Nova versão de regra fiscal ainda desperta dúvidas
O Globo
Relator acerta ao restabelecer
contingenciamento e travas, porém modelo final está aquém do necessário
O relator do Projeto de Lei (PL) do
arcabouço fiscal na Câmara, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), apresentou na
segunda-feira mudanças no texto encaminhado pelo governo. O Congresso deverá
votar agora o pedido de urgência para que o texto seja examinado pelo plenário
a partir da semana que vem. O substitutivo de Cajado traz avanços importantes
em relação à proposta do governo. Mesmo assim, continuam a pairar dúvidas sobre
a capacidade de o novo arcabouço funcionar e garantir a estabilidade da dívida
pública.
No formato original, o PL propunha um acompanhamento frouxo das contas ao longo do ano. Relatórios sobre receita e despesa do governo, hoje bimestrais, passariam a ser feitos apenas em março, junho e setembro. Em caso de risco para a meta de resultado primário, o governo não precisaria bloquear gastos. Cajado restabeleceu a periodicidade bimestral e a obrigatoriedade de cortes, ainda que de forma mais branda na comparação com a regra atual. O bloqueio proposto tem um limite para preservar um nível de gastos classificado como “mínimo”, que não poderá ser inferior a 75% das despesas discricionárias.
Ainda entre os avanços, o texto de Cajado
prevê travas à irresponsabilidade fiscal. Se o governo não cumprir a meta de um
ano, ficará proibido de criar cargo, emprego ou função que implique aumento de
despesa, de instituir ou aumentar auxílios e de conceder ou ampliar incentivos
fiscais. Em caso de reincidência, ficarão vetados aumento ou reajustes ao
funcionalismo, além de concursos públicos. Cajado também reduziu as exceções no
cálculo da meta fiscal proposto pelo governo. Passarão a ser computados entre as
depesas o Fundeb (da educação), aumentos de capital de estatais e gastos com o
piso nacional de enfermagem.
Apesar do esforço do relator em chegar a
uma proposta conciliadora, fica a impressão de que ele parou de corrigir os
problemas do texto antes da hora. Se o projeto ficar assim, o ajuste será
lento, pois a limitação do aumento do gasto em 2024 será inócua (ele poderá
crescer 2,5%, o máximo permitido). A base das despesas será ampliada, com a
inclusão de novos créditos adicionais. Fora isso, a exclusão de aumentos reais
para o salário mínimo das travas propostas por Cajado criará problemas com os
gastos na Previdência e gerará pressão sobre outras despesas. E, ainda que
representem avanço, as travas se estendem demais no tempo. Um governo
irresponsável poderá empurrar o ajuste com a barriga por anos sem sofrer
sanção.
Arcabouço fiscal: relatório
endurece regra, mas aumenta gastos no curto prazo
O modelo proposto por Cajado, assim como o
PL do governo, continua dependente de forte aumento das receitas para
funcionar, porque tem um mecanismo poderoso de elevação do gasto. A regra
continua sendo ruim, pois despesas que crescerão puxadas pelos vínculos
constitucionais (como saúde e educação) pressionarão inevitavelmente os demais
gastos em qualquer momento de ajuste. É preferível haver alguma regra fiscal,
mesmo que imperfeita, a não haver nenhuma. Mas seria melhor se o Congresso
aperfeiçoasse o texto de Cajado.
Indícios de envolvimento em trama golpista
chegam perto de Bolsonaro
O Globo
PF descobriu mensagens e áudios sugerindo
contato entre ex-presidente e movimento antidemocrático
Depois de meses investigando os golpistas
presos em 8 de janeiro — 795 já se tornaram réus no Supremo Tribunal Federal
(STF) —, a Polícia Federal (PF) descobriu curiosamente numa operação sem
relação com o vandalismo os principais indícios de relação do Palácio do
Planalto com a tentativa de golpe. Eles vieram à tona na investigação sobre o
cartão de vacinação do ex-presidente Jair
Bolsonaro, que apreendeu os celulares do tenente-coronel Mauro Cid,
ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e do ex-major Ailton Barros, expulso do
Exército em 2006.
Os dois foram presos pela PF sob a acusação
de envolvimento na fraude da vacinação. Mensagens e áudios nos celulares de
ambos expõem, segundo relatório
da PF revelado pelo GLOBO, a articulação de um plano para dar
um golpe envolvendo ataques ao STF, às urnas eletrônicas e até a prisão do
ministro Alexandre de Moraes.
Num dos áudios, revelado pela CNN Brasil, Barros
cobra de Cid uma posição sobre a participação do ex-comandante do Exército no
golpe. Duas capturas de tela mostram uma conversa entre Barros e um contato
identificado como “PR 01”. De acordo com a PF, o personagem está “possivelmente
relacionado ao ex-presidente Jair Bolsonaro” (a sigla PR é usada em referência
ao presidente da República). As conversas tratam dos atos de 7 de setembro de
2021, espécie de embrião do movimento golpista do 8 de Janeiro.
Noutros dois áudios do celular de Barros,
um militar não identificado tenta acelerar, diz o relatório, “um golpe de
Estado, que culminaria na tomada de poder pelas Forças Armadas brasileiras,
lideradas pelo ex-presidente da República Jair Bolsonaro”. Numa terceira
gravação, encaminhada a Barros por um contato, um alto funcionário do governo
informa que o comandante do Exército não tomaria a frente “nesse assunto” por
temer as consequências. Barros responde com críticas ao Alto-Comando, dizendo
que um dos generais estava “dificultando a vida do PR”. “Não cabe fazer pressão
no PR”, diz Barros depois de xingar a cúpula do Exército.
É fundamental reconhecer que os comandantes
militares resistiram às pressões golpistas, e a iniciativa aparentemente ficou
restrita a um grupo de baixo escalão. Mas há, segundo a PF, indícios de que
Barros, além de próximo de Cid, mantinha contato frequente com Bolsonaro, a
quem chamou de “segundo irmão” em sua campanha para deputado estadual em 2022.
Barros também acompanhou Bolsonaro na votação do segundo turno na Vila Militar
do Rio de Janeiro.
Os áudios descobertos estão longe de ser prova definitiva do envolvimento de Bolsonaro em qualquer plano de golpe. Mas são o primeiro indício concreto que vincula os golpistas aos gabinetes mais reservados do Palácio do Planalto. Cabe à PF levar as investigações até o fim. O Brasil tem o direito de descobrir até onde chegou a conspiração para solapar a democracia. Se comprovado o envolvimento de Bolsonaro e seu círculo mais próximo, todos precisam ser punidos com o rigor da lei.
Barulho na Petrobras
Folha de S. Paulo
Estatal anuncia política vaga para os
preços, mas intervenção maior será difícil
A Petrobras ocupa obviamente lugar de
destaque na agenda passadista de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —a gigante
estatal, afinal, espelhou à perfeição os momentos de prosperidade, megalomania,
escândalos e, por fim, derrocada das administrações petistas.
Na campanha pelo terceiro mandato, Lula
prometeu reviver os dias em que a companhia fixava seus preços não a partir das
condições de mercado, mas da diretriz e da conveniência do governante da vez.
No último quadriênio, aliás, Jair Bolsonaro
(PL) tentou pôr em prática o mesmo discurso populista, mas suas sucessivas
trocas no comando da petroleira surtiram pouco ou nenhum efeito. Não será
surpresa se o atual mandatário enfrentar dificuldades semelhantes.
Nesta terça-feira (16), a Petrobras
divulgou que adotará uma política diferente para os preços dos combustíveis, em
substituição à que vigorava desde 2016 e seguia de perto as cotações
internacionais e a taxa de câmbio. Em seguida, anunciaram-se reduções
—razoáveis— nos preços da gasolina, do óleo diesel e do gás de cozinha.
Investidores e especialistas do setor
tiveram dificuldade em entender o exato teor das mudanças, mas petistas e
aliados trataram de propagandear uma nova era, de preços
"abrasileirados". Barulho à parte, a novidade
foi bem recebida na Bolsa de Valores por não parecer tão
novidade assim.
Há bons motivos para tal leitura. Em seu
comunicado um tanto vago, a estatal apresenta uma estratégia
mais flexível e menos previsível de reajustes de preços, mas indica
que as cotações internacionais e a busca por rentabilidade continuarão sendo
decisivas.
Acima disso, seguem em vigor os
dispositivos da Lei das Estatais e do estatuto social da Petrobras que
restringem a possibilidade de uso da empresa em políticas públicas.
Tudo isso nem de longe significa, claro,
que estejam afastados os riscos que pairam sobre a gestão da petroleira. Para
além da manipulação de preços, que gerou prejuízos bilionários há poucos anos,
não é segredo que o governo pretende expandir novamente o raio de atuação da
companhia —o que pode significar investimentos temerários e até reestatizações.
Quando o presidente da República determina
o retorno de incentivos à indústria para a oferta de "carros
populares", pode-se ter uma ideia da obsolescência das ideias em curso na
administração.
Felizmente, tem havido resistência a
retrocessos, como se vê agora, por exemplo, na reação do Congresso Nacional à
tentativa de enfraquecer o marco legal do saneamento básico. Sem prejuízo das
realizações do passado, Lula deveria reconhecer os avanços recentes do país e
mirar o futuro.
Mulheres à obra
Folha de S. Paulo
Divisão de tarefas e creches são ações que
aumentam a empregabilidade delas
Revoluções nos costumes ocorridas desde os
anos 1960 libertaram a mulher do jugo doméstico. Todavia a maternidade e o
cuidado do lar ainda dificultam a inserção feminina no mercado de trabalho.
Segundo levantamento do DataSocial,
laboratório da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, feito a
partir de dados do IBGE, de 1,9 milhão
de mães com três ou mais filhos de 0 a 15 anos, quase 798,2 mil (ou 40,69%) não
tinham um emprego remunerado entre outubro e dezembro de 2022
por causa dos afazeres domésticos.
A diferença em relação aos homens é brutal:
apenas 0,62% (11,9 mil) dos pais na mesma condição estavam fora da força de
trabalho devido ao mesmo motivo. Também em casais com dois filhos ou só um o
abismo se verifica, com 28,83% e 21,89% das mulheres ausentes do mercado,
respectivamente, ante 0,45% e 0,55% dos homens.
Apresentava-se uma tendência de queda desde
2012. Mas a pandemia elevou os números, dado o aumento do desemprego e do
desalento no mercado de trabalho.
A sociedade brasileira ainda destina o
cuidado do lar e dos filhos às mães. O resultado é uma exaustiva jornada dupla
de trabalho que leva muitas a desistirem da vida profissional. É necessária,
portanto, uma profunda mudança cultural: homens precisam dividir as tarefas
mais pesadas do lar.
A desigualdade revela-se até na legislação.
Enquanto mulheres têm 4 meses de licença após o parto garantidos pela CLT,
homens têm apenas 5 dias —na Suécia, primeiro país a oferecer
licença-paternidade em 1974, casais recebem 480 dias que podem ser divididos
igualmente, e cada parceiro pode doar 150 dias dos seus 240 ao outro.
Para diminuir as distorções, empresas aqui
também podem oferecer licenças estendidas, jornadas mais flexíveis e
auxílio-creche.
Este último ponto é fundamental. De acordo com
o Censo Escolar de 2022, só 36% das crianças até 3 anos estão em creches —índice
distante da meta de 50% em 2024 do Plano Nacional de Educação.
Fornecer uma rede pública de cuidado no início da primeira infância deve ser
prioridade de uma política de Estado no Brasil.
Há benefícios em duas frentes: creches ajudam mulheres a participarem de modo mais igualitário no mercado de trabalho e contribuem para a formação cognitiva das crianças —o que melhora a aprendizagem no futuro, aumenta a produtividade e reduz desigualdades.
O flerte da Petrobras com o atraso
O Estado de S. Paulo
Nova política de preços é confusa e pouco
transparente, mas permite ao governo fazer reajustes como quiser e abandonar
diretrizes que salvaram companhia da ruína
A Petrobras anunciou uma nova política de
preços de combustíveis a ser praticada no mercado interno. Em um comunicado
confuso e pouco explicativo, a companhia deixou uma gama de possibilidades em
aberto, mas ficou bastante claro que as diretrizes adotadas há quase sete anos
e que salvaram a empresa da ruína financeira foram definitivamente abandonadas.
O fato relevante divulgado pela Petrobras
menciona referências genéricas, que priorizam, na definição da precificação, o
custo alternativo do cliente e o valor marginal para a Petrobras. Segundo a
companhia, isso significa contemplar as principais opções de suprimento do
cliente, sejam de fornecedores dos mesmos produtos ou de produtos substitutos,
bem como o custo de oportunidade da companhia considerando alternativas como
produção, importação e exportação do produto e/ou do petróleo.
A política é tão vaga que permite à
Petrobras fazer reajustes da forma como quiser – ou melhor, da forma que o
governo achar que deve. A única certeza, segundo comunicado distribuído pela
companhia, é que “o anúncio encerra a subordinação obrigatória ao preço de
paridade de importação, mantendo o alinhamento aos preços competitivos por polo
de venda, tendo em vista a melhor alternativa acessível aos clientes”.
Adotada em outubro de 2016, durante o
governo Michel Temer e a gestão de Pedro Parente, a política do Preço de
Paridade de Importação (PPI) considerava o preço de aquisição dos combustíveis
no exterior e o custo logístico para levar o combustível até o ponto de
entrega. Ela incluía não apenas a variação do câmbio e do barril do petróleo no
mercado, mas também frete marítimo e rodoviário e taxas portuárias, além da
margem de lucro e de impostos.
Altamente endividada e acumulando perdas
bilionárias geradas justamente pelo controle artificial dos preços dos
combustíveis nos governos petistas, a Petrobras decidiu, em 2016, concentrar
sua atuação no pré-sal. Consolidar essa política demandava investimentos
vultosos, mas era preciso abandonar a participação dominante da Petrobras no
segmento de derivados, que não trazia retorno para a companhia. Assim, a Petrobras
adotou o PPI, abandonou uma prática predatória e parou de vender gasolina e
diesel com prejuízo, viabilizando a atividade de importadores de combustíveis.
O PPI não foi uma escolha perversa, mas o
reconhecimento de uma realidade inexorável que os governos petistas costumam
ignorar ao discutir a temática dos combustíveis. O Brasil, embora seja um dos
maiores produtores de petróleo e tenha conquistado o status de exportador
líquido de óleo cru, não é autossuficiente em derivados e depende de importações
para abastecer o mercado interno. O PPI tampouco foi uma atitude estúpida da
Petrobras, mas uma forma de fomentar a livre concorrência, o consumidor, a
empresa e, em última instância, o País. Ao concentrar atividades no pré-sal,
uma atividade em que era líder mundial, a empresa reverteu anos de prejuízos,
enquanto o setor de combustíveis rapidamente se adaptou a esse cenário, assim
como o consumidor.
Hoje a Petrobras contribui com 4% do PIB,
recolhe centenas de bilhões de reais em impostos, royalties e dividendos e gera
milhares de empregos diretos e indiretos. É do interesse de toda a sociedade
que a companhia seja lucrativa e faça investimentos rentáveis que a preparem
para a transição energética, mas isso não parece compatível com uma política de
preços que ignora os parâmetros internacionais para favorecer o consumo de
combustíveis fósseis.
Preocupado em desfazer tudo que os governos
anteriores fizeram, o governo Lula começa a flertar com políticas
autodestrutivas que foram marca da administração Dilma Rousseff – como o
retorno de subsídios para a produção de carros populares. Se essas medidas
ultrapassadas já não deram certo antes, não haveriam de funcionar agora que o
País deveria buscar se transformar em uma economia verde. Não há qualquer
lógica que justifique esse resgate do passado, que levou o País a uma das
maiores recessões de sua história, que não o puro revanchismo.
Quem ‘enquadra’ Lula?
O Estado de S. Paulo
Petista avisou que não admitirá oposição do
PT à tramitação do arcabouço fiscal. Mas, ao propor ele mesmo exceções ao
texto, o presidente desmoraliza a proposta da Fazenda
Há poucos dias, o presidente Lula da Silva
reuniu os ministros palacianos e os líderes do governo na Câmara e no Senado.
Segundo consta, nesse encontro o presidente “enquadrou” o PT, deixando claro
que, em hipótese alguma, admitirá oposição de seu partido à tramitação do
Projeto de Lei Complementar (PLC) 93/2023, que institui o novo arcabouço
fiscal.
Em tese, Lula tem razão ao chamar seus
correligionários às falas. O mínimo que se espera do partido do presidente, que
está à frente de dez Ministérios e de tantos outros postos de destaque na
administração pública federal, é a defesa dos projetos elaborados pelo próprio
governo. Mas, ao contrário disso, pululam exemplos de que a oposição mais
ferrenha ao arcabouço fiscal tem vindo justamente dos petistas, sobretudo na
Câmara.
É bom ter em mente que, se dependesse da
vontade da ala mais sectária do PT, o Congresso não estaria deliberando sobre
arcabouço fiscal algum neste momento. No fundo d’alma, petistas como a deputada
Gleisi Hoffmann, presidente do partido, e os deputados Lindbergh Farias e Zeca
Dirceu, entre outros, querem que o governo tenha liberdade absoluta para
gastar. Alguns economistas heterodoxos que andam fazendo a cabeça dessa turma
têm sustentado uma teoria esotérica segundo a qual governos que se endividam na
própria moeda jamais seriam insolventes, pois bastaria imprimir dinheiro na
medida de sua necessidade para quitar dívidas.
Devaneios à parte, ao fim e ao cabo, Lula
teve o bom senso de privilegiar a ala mais moderada do PT, que tem no ministro
da Fazenda, Fernando Haddad, uma de suas faces mais conhecidas. Como já
dissemos neste espaço, a proposta de arcabouço fiscal apresentada por Haddad,
em meados de abril, sem dúvida foi melhor do que a sonhada por muitos de seus
colegas de partido, mas ainda está distante de ser um sistema de controle de
gastos públicos com a seriedade de que o País precisa como o substituto do
regime fiscal anterior, o teto de gastos, o mesmo que é execrado pelos petistas
como a raiz de todos os males do Brasil – depois do impeachment de Dilma
Rousseff, é claro.
Falta quase tudo no texto original do PLC
93 para que a proposta de arcabouço fiscal possa ser reconhecida como tal. Não
há gatilhos rigorosos para deter uma escalada de gastos diante de um cenário
fiscal adverso; há muitas exceções para manutenção de subsídios, os chamados
gastos tributários; e, principalmente, não estão previstas sanções para agentes
públicos que descumprirem as regras fiscais, ferindo de morte a Lei
Complementar 101/2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal, e fazendo do texto não
mais do que uma carta de intenções.
Ao que tudo indica, porém, o relatório do
deputado Cláudio Cajado (PPBA) resolverá, se não todos, quase todos esses
problemas, em especial a questão do enforcement, vale dizer, a ausência de
punição por descumprimento de metas, e a previsão de gatilhos mais arrojados
para o bloqueio de despesas na eventualidade de um cenário de desequilíbrio fiscal.
Para que não haja dúvidas: Lula “enquadrou”
os petistas para que, no mínimo, não desconfigurem o trabalho de Haddad por
meio de emendas que teriam como objetivo enfraquecer ainda mais um texto que já
veio a público desacreditado por sua frouxidão. Lula não cobrou a participação
dos petistas na negociação política na Câmara para tornar o arcabouço um
projeto crível, de fato.
Diante da inexorabilidade da atuação do
Congresso, que, cumprindo seu papel, aprimorará o PLC 93, o presidente em
pessoa tem defendido que o aumento real, ou seja, acima da inflação, dos
benefícios do programa Bolsa Família e do salário mínimo e os recursos do
Fundeb sejam tratados como exceção às regras do novo arcabouço fiscal. Seria o
caso de perguntar, então: quem “enquadrará” Lula? Sabe-se que são temas caros
ao presidente. E exatamente por isso Lula deveria ser o primeiro a defender um
marco fiscal mais rigoroso, ainda que isso seja extremamente improvável.
Remendo argentino
O Estado de S. Paulo
Medidas econômicas são recebidas com
ceticismo, porque o problema é falta de credibilidade do governo
O novo pacote de medidas econômicas anunciado
pelo governo da Argentina está fadado ao fracasso. Essa é a avaliação de
especialistas e também a conclusão a que se chega quando se olha o passado
recente do país vizinho e sua política econômica.
A atual crise argentina já é considerada a
mais severa em duas décadas – e isso significa muito num país que vive de crise
em crise. Pelo andar da carruagem, é possível esperar que os problemas se
aprofundem antes que haja uma melhora – o que provavelmente só deve acontecer
depois das eleições presidenciais deste ano, marcadas para 22 de outubro,
conforme o resultado do pleito.
Qualquer indicador econômico e social que
se tome em consideração, no cenário argentino, indica a gravidade da situação.
Em geral, presta-se atenção na inflação e nas taxas de juros, que atingem
níveis estratosféricos. Mas outros dados assustam. Veja-se o nível das reservas
internacionais. No Brasil, o total era de US$ 348 bilhões em março; na
Argentina são cerca de 10% desse valor – as reservas em abril caíram US$ 4
bilhões, ficando em US$ 35 bilhões.
O Produto Interno Bruto (PIB) praticamente
ficará estagnado neste ano: as previsões são de um aumento de 0,2%. Depois de
anos de crescimento econômico medíocre e inflação persistente, aproximadamente
39,2% dos argentinos — em torno de 18 milhões — viviam em situação de pobreza
no segundo semestre do ano passado, acima do nível dos seis meses anteriores,
de 36,5%, segundo dados oficiais.
Pressionado pela deterioração da economia,
o governo do presidente Alberto Fernández anunciou domingo mais uma tentativa
de conter a inflação, que teve um aumento de 8,4% apenas no mês de abril. É
mais do que toda a inflação brasileira em 12 meses. A taxa anual na Argentina
ultrapassou os 100%.
O pacote de medidas também busca frear a
valorização do dólar ante o peso. Entre as decisões estão a subida das taxas de
juros, a maior liberdade para o Banco Central (BC) controlar a moeda
estrangeira e a aceleração de acordos com o Fundo Monetário Internacional
(FMI). Como se poderia imaginar, nada mudou no mercado de câmbio. Relatos da
imprensa de Buenos Aires informam que o dólar “blue” (a cotação da moeda no
mercado paralelo, sem autorização do BC argentino) teve novas altas, ficando
muito próximo do recorde registrado em abril.
Diz o preceito bíblico que não se deve colocar remendo novo em roupa velha porque o remendo esgarça ainda mais o tecido da roupa, e o rasgo aumenta. São muitas as comparações que podem ser feitas a partir das decisões econômicas do fim de semana. As medidas se assemelham a um conserto feito às pressas no asfalto de uma rua esburacada, antes que os buracos sejam tapados. E o problema é que a falta de credibilidade do governo torna extremamente complicada a adoção de uma reformulação da política econômica que mirasse o médio e longo prazos. De acordo com pesquisa do instituto Management & Fit mencionada pelo jornal Clarín, 68% da população desaprovava a gestão de Fernández em maio do ano passado. E isso antes da aceleração da inflação.
Argentina improvisa pacotes contra inflação
indomável
Valor Econômico
Governo não consegue impedir alta dos
preços nem corrida contra o peso
A alta da inflação acelerou o tempo da
crise econômica argentina. Em abril, ela subiu 8,4% e foi ainda maior que os
7,7% de março - ambas motivaram ações de um governo que na prática não tem mais
instrumentos eficientes para reduzi-la significativamente, ou mesmo conter sua
alta. O ministro da Economia, Sergio Massa, lançou um pacote de nove medidas
para cortar o caminho a novas desvalorizações do peso, um dos principais
fatores de elevação do nível de preços. Foi recebido com ceticismo pelos
analistas, como as providências anteriores.
Massa, que pode ser candidato à
Presidência, com possível, mas longe de certo, apoio da vice-presidente
Cristina Kirchner, pretende antes de tudo ganhar tempo e evitar a explosão de
uma crise política e social semelhante à de 2001 antes das eleições de outubro.
Isso limita os horizontes políticos de seus pacotes econômicos e a
procrastinação a respeito de medidas duras que deveriam ser tomadas e que,
obviamente, não rendem, mas tiram votos. Massa não pode fazer milagres. O
governo tem baixas popularidade e credibilidade e não demonstra a menor
propensão para um plano firme contra a inflação, além de ter diante de si um
horizonte muito curto de tempo para que ele possa ser bem-sucedido.
Sem reservas cambiais, diante da histórica
preferência dos argentinos pelo dólar quando a inflação ameaça disparar, o
governo tem meios limitados para intervir. Uma das principais medidas
anunciadas foi elevar em 6 pontos percentuais, para 97%, a taxa de juros das
aplicações em renda fixa, que já havia aumentado outros 10 pontos em abril,
quando a inflação de março deu um salto e surpreendeu. A meta é remunerar bem o
peso para evitar que os investidores o convertam em dólar. A taxa mensal
efetiva, com os novos juros, ainda assim, situa-se um pouco abaixo dos 8,4% da
inflação corrente.
A medida mais importante, se o país
dispusesse de reservas, é o monitoramento pelo Banco Central das variações
diárias do dólar, o que a autoridade monetária já faz há muito tempo e havia
reduzido a intensidade, a conselho do Fundo Monetário Internacional, com o qual
tem um acordo de US$ 44 bilhões, o maior já feito pela instituição com um país
membro. O BC terá de frear a desvalorização para evitar aceleração da inflação
e sua atuação está perto de chegar ao limite.
Há medidas contraditórias no pacote
divulgado. O governo vai liberar importação de alimentos sem tarifas e até
flexibilizar sua legislação antidumping para aumentar a concorrência e baixar
preços dos produtos importados. É um mistério com que dinheiro pagará o fluxo
adicional de compras do exterior, uma restrição evidente.
Além disso, o governo não poderia deixar de
acionar sua tecla populista-intervencionista, ao anunciar a criação de um
superorganismo reunindo Receita, BC e aduanas para evitar “remarcações
abusivas” de preços. As autoridades sentem os efeitos da disfuncionalidade do
sistema de múltiplos câmbios no país e suspeitam, com certa razão, que há
empresas obtendo licenças para importar pelo câmbio oficial (240,5 pesos) e
vendendo-os como se seus custos tivessem ocorrido pelo dólar paralelo (488
pesos). Por fim, Massa reduziu um pouco a taxa de juros no cartão de crédito e
outros tipos de compras a prazo de produtos nacionais.
Para tentar fugir à penúria de dólares, a
Argentina pede ao FMI um adiantamento dos próximos desembolsos com o que, se
aceito, poderia receber US$ 10,9 bilhões até o fim do ano. Massa vai à China no
fim do mês com dupla missão: ampliar para US$ 9 bilhões os contratos de swap
(usa US$ 5 bilhões) e convencer Pequim a que possa ter acesso ao dinheiro do
banco dos Brics ou que dele possa se beneficiar se créditos para tal fim forem
dados ao Brasil, que faz parte do grupo.
O governo brasileiro é mais do que
simpático ao pleito argentino. Em Tóquio, o ministro Fernando Haddad mencionou
a crise argentina à secretária de Tesouro dos EUA, Janet Yellen, e pediu ajuda
do FMI a ela. Lula já havia dito que a solução é que o Fundo “tirasse a faca”
do pescoço da Argentina. Não há faca nenhuma e o programa da instituição com
Buenos Aires é um dos mais moderados de sua história. O FMI é quase refém da
Argentina. Fez seu maior empréstimo ao governo Macri, que fracassou na execução
do programa, enquanto os peronistas acusavam o FMI de favorecimento eleitoral.
O Fundo prorrogou então o programa com Alberto Fernández, enquanto Cristina
Kirchner criticava o acordo, que não exige desembolso do principal do atual
governo, só do próximo.
De novo, a Argentina não consegue deter a
inflação nem a corrida contra sua moeda. É uma situação muito delicada, às
vésperas de um pleito eleitoral em que a extrema-direita é competitiva, os
candidatos peronistas estão nas cordas, e os da direita moderada têm alguma
dianteira. Javier Milei, a estrela reacionária, prega a dolarização da
economia. “Por que continuar a ter o peso como moeda”, indaga. Grande parte dos
argentinos pode não concordar com ele, mas há tempos abandonaram a moeda
nacional.
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