sábado, 24 de junho de 2023

Alvaro Gribel - Juros já cruzaram a montanha

O Globo

Na prática, Banco Central já iniciou o processo de flexibilização da taxa Selic

Ainda que o Banco Central não tenha sido claro de que irá cortar os juros em agosto, é fato que a política monetária começou o processo de relaxamento. Como resumiu o gestor de uma grande corretora, “os juros já cruzaram a montanha”. A reação do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e do próprio presidente Lula reflete duas preocupações legítimas, mas também carrega uma forte dose de sentimentalismo. Primeiro, a equipe econômica diz que são constantes os relatos de todos os setores — indústria, agricultura e serviços — de que os juros estão asfixiando a atividade econômica, com risco de empresas quebrarem. Segundo, a Selic elevada vai afetar o PIB e, consequentemente, a arrecadação, podendo minar o esforço fiscal. Até aí, tudo faz sentido. Mas há também o componente emocional pelo fato de Campos Neto ter sido indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Por isso, mesmo que os juros caiam, nada indica que a convivência em algum momento será pacífica.

O grande receio

Na Fazenda, o grande receio é que todo o esforço fiscal seja perdido, mas não pelo projeto, em si. Mas pelo fato de que Lula está perdendo a paciência com o Banco Central. Isso poderia fortalecer a ideia dentro do governo de que bancos públicos poderão suprir a Selic elevada com concessão de crédito subsidiado. Por isso, há forte incompreensão sobre o conservadorismo do Copom, já que as expectativas de inflação estão em queda. O temor é que o presidente não aguente esperar até setembro e acione esse plano B, com uma agenda intervencionista.

Aposta mantida

Antes do comunicado do Copom, economistas como Marcelo Fonseca, da Reag Investimentos, já apontavam que a principal sinalização do Banco Central seria a retirada do trecho de que não hesitaria em subir os juros. Por isso, Fonseca continua apostando que a Selic cairá em agosto, no mais tardar, em setembro.

— As expectativas de inflação estão em queda e cairão mais se a meta de inflação for mantida em 3% na reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN). Começa com 0,25 ponto de redução, vai para duas de 0,50, e se a atividade começar a dar sinais mais claros de desaceleração no segundo semestre, como acho que irá, pode acelerar para 0,75bp (de corte) em dezembro.

Por essas contas, a Selic chegaria ao final do ano em 11,75%. No ano que vem, continuaria caindo para 9,5% no primeiro semestre.

Olhar de longo prazo

Do ponto de vista político, o conservadorismo do Copom pode ajudar Lula mais uma vez, caso ele aguente esperar. No ano passado, a alta da Selic para 13,75% contribuiu para frear os estímulos dados por Bolsonaro para tentar reverter as pesquisas eleitorais. Agora, poderá garantir um quadro de inflação baixa no início do mandato, o que tornará os seus últimos três anos de governo mais tranquilos, especialmente 2026, quando poderá tentar a reeleição.

O exemplo de Dilma

O quadro agora é muito mais tranquilo, porque o IPCA está em 3,94% nos 12 meses até maio. Mas é sempre bom lembrar o erro cometido pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2011. Após a queda de 0,2% do PIB no terceiro trimestre, Dilma pressionou o então presidente do Banco Central Alexandre Tombini a cortar a Selic, mesmo com a inflação na casa de 7%. Depois disso, o resto de seu mandato foi de inflação elevada. Também vale pontuar que o aumento dos preços foi uma das causas para as manifestações de junho de 2013, que tiveram como estopim o reajuste das tarifas de ônibus nas grandes capitais do país. Naquele mês, o IPCA estava em 6,7% em 12 meses. A Selic, que caíra para 7,25%, já havia começado a subir e só parou em 14,75%, em 2015. No ano seguinte, veio o impeachment, depois de o IPCA chegar a 10% e corroer a popularidade da presidente. Pressionar o BC é um barato que pode sair caro.

Mais dois recados

Na próxima semana, o Banco Central terá mais duas oportunidades para indicar o rumo dos juros. Primeiro, com a divulgação da ata, na próxima terça-feira, depois, com a divulgação do Relatório de Inflação, na quinta pela manhã. O azar do calendário é que a reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) só acontecerá depois, sem que dê tempo para o BC ajustar o discurso. O que se espera é que a meta de inflação seja mantida em 3%. Do contrário, haverá forte piora das expectativas.

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