
flexíveis, redução de preconceitos com relação ao trabalho do idoso, melhoria
no transporte público, entre outras iniciativas.
Assim, é preciso repensar as prioridades na
área da educação. Gradualmente, vai ser necessário menor número de vagas na
pré-escola e na educação básica com a queda na taxa de natalidade. Vale
relembrar que a taxa de fecundidade, que já foi de quatro filhos por mulher num
período relativamente recente, na década de 1980, caiu abruptamente para 2,2
filhos no início deste século e agora está em 1,6 filhos. Claro que a
prioridade deve continuar a ser a oferta de vagas para todas as crianças, mas
essa necessidade está se reduzindo ano a ano. Também é preciso reorientar as
diretrizes para saúde e educação. Um país com gente mais velha deve estar
preparado para oferecer mais leitos hospitalares, mais tratamento geriátrico e
mais condições que facilitem a rotina dos idosos nas grandes cidades.
Como se vê, é uma tarefa hercúlea que o
Brasil e os brasileiros têm pela frente. O envelhecimento populacional não
deveria assustar, mas deve ser visto como um caminho para o País entrar, de
fato, no século 21. Isso, entretanto, só ocorrerá se governo e sociedade
compreenderem que estamos entrando numa nova fase.
Os velhos problemas da Light
O Estado de S. Paulo
Soluções para furtos de energia passam pela
presença do Estado em regiões onde está ausente há décadas
A Justiça do Rio de Janeiro aceitou o
pedido de recuperação judicial apresentado pela Light na semana passada. O grupo
acumula dívidas de cerca de R$ 11 bilhões, concentradas, sobretudo, na
distribuidora, que atende 4,5 milhões de consumidores na capital fluminense e
em 30 municípios do Estado. Como a legislação impede que concessionárias de
serviços públicos entrem em recuperação judicial, a solicitação foi feita em
nome da holding, que inclui operações em geração, transmissão e comercialização
de energia.
Os problemas na Light não são recentes, mas
a empresa alegou que seus desafios se agravaram nos últimos meses. Em abril, a
companhia havia obtido uma liminar para suspender o pagamento de débitos e
promover uma mediação coletiva com seus credores. Porém, com receio de que a
cautelar fosse derrubada e as dívidas executadas, a Light apelou à recuperação
judicial para impedir que a crise atingisse as operações da distribuidora,
motivando em um processo de intervenção por parte da Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel).
Como era de esperar, o pedido de
recuperação judicial da Light não foi bem recebido. Além de ter sido visto como
uma forma de driblar as restrições da lei, ele foi interpretado como uma
maneira de forçar a Aneel a referendar um reajuste extraordinário nas tarifas
da companhia e de pressionar o Executivo a aprovar, de forma antecipada, a
renovação da concessão da Light, que vence em 2026. O pedido causou incômodo ao
governo, que precisa lidar com outras 20 distribuidoras interessadas em renovar
contratos com vencimento entre 2025 e 2031. Em reação, o ministro de Minas e
Energia, Alexandre Silveira, declarou que empresas ineficientes não poderão
renovar seus contratos.
Se a Light poderá ou não continuar à frente
da concessão, é algo que cabe ao governo decidir, conforme regras ainda a serem
definidas pela Aneel. Mas, independentemente do desfecho dessa novela, o
governo terá de encontrar uma solução para o problema crônico dos furtos de
energia que assolam a área em que a Light atua, algo que tem drenado as
receitas da concessionária nos últimos anos.
Não é algo simples ou trivial. É verdade
que 20% da região é dominada pelo crime organizado, o que restringe o acesso de
funcionários para a realização de serviços de manutenção. Porém, de toda a
energia comprada para atender a baixa tensão, a Light só consegue faturar 42%
do que efetivamente entrega. É bem possível que a empresa tenha sido leniente
no combate ao problema, mas o crescimento dos furtos nos últimos anos indica
que os chamados “gatos” ultrapassam a temática da segurança pública e esbarram
em questões sociais, culturais e comportamentais.
Qualquer medida financeira e operacional que ignore esses problemas terá efeito temporário e paliativo. A empresa que ficar responsável pela concessão precisará buscar soluções inovadoras para enfrentálos de forma definitiva, mas o sucesso delas dependerá do apoio, da participação e da presença do Estado em uma área marcada por sua ausência há décadas.
Ressuscitar carro popular é perda de tempo
e dinheiro
Valor Econômico
O governo Lula continua olhando para o
passado, sem responder aos desafios do tempo presente
O projeto do governo Lula de ressuscitar o
automóvel popular parece mais próximo da realidade, embora não haja consenso a
respeito nem entre as próprias montadoras. Resta saber como vai superar
desafios nada triviais para concretizá-lo, entre os quais abrir mão de impostos
em meio a uma inaudita batalha para amealhar receitas para viabilizar o novo
arcabouço fiscal, e conseguir financiamento em condições viáveis em um momento
em que a taxa básica de juros teima em persistir no patamar de 13,75% ao ano.
Assim como prometeu aos eleitores que
voltariam a ter picanha para fazer um churrasco, o presidente Lula vem
defendendo que a população, atormentada diariamente por um transporte público
péssimo, tenha acesso a outro sonho de consumo da classe média, o automóvel
próprio, mesmo que em versão popular.
Lula não se conforma, no entanto, com os
preços dos automóveis mais baratos disponíveis nas revendedoras brasileiras, ao
redor de R$ 70 mil. A própria Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos
Automotores (Anfavea) informou que simulações calculam que o Fusca popular,
lançado por Itamar Franco durante seu governo, na primeira metade da década de
1990, custaria hoje R$ 80 mil, apesar de ser despojado e não contar com vários
itens de segurança. Antes dele, em 1964, o governo militar também procurou
estimular a indústria e o consumo com veículos populares como o Teimoso, com
assentos de material ligeiramente acolchoado, montado sobre estruturas de metal
aparente, e sem seta para sinalizar a direção do veículo.
Muito se evoluiu. Desde 2013, todos os
carros novos têm que ser equipados com airbag e freios ABS. Outros avanços
estão por vir de acordo com o Projeto Rota 2030, lançado pelo governo federal
em 2019 com o objetivo de estimular o desenvolvimento tecnológico, a inovação,
a segurança, o meio ambiente, a eficiência energética e a qualidade. Entre os
itens de segurança a serem incorporados até o fim desta década estão proteção
de impacto ao pedestre; câmera de ré ou sensor sonoro; alerta de cinto de
segurança solto; luzes de rodagem diurna e alerta de colisão.
Muitos desses componentes são importados, o
que justifica em parte a elevação dos preços. Os semicondutores, por exemplo,
dispararam desde a pandemia. As montadoras optaram, então, por se concentrar
nos veículos mais caros, com maior margem de lucro, mas que vendem menos.
Ressentem-se agora da ausência dos modelos mais baratos, mas com maior volume
de vendas. Com uma capacidade instalada de 4,5 milhões de veículos anuais, a
indústria automobilística produziu 2,37 milhões em 2022, incluindo carros de
passeio, veículos comerciais leves, ônibus e caminhões.
Apesar de desejarem vender mais, as
empresas do setor não imaginam voltar atrás e dispensar os avanços
tecnológicos, muitos dos quais, na verdade, já são corriqueiros em outros
mercados e nas fábricas de suas matrizes. Retroceder significaria ficar fora do
mercado global. Por isso, alguns executivos do setor preferem defender a
viabilidade de um veículo de entrada mais barato.
Mas o governo menciona um carro de R$ 45
mil a R$ 50 mil. Para chegar a esse preço estaria o governo disposto a
renunciar a impostos, que representam de 30% a 50% do preço de um automóvel, em
um momento em que busca fontes de receita em todos os cantos?
O combustível é outro ponto de discussão.
Vincular os benefícios a veículos que usam apenas etanol facilitaria defender o
programa em um momento em que o mundo todo procura reduzir a emissão de
poluentes e incentiva os automóveis elétricos. Mas isso ocasionaria gastos
adicionais para a indústria, que já produz os carros flex. Mesmo com a
tecnologia do etanol, não seria o caso de desprezar o desenvolvimento de
automóveis elétricos, uma tendência global, até porque o mercado externo sempre
foi cobiçado.
No Brasil, os veículos elétricos representam
3,3% dos veículos novos vendidos e os importados têm isenção total de impostos
desde 2015. O percentual é bem pequeno perto da experiência internacional.
Desde a década de 1990, quando o Brasil relançava o Fusca, a Noruega incentiva
o automóvel elétrico, que atualmente constitui 80% dos veículos novos vendidos.
Nos EUA, metade da nova frota vendida é elétrica e a proposta da agência de
proteção ambiental é elevar esse percentual a dois terços até 2032.
Para a Anfavea, os juros altos também
influenciam negativamente ao encarecer o financiamento para a compra de
veículos. A associação chega a sugerir modelo chileno que reduziu o custo
financeiro ao autorizar o uso de garantia baseada em recursos de fundo
semelhante ao FGTS. Mas se o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, tem combatido
até o saque-aniversário do FGTS, certamente não veria com bons olhos essa
alternativa.
Uma agenda modernizante não inclui o
estímulo ao uso de carros, mas de transportes públicos eficientes em quantidade
adequada. O governo Lula continua olhando para o passado, sem responder aos
desafios do tempo presente.
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