“O verdadeiro não se encontra na superfície visível.
Singularmente naquilo que deve ser
científico,
a razão não pode dormir e é preciso usar a
reflexão.”
Hegel(1)
“(...) toda a ciência seria supérflua se
houvesse coincidência
imediata entre a aparência e a essência das
coisas”.
Marx (2)
O inferno está vazio, pois todos os
demônios estão presentes na “guerra” em curso nos bastidores da República
brasileira sobre os fundamentos da futura reforma tributária e do novo marco
fiscal ou arcabouço fiscal ou âncora fiscal.
Essas expressões (distantíssimas do pobre
que paga altos impostos frente ao rico que paga pouco imposto) dizem respeito à
engenharia política que definirá as diretrizes de como recompor as receitas
disciplinando as despesas públicas.
Trata-se, num primeiro momento, de mudar o teto
fiscal, mas isso não basta. Isso é espuma frente às necessidades do país. A
estrutura do rio está mais embaixo: está na reforma tributária, expressão de
lutas de grandes interesses.
Neste debate não faltam malabarismos
tecnocrático-herméticos e desfiles linguístico-exibicionistas – alguns absurdos
- que defendem o arrocho social e levantam-se contra o arrocho aos privilégios,
como via para melhorar as finanças públicas e a vida do povo.
E os privilégios a grupos econômicos são
vastos. Vamos a eles.
Num interessante artigo (O dreno financeiro
que paralisa o país: a farsa do déficit[1),
Ladislau Dowbor, professor de Economia nas pós-graduações da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), aponta o que ele chama de “drenos
financeiros” que desnutrem o Estado.
Dentre os quais se destacam:
dreno dos juros da dívida pública, em 2022
terão sido entre 600 e 700 bilhões drenados;
dreno dos juros praticados no Brasil, que,
em 2016, tiravam um trilhão de reais da economia real (16% do PIB);
dreno da evasão fiscal: “em 2020, o Brasil
perdeu R$ 562 bilhões devido a práticas ilícitas para evitar o pagamento de
impostos”;
dreno das renúncias fiscais, que segundo
informe da Câmara dos Deputados, “as renúncias de impostos concedidos pela
União a parcelas da sociedade devem chegar a R$ 456 bilhões em 2023, ou 4,29%
do Produto Interno Bruto (PIB)”;
dreno dos lucros e dividendos distribuídos
que, no Brasil, não pagam impostos. Ou seja, diz Dowbor, “os 290 bilionários
que aparecem na Forbes de 2022 são isentos de impostos, com a justificativa de
que as empresas que possuem já os pagaram”;
dreno dos impostos de exportação que
permite, por exemplo, que a produção
exportada pela Vale do Rio Doce, gere dividendos aos acionistas, mas não
receitas para o Estado - trata-se da Lei Kandir, de 1996, que isenta de
tributos a produção de bens primários e semielaborados destinados à exportação
e
dreno do Imposto Territorial Rural (ITR), onde reina a sonegação irrestrita e declarações fraudulentas, que reduzem ao mínimo do mínimo a arrecadação fiscal.
Há, contudo, nesta pluritemática fiscal, um
tema ausente, que é incontornável e desafia a inteligência político-intelectual-fiscal.
É o tema da economia informal e os prejuízos fiscal-públicos que ela traz a
municípios, Estados e União.
Em 2022, a economia informal brasileira atingiu 17,8% do PIB (Produto Interno Bruto, conjunto de bens e serviços produzidos formalmente pelo país, que chegou a R$ 9,9 trilhões) - algo próximo a R$ 1,7 trilhões de reais.
É o que mostra o Índice da Economia
Subterrânea (IES), cálculo feito pelo Instituto Brasileiro de Ética
Concorrencial, o ETCO, em conjunto com o Instituto Brasileiro de Economia (FGV
IBRE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
ETCO e IBRE-FGV conceituam a economia
subterrânea como “a produção de bens e serviços não reportada ao governo
deliberadamente, com o objetivo de sonegar impostos, evadir contribuições para
a seguridade social, driblar o cumprimento de leis e regulamentações
trabalhistas e evitar custos decorrentes da observância às normas aplicáveis a
cada atividade”
Qual o impacto negativo da informalidade na
arrecadação dos entes federados em proporção ao PIB? Quanto ela prejudica a
economia e a sociabilidade brasileira como um todo? O que fazer diante deste
“buraco negro fiscal”?
Em 2018, União, Estados e municípios
deixaram de arrecadar R$ 382 bilhões em tributos devido à economia subterrânea,
o equivalente a 5,6% do PIB. Os dados constam de levantamento feito pela
economista Vilma da Conceição Pinto, pesquisadora do Instituto Brasileiro de
Economia (Ibre/FGV)
Não há inocentes neste debate sobre a
reforma tributária e o marco/arcabouço/âncora fiscal; seja ele um debate acadêmico,
parlamentar, partidário ou, principalmente, quando travado no chamado mercado -
pois o dinheiro, sob certas circunstâncias, transforma o não em sim e o sim em
não.
O debate não é técnico (ainda que contenha
inevitavelmente esses elementos, claro!), ele é um debate político, que
determinará quem se apropria da renda nacional e quem concentra e exerce de
fato o poder político – expressão concentrada da economia.
A saúde fiscal do Estado brasileiro, em suas três dimensões (União, Estados e municípios), tem, assim, vários inimigos por todos os lados e de diversas cepas que lhe atacam e lhe desnutrem financeiramente e, simultaneamente, aumentam a concentração da riqueza e o bem estar social nas mãos de poucos – mantendo a triste e injusta distribuição de renda no Brasil e a infelicidade de milhões de cidadãos e cidadãs.
É necessário o debate que busque soluções
para possibilitar a que os entes da Federação (União, Estados e municípios)
tenham condições financeiras sustentáveis para promover as políticas públicas
previstas constitucionalmente.
Proponho que a questão de como anular e
superar os prejuízos fiscais originados pela informalidade econômica seja considerado
pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pela ministra do Planejamento, Simone
Tebet, e pelo Congresso Nacional. Que criem uma comissão com especialistas e
com todos que trabalham na informalidade para debater isso.
A economia informal deve entrar de fato no
debate nacional-fiscal, pois há, sim, mecanismos para trazê-la, pelo menos em
parte, ao mundo fiscal formal. E será isso que abordaremos nos próximos textos.
*Economista pela Universidade Mackenzie. Pós-Graduado com Especialização em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).Foi Economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)
1 Hegel, Georg
Wilhelm Friedrich. Lecciones sobre la filosofia de la historia universal. 6º
ed. Madrid, España. Alianza Universidad: 1997. p. 45
2 Marx, Karl. O
Capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2008. Tomo 3. p. 1080.
3 Dowbor, Ladislau. O dreno financeiro que
paralisa o país: a farsa do déficit.
2023. Disponível em: https://sul21.com.br/opiniao/2023/02/o-dreno-financeiro-que-paralisa-o-pais-a-farsa-do-deficit-por-ladislau-dowbor/
. Acesso em: 14 de abril de 2023
4 Instituto
Brasileiro de Ética Concorrencial – ETCO . Economia Subterranea.
5 Este cálculo, diga-se, teve por base o crescimento Produto Interno Bruto (PIB) de 1,3% em 2018. No entanto, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revisou o cálculo anterior e anunciou que PIB brasileiro de 2018 passou de 1,3% para 1,8%. Portanto, num cálculo grosso, e obedecendo ao percentual de 5,6% do PIB da economista Vilma da Conceição Pinto, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV, e o matematizarmos aos 1,8%, dá, conservadoramente, uma perda fiscal de R$ 392,2 bilhões. Valor este que prejudica o Brasil nas esferas da educação, saúde, infraestrutura e ciência e tecnologia.
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