Valor Econômico
Cassação de Dallagnol mostrou que
lavajatismo não morreu
Deltan Dallagnol colocou o Ministério
Público Federal no modo guerrilha e o país num frenesi jurídico-político do
qual não saiu até hoje. Transformou-se, assim, num dos principais cabos
eleitorais do ex-presidente Jair Bolsonaro. Apesar disso, ou melhor, em grande
parte por causa disso, recebeu o voto de 344 mil paranaenses para chegar à
Câmara dos Deputados e se dedicar à política, vocação que não foi capaz de
sublimar durante seu mandato como procurador da República.
O TSE foi o grande dique de contenção do golpismo que ameaçou inundar a democracia, mas, ao cassar o mandato de Dallagnol, não contribui para devolver o país à normalidade institucional. O lavajatismo de Dallagnol ajudou a derrubar Dilma Rousseff. Com o lavajatismo que tem guiado decisões como a da noite desta terça-feira, o TSE, supostamente, sai em socorro ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas pode ajudar a minar sua legitimidade.
Nas 24 horas que se seguiram à decisão,
Lula foi identificado por Dallagnol e por sua audiência, agora ampliada nas
redes sociais, como o principal responsável por sua cassação. Isso acontece num
momento em que o presidente havia sido convencido a conter a verve incendiária
e focar nos resultados do seu governo. A decisão preocupa colaboradores
próximos. E há razões para isso. Como Lula bem sabe, a política paga um preço
quando se faz gato e sapato do direito. As Forças Armadas foram enquadradas mas
não o anseio por uma moderação que exerça a autoridade que o Judiciário perde
ao extrapolar seu poder.
Impõe-se, para demonstrá-lo, comparar a
decisão do TSE com outra, da mesma Corte, de seis meses atrás. A composição era
a mesma, salvo pela saída do ministro Ricardo Lewandowski e a entrada do
ministro Kassio Nunes. Na presidência, lá e cá permanece o plenipotenciário
ministro Alexandre de Moraes.
Na cassação de Dallagnol o argumento que
acabou por prevalecer foi aquele do relator, o ministro Benedito Gonçalves, de
que o deputado incorreu nas infrações da Lei da Ficha Limpa. Ele sustentou que
Dellagnol antecipou sua exoneração do MPF porque havia 15 procedimentos
administrativos correndo contra si no Conselho Nacional do Ministério Público.
A diferença entre “procedimento” e
“processo” não é firula. A Ficha Limpa diz que são inelegíveis por oito anos os
magistrados e membros do MP que tenham pedido exoneração na pendência de
processo administrativo disciplinar.
O vice-procurador geral eleitoral, Paulo
Gonet, se manifestou pela improcedência da ação porque não identificou
processos, mas procedimentos - reclamações disciplinares, sindicâncias e
pedidos de providências, que são atos monocráticos sem garantia de
contraditório e ampla defesa, ao contrário de um processo administrativo
disciplinar, que é colegiado.
E isso foi exatamente o que foi chancelado
em decisão do TSE, de dezembro de 2022, que manteve o mandato de Moro. O
relator de então, ministro Raul Araújo, manteve o entendimento de que “não é
qualquer espécie de procedimento disciplinar que leva à aplicação de
penalidades (...) o que se tem é tão somente a existência de procedimentos
destituídos de caráter penalizante, por serem, no máximo, de eventual ordem
preparatória”. Foi este voto que arrancou a unanimidade dos pares seis meses
atrás.
Moro pediu exoneração para ser ministro de
Bolsonaro, o grande beneficiário de suas arbitrariedades, enquanto Dallagnol o
fez 11 meses antes da eleição, por ocasião da punição de um colega da
Lava-jato. Foi isso que levou à alegação de fraude do relator. O 8 de janeiro
justifica a mudança de posição dos ministros? Como o julgamento durou um
minuto, sem votos individuais, fica difícil saber das motivações, mas pelo
menos um ministro, Carlos Horbach, foi exposto, a partir da quebra de sigilo de
assessores de Bolsonaro, num encontro sigiloso no Palácio do Planalto.
Dallagnol já disse que vai recorrer da
decisão. No Twitter, o advogado eleitoral Horácio Neiva citou um voto do
ministro Luis Roberto Barroso, que sugere acolhimento: “É entendimento pacífico
desta Corte Superior que o direito à elegibilidade é direito fundamental. Como
resultado, de um lado, intérprete deverá, sempre que possível, privilegiar a
linha interpretativa que amplie o gozo de tal direito”.
Com a decisão, porém, o TSE já deu a
Dallagnol um tamanho maior do que seu rudimentar desempenho como parlamentar
possibilitou até aqui. Chegou a dizer que o projeto das Fake News censurava a
bíblia e foi obrigado a ouvir uma aula de direito de Flavio Dino quando o
acusou de ter feito acordo com o crime para entrar no Complexo da Maré, no Rio,
e o ministro o desafiou a prová-lo.
O desempenho parecia dar razão a Lula, que,
nas entrevistas concedidas em Curitiba, disse esperar que tanto Dallagnol
quanto Moro entrassem na política para serem por ela derrotados. Mas não parece
ser este o entendimento do TSE. E não apenas aquele tribunal. Os ventos do
lavajatismo sopram também na sua nativa Curitiba, onde o juiz da 13ª Vara
Federal, que substituiu Sergio Moro, deu uma decisão, nesta quarta-feira, que
pode comprometer os acordos de leniência com as empreiteiras da Lava-jato.
Ao levantar o sigilo da leniência da
Odebrecht, que é garantido por lei, o juiz Eduardo Fernando Appio disse que “há
um intenso interesse público nas informações nele contidas”. Foi o mesmo
argumento que Moro usou para abrir o sigilo das conversas entre Lula e Dilma às
vésperas do impeachment.
Um comentário:
Aqui se faz,aqui se paga.O varejo,o atacado fica sempre para a próxima encarnação.
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