O Globo
Na prática, Banco Central já iniciou o
processo de flexibilização da taxa Selic
Ainda que o Banco Central não tenha sido claro de que irá cortar os juros em agosto, é fato que a política monetária começou o processo de relaxamento. Como resumiu o gestor de uma grande corretora, “os juros já cruzaram a montanha”. A reação do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e do próprio presidente Lula reflete duas preocupações legítimas, mas também carrega uma forte dose de sentimentalismo. Primeiro, a equipe econômica diz que são constantes os relatos de todos os setores — indústria, agricultura e serviços — de que os juros estão asfixiando a atividade econômica, com risco de empresas quebrarem. Segundo, a Selic elevada vai afetar o PIB e, consequentemente, a arrecadação, podendo minar o esforço fiscal. Até aí, tudo faz sentido. Mas há também o componente emocional pelo fato de Campos Neto ter sido indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Por isso, mesmo que os juros caiam, nada indica que a convivência em algum momento será pacífica.
O grande receio
Na Fazenda, o grande receio é que todo o
esforço fiscal seja perdido, mas não pelo projeto, em si. Mas pelo fato de que
Lula está perdendo a paciência com o Banco Central. Isso poderia fortalecer a
ideia dentro do governo de que bancos públicos poderão suprir a Selic elevada
com concessão de crédito subsidiado. Por isso, há forte incompreensão sobre o
conservadorismo do Copom, já que as expectativas de inflação estão em queda. O
temor é que o presidente não aguente esperar até setembro e acione esse plano
B, com uma agenda intervencionista.
Aposta mantida
Antes do comunicado do Copom, economistas
como Marcelo Fonseca, da Reag Investimentos, já apontavam que a principal
sinalização do Banco Central seria a retirada do trecho de que não hesitaria em
subir os juros. Por isso, Fonseca continua apostando que a Selic cairá em
agosto, no mais tardar, em setembro.
— As expectativas de inflação estão em
queda e cairão mais se a meta de inflação for mantida em 3% na reunião do
Conselho Monetário Nacional (CMN). Começa com 0,25 ponto de redução, vai para
duas de 0,50, e se a atividade começar a dar sinais mais claros de
desaceleração no segundo semestre, como acho que irá, pode acelerar para 0,75bp
(de corte) em dezembro.
Por essas contas, a Selic chegaria ao final
do ano em 11,75%. No ano que vem, continuaria caindo para 9,5% no primeiro
semestre.
Olhar de longo prazo
Do ponto de vista político, o
conservadorismo do Copom pode ajudar Lula mais uma vez, caso ele aguente
esperar. No ano passado, a alta da Selic para 13,75% contribuiu para frear os
estímulos dados por Bolsonaro para tentar reverter as pesquisas eleitorais.
Agora, poderá garantir um quadro de inflação baixa no início do mandato, o que
tornará os seus últimos três anos de governo mais tranquilos, especialmente
2026, quando poderá tentar a reeleição.
O exemplo de Dilma
O quadro agora é muito mais tranquilo,
porque o IPCA está em 3,94% nos 12 meses até maio. Mas é sempre bom lembrar o
erro cometido pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2011. Após a queda de 0,2%
do PIB no terceiro trimestre, Dilma pressionou o então presidente do Banco
Central Alexandre Tombini a cortar a Selic, mesmo com a inflação na casa de 7%.
Depois disso, o resto de seu mandato foi de inflação elevada. Também vale
pontuar que o aumento dos preços foi uma das causas para as manifestações de
junho de 2013, que tiveram como estopim o reajuste das tarifas de ônibus nas
grandes capitais do país. Naquele mês, o IPCA estava em 6,7% em 12 meses. A
Selic, que caíra para 7,25%, já havia começado a subir e só parou em 14,75%, em
2015. No ano seguinte, veio o impeachment, depois de o IPCA chegar a 10% e
corroer a popularidade da presidente. Pressionar o BC é um barato que pode sair
caro.
Mais dois recados
Na próxima semana, o Banco Central terá mais duas oportunidades para indicar o rumo dos juros. Primeiro, com a divulgação da ata, na próxima terça-feira, depois, com a divulgação do Relatório de Inflação, na quinta pela manhã. O azar do calendário é que a reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) só acontecerá depois, sem que dê tempo para o BC ajustar o discurso. O que se espera é que a meta de inflação seja mantida em 3%. Do contrário, haverá forte piora das expectativas.
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