sábado, 24 de junho de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Juro é tema que exige discussão técnica, não política

O Globo

Ao atacar presidente e autonomia do BC, Lula e Haddad contribuem para disseminar visão errada da economia

O Brasil é um dos poucos países onde os jornais dão destaque a um tema que, no mundo desenvolvido, fica relegado aos meios acadêmicos e ao mercado financeiro: a taxa de juros. Pudera. Ao manter a Selic em 13,75%, o Banco Central (BC) despertou a ira do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Lula não se cansa de atacar o BC, e Haddad disse que a queda do juro deveria ter começado em março. Ambos estão errados — e disseminam uma visão errada.

O brasileiro que embarcou na batalha em torno dos juros precisa evitar a simplificação grosseira — a ideia de Lula segundo a qual o BC “está jogando contra os interesses da economia” — e entender que se trata de discussão técnica. Quanto mais é tratada em tons políticos, pior para o país. É um sintoma do nosso atraso que mesmo meios intelectuais sofisticados aceitem argumentos pedestres, que atribuem ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, alguma intenção política (ou maligna), ignorando o papel e o funcionamento dos bancos centrais. Tornar o BC autônomo foi, por sinal, fundamental justamente para evitar a interferência política que manipulava juros e alimentava a inflação no passado.

É verdade que o juro é alto no Brasil. Descontada da Selic a inflação projetada para o próximo ano, a taxa perto de 7% põe o país na liderança do ranking de juros reais (seguido por México e Chile, com 6% e 5% respectivamente). Tal realidade não é nova. Entre 2000 e 2007, os juros reais brasileiros giraram em torno de 11%. Depois, em razão da estabilidade monetária, da confiança fiscal e do acúmulo de reservas, caíram para 5% entre 2008 e 2017. Nos dois anos anteriores à pandemia, desabaram a pouco mais de 2%. A pressão inflacionária que se seguiu inverteu o ciclo no mundo todo, e o BC se viu obrigado a retomar o aperto monetário.

Tecnicamente, bancos centrais buscam praticar uma taxa de juros neutra, patamar capaz de controlar os preços sem interferir no ciclo econômico. Não é tarefa simples, pois envolve a análise dos indicadores inflacionários, do nível de atividade e das expectativas futuras, ponderados por modelos matemáticos sofisticados. A realidade brasileira resulta no maior juro neutro do mundo (uns 3,5% antes da pandemia, patamar que subiu diante da incerteza fiscal). Isso acontece por termos baixo nível de poupança — menos de 16% do PIB, bem aquém dos 22% no Chile ou 21% no México — e gastos altíssimos com aposentadorias (ao redor de 12% do PIB). A resultante é mais consumo e maior pressão inflacionária.

Com maior inflação média, menos poupança e mais gasto previdenciário, naturalmente o juro neutro necessário para segurar a espiral de preços é mais alto. É essa a principal razão para as taxas recordes no Brasil. “Não é culpa do BC”, diz Samuel Pessôa, pesquisador do Ibre/FGV e economista-chefe do Julius Baer Family Office. “O juro alto resulta das próprias escolhas da sociedade, que são feitas no Congresso Nacional. A culpa é nossa.”

É possível criticar, com base em argumentos técnicos, a estratégia de Campos Neto para combater a inflação. Mas é inegável que ela tem surtido o efeito desejado. O índice acumulado em 12 meses está em torno de 4%, dentro da meta perseguida (embora deva subir até o fim do ano). O importante é entender o que se critica. Não dá para pôr a culpa no termômetro pela febre ou no barômetro pela tempestade.

Lei canadense para jornalismo digital deveria inspirar o Brasil

O Globo

Ao estabelecer que as plataformas têm de pagar pelo conteúdo usado, legislação torna mercado mais justo

Canadá se tornou nesta semana mais um país onde as plataformas digitais serão obrigadas a pagar às empresas jornalísticas pelo uso de seu conteúdo, apontando um caminho que também deveria ser seguido pelo Brasil. A Lei de Notícias On-Line, aprovada pela Câmara e pelo Senado canadenses na quinta-feira, segue o mesmo caminho de normas em vigor na Austrália, Alemanha, França e outros países europeus. Como reação, as plataformas ameaçam deixar de veicular conteúdo produzido pelas empresas de jornalismo profissional — ameaça que dificilmente será cumprida.

Mesmo que a lei só entre em vigor no ano que vem, a Meta — dona de FacebookInstagram e WhatsApp — soltou nota informando que o “conteúdo de fontes noticiosas, incluindo editoras de jornais e emissoras de rádio e TV, não estará mais disponível para as pessoas que acessem nossas plataformas no Canadá”. Bravata. A empresa fez a mesma ameaça quando a lei australiana, pioneira ao estabelecer a remuneração pelo jornalismo digital, entrou em vigor, em 2021. Depois recuou.

Embora falem grosso, as plataformas têm preferido fechar acordos com as empresas jornalísticas. Em 2022, ano seguinte à entrada em vigor da Diretiva Europeia de Direitos Autorais, o Google chegou a um entendimento para remunerar mais de 300 veículos de imprensa de Alemanha, Hungria, França, Áustria, Holanda e Irlanda. O acordo se estende ao pagamento de direitos autorais a músicos, artistas e escritores.

Nos Estados Unidos, o Google também fechou acordos de três anos com a News Corporation, controladora do Wall Street Journal e da Fox, e com o New York Times. O entendimento não só prevê pagamento por conteúdos deste jornal, mas também inclui participação do Google em venda de assinaturas e fornecimento de ferramentas de marketing. Tais exemplos mostram que as plataformas têm tudo para se beneficiar de um ambiente de negócios mais justo, em que se tornem parceiras, não predadoras do trabalho alheio.

O objetivo da legislação canadense é justamente trazer um mínimo de equilíbrio a um mercado em que os distribuidores funcionam como parasitas dos produtores de conteúdo. Meta e Alphabet (dona de Google e YouTube) faturam mais de 65% dos anúncios digitais no mundo. Embora se digam “empresas de tecnologia”, ninguém tem dúvida de que são empresas de comunicação, que vivem da audiência atraída pelo conteúdo produzido por terceiros. Nada mais justo que haver regulação para equilibrar a relação.

Está em jogo não apenas um ambiente de negócios menos predatório, mas também a saúde da imprensa profissional, fundamental para o futuro da democracia. No Brasil, em razão da pressão de artistas e outros produtores de conteúdo, a determinação de que as plataformas negociem pagamento com veículos de imprensa foi retirada do Projeto de Lei das Fake News para tramitar separadamente no Congresso. É essencial agora que a tramitação seja célere, para que o país disponha de legislação tão moderna quanto a australiana, a europeia ou a canadense.

Regra relaxada

Folha de S. Paulo

Senado acrescenta exceções ao controle de gastos, enquanto receita é incógnita

A regra de contenção do gasto público foi aprovada no Senado com modificações ruins. As emendas exigem que o projeto seja apreciado outra vez na Câmara dos Deputados. A nova versão do texto exclui dos limites as despesas com o Fundeb, o fundo de manutenção do Distrito Federal e verbas para ciência, tecnologia e inovação.

Quanto mais exceções, como é óbvio, maior a possibilidade de crescimento descontrolado de gastos e menor a capacidade de remanejar recursos do Orçamento.

Concluída a tramitação das novas normas, o que deve ocorrer no início de julho, é importante que o governo crie condições para o cumprimento das metas de redução de déficit público e, a partir do ano que vem, busque equilíbrio e superávit nas contas.

O sucesso depende de parcimônia nos gastos e, o que é mais problemático, de grande alta nas receitas. Ademais, os desejos do governo não são suficientes para aumentar a arrecadação.

Isso porque o montante embolsado pelo Estado está sujeito naturalmente ao ritmo de expansão da economia. Mas, apesar da melhora nas estimativas para o PIB, o resultado em termos de coleta de impostos ainda é uma incógnita.

A arrecadação federal ainda cresce em relação a 2022, descontada a inflação. Contudo, nos primeiros cinco meses do ano, esse aumento foi de apenas 1%. —mesmo com resultado bem melhor em maio.

Esperam-se recursos extras oriundos de vitórias da União em julgamentos de isenções fiscais. Ainda deve haver ganhos com regras que vão limitar o subfaturamento de exportações, com a volta de tributos sobre combustíveis e com a negociação de contenciosos na Receita Federal. No entanto é difícil dizer se essas fontes atingirão o volume estimado.

Do lado negativo, há o compromisso com a indexação do salário mínimo, que afeta a despesa do INSS. O gasto com saúde e educação voltou a ser vinculado à alta da receita e há projeto para elevar dispêndios com servidores.

O governo quer que estatais paguem menos dividendos, o que afeta o cofre federal, enquanto a queda no preço das commodities, em particular do petróleo, deve reduzir essa fonte de dinheiro. Por fim, o projeto que diminui isenções fiscais ainda não está claro.

A estabilização econômica depende do controle firme da inflação, que em grande parte depende da situação fiscal. É possível que a economia brasileira inicie um modesto círculo virtuoso caso as políticas monetária e fiscal entrem em sintonia. O controle do déficit, porém, ainda exigirá muito esforço.

Sem comprometimento rigoroso, a norma fiscal, já um tanto permissiva, não vai funcionar.

A alma do negócio

Folha de S. Paulo

Sem marca na gestão, Nunes eleva gasto publicitário de olho na reeleição em SP

Se o Código de Defesa do Consumidor coubesse também no universo político, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), poderia ter problemas com o artigo que trata da propaganda enganosa, definida como aquela que, sendo inteira ou parcialmente falsa, induz o cidadão a erro a respeito de dados sobre produtos e serviços.

O questionamento seria pertinente no caso de Nunes, submetido neste mês a uma superexposição na TV. Como de hábito, a fantasia do mundo publicitário passa longe da realidade vivenciada pelo paulistano em seu dia a dia.

Para que os exemplos não se acumulem como as pilhas de entulho pelas ruas da cidade, basta mencionar as críticas frequentes à zeladoria. Não é nada difícil andar pela capital e encontrar lixo abandonado ou buracos que sobrevivem intocados por semanas a fio.

Na publicidade, nada disso aparece. Seja na propaganda partidária do MDB, estrelada por Nunes, seja nas peças institucionais da prefeitura, tudo funciona na metrópole, graças à providência de uma administração simbolizada pela conhecida imagem do canteiro de obras.

Não há dúvidas de que o prefeito tem feito investimento pesado nisso —em propaganda, ao menos. Como mostrou reportagem desta Folha, Nunes alcançou o maior gasto municipal com publicidade em 12 anos e o segundo maior em duas décadas. O único alcaide paulistano que o superou nesse quesito foi Gilberto Kassab (PSD).

Pelos dados oficiais, Nunes aportou R$ 223,7 milhões nessa rubrica ao longo de 2022, enquanto Kassab, em valores corrigidos, destinou R$ 243,2 milhões em 2010.

Tudo porque o atual prefeito pretende disputar a reeleição no ano que vem, mas, até agora, não conquistou nenhuma marca que o torne conhecido da população.

Ex-vereador, Nunes tem sido bem-sucedido na aprovação de projetos na Câmara Municipal. Mesmo aí, porém, falta uma vitrine e sobram problemas, como o recuo no nebuloso programa de reconhecimento facial e o imbróglio da revisão atabalhoada do Plano Diretor da cidade —que ainda desgasta o prefeito por sua proximidade com o setor imobiliário.

Nunes tem todo o direito de buscar a reeleição, embora seja tarefa notoriamente complicada em São Paulo. Entre seus trunfos está um caixa cheio como poucas vezes na história recente do município. Convém que aproveite melhor os recursos à sua disposição.

Pela reforma tributária possível

O Estado de S. Paulo

Governadores dos Estados mais ricos marcam posição e se opõem a detalhes da reforma em discussão na Câmara. É hora de abandonar o que consideram ser a proposta ideal e ceder

O relator da reforma tributária na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), finalmente apresentou o relatório preliminar que será submetido aos deputados. Até a votação, prevista para ocorrer na primeira semana de julho, o texto deverá ser “espancado” e modificado para contemplar os interesses do setor produtivo e dos entes federativos. O debate é sempre necessário e bem-vindo, mas não será possível avançar se cada uma das partes não aceitar ceder. Isso seria lamentável, tendo em vista que se trata da melhor chance em anos de rever as disfuncionalidades que se tornaram marca do sistema tributário nacional.

Como esperado, a proposta de Ribeiro propõe a fusão de cinco tributos federais, estaduais e municipais que incidem sobre o consumo em um novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, com uma parcela administrada pelo governo federal e outra por Estados e municípios. Ele terá uma alíquota única como regra geral, que será 50% menor para alguns setores, como saúde, educação, transporte público coletivo, medicamentos e produtos do agronegócio. Alguns segmentos ficarão isentos; outros terão um imposto seletivo para desestimular o consumo. Acertadamente, Ribeiro não definiu as alíquotas do imposto, discussão que já inviabilizou reformas anteriores, e deixou essa etapa para uma fase posterior.

O maior desafio, como já se imaginava, será a obtenção do apoio dos governadores à proposta. Para viabilizar a reforma, a União está disposta a aportar, no máximo, R$ 40 bilhões anuais para compensar as perdas de Estados e municípios. O dinheiro serviria para bancar os benefícios convalidados, que correspondem a incentivos tributários dados no passado, no âmbito da guerra fiscal, e que continuarão em vigor até 2032, e para o custeio do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), cuja intenção é reduzir desigualdades regionais.

Os Estados, por sua vez, querem mais recursos – no mínimo, R$ 75 bilhões anuais da União. Há resistências, também, ao comitê de gestão compartilhada da arrecadação e à divisão dos recursos entre os entes federativos. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, quer que o comitê cuide apenas das receitas geradas por operações interestaduais. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, teme que os Estados percam autonomia. “Não queiram dizer a mim, que fui eleito pelo voto, que eu viva de mesada. Não vou viver”, disse, em entrevista ao Estadão.

Chama a atenção que as divergências em relação à proposta de reforma tributária não venham dos Estados mais pobres, mas daqueles que figuram entre os mais ricos do País. Isso mostra que sua prioridade é não perder recursos, uma disposição que não condiz com o espírito de uma reforma tributária ampla como a que o País precisa, em que cada um perde um pouco para que todos ganhem ao final.

Já ficou claro que o País não terá a reforma perfeita, mas a reforma possível. Se a intenção fosse simplificar a tributação sobre bens e serviços, o correto seria insistir no IVA único, e não no dual, que já foi uma concessão do governo federal. Ademais, regimes especiais como o Simples e o da Zona Franca de Manaus serão mantidos, embora seus efetivos resultados nem sempre compensem seus custos.

Ainda assim, não há dúvidas de que a proposta apresentada pela Câmara já seria muito melhor que o sistema atual. Entre as suas muitas vantagens está a garantia de que não haverá mais cumulatividade, ou seja, que os contribuintes não mais pagarão tributo sobre tributo, e ainda poderão aproveitar esses créditos para abater sua fatura final. Isso, por si só, já seria um excelente motivo para aprová-la, mas há outros.

Por isso, como disse o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), os governadores precisam ser pragmáticos para permitir o avanço da proposta, deixando divergências e detalhes para as etapas seguintes. “Ninguém vai ter, Caiado, a reforma ideal. É um apelo que eu faço”, afirmou Lira, segundo reportagem do Estadão. O apelo não é só de Lira, mas de toda a sociedade brasileira. É hora de os governadores cederem também.

A paz injusta de Lula

O Estado de S. Paulo

Sob as pias intenções exaladas no Vaticano, não há sinal de que Lula emendará suas posições injustas sobre a Ucrânia nem que ajudará a emendar as injustiças de ditadores companheiros

O presidente Lula da Silva reuniu-se com o papa Francisco a portas fechadas. Segundo o Vaticano, discutiram “a situação geopolítica” da América Latina e “a promoção da paz e da reconciliação, a luta contra a pobreza e as desigualdades, o respeito às populações indígenas e a proteção do meio ambiente”. Lula foi ainda mais sucinto e genérico, brindando no Twitter uma “boa conversa sobre a paz no mundo”. Não é impossível que Lula tenha dado um passo rumo a um Nobel da Paz. Se deu passos rumo à paz, é outra história.

O Brasil condena oficialmente a agressão da Rússia à Ucrânia. Mas seu chefe de Estado contraria persistentemente essa posição, borrando a linha vermelha que separa o criminoso e a vítima. Para ele, a guerra começou por um mal-entendido entre ambos e continua por má vontade de ambos. Do que se sabe de sua proposta de paz, ela envolve um cessar-fogo incondicional, com o agressor mantendo territórios e cidadãos do agredido sob seu tacão.

O papa teria feito bem em alertar Lula sobre o princípio cristão – que se coaduna com a Carta da ONU – do direito de autodefesa. “A autodefesa é não só lícita, como uma expressão de amor pela terra natal. Alguém que não defende a si, que não defende alguma coisa, não ama essa coisa. Quem a defende a ama”, disse o papa em setembro do ano passado.

Conforme a doutrina católica consolidada no Catecismo, Estados devem proteger seus cidadãos e seu território. “A legítima defesa pode ser não somente um direito, mas até um grave dever para aquele que é responsável pela vida de outrem. Defender o bem comum implica colocar o agressor injusto na impossibilidade de fazer mal. É por essa razão que os detentores legítimos da autoridade têm o direito de recorrer mesmo às armas para repelir os agressores da comunidade civil confiada à sua responsabilidade”, diz o Catecismo. Não é preciso grande tirocínio para qualificar a Rússia como o “agressor injusto” de que fala essa doutrina. Logo, a resistência ucraniana é um dever cristão – e a “paz” que Lula propõe é injusta.

Mas, por mais que a posição de Lula desmoralize o Brasil, ela é inócua. Um presidente brasileiro tem poucas alavancas para interferir numa guerra na Europa. Bem diferente, no entanto, é a condição do Brasil para dirimir conflitos na América Latina. Dos bastidores diplomáticos, sabe-se que o papa pediu ajuda a Lula para barrar violações aos direitos humanos em ditaduras como a de Cuba, a da Venezuela e a da Nicarágua. A última, em especial, tem intensificado a perseguição a religiosos católicos.

Lula disse que falará com o déspota nicaraguense Daniel Ortega, frequentemente tratado pelo petista como “companheiro”. “A Igreja está com problema na Nicarágua, porque tem bispo preso. A única coisa que a Igreja quer é que a Nicarágua libere o bispo”, disse Lula, referindo-se ao bispo Rolando Álvarez, condenado a 26 anos de reclusão pela ditadura de Ortega sob a acusação de “desestabilizar” a Nicarágua.

Lula, como de hábito, deixou de condenar a implacável perseguição de Ortega aos católicos na Nicarágua, reduzindo tudo a um problema com “o bispo”. Ora, a prisão do bispo Rolando Álvarez está longe de ser a “única preocupação” da Igreja na Nicarágua. Os católicos nicaraguenses estão sendo caçados porque são a última voz a denunciar o totalitarismo socialista de Ortega.

“A única coisa necessária para o triunfo do mal”, disse Edmund Burke, “é que os bons homens não façam nada.” Lula faz isso a seu modo. Em relação às atrocidades de seus companheiros ditadores ele poderia muita coisa, mas as minimiza, e distorce o princípio da autodeterminação dos povos para lavar as mãos. Em relação ao mal na Ucrânia, não pode muito, mas o pouco que pode não faz, e finge fazer muito: fantasiando-se de “príncipe da paz”, dilui sua intenção injusta para a Ucrânia num sopão de platitudes. “Se querem a paz, parem de brigar”, sugere sem cessar, numa versão pusilânime do dito da antiga Roma: “Se querem a paz, preparem-se para a guerra”. Melhor ouvir o pontífice, não Francisco, mas Paulo VI: “Se querem a paz, trabalhem pela justiça”.

Um BNDES a serviço da Petrobras

O Estado de S. Paulo

Mercadante quer driblar regra prudencial do BC para poder liberar mais recursos para a empresa

Aloizio Mercadante quer mudar a estrutura do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Pretende apartar do banco a sua empresa de participações acionárias, a BNDESPar, que passaria a atuar como uma pessoa jurídica independente. Com isso, o banco ficaria livre para investir mais pesadamente na Petrobras, como explicou Mercadante em entrevista concedida em conjunto com o presidente da petroleira, Jean Paul Prates.

A tradução mais direta da empreitada proposta pelo presidente do BNDES é de que o banco está em busca de uma forma de driblar os critérios fixados pelo Banco Central (BC) e elevar sua exposição ao risco empresarial. Pelas normas do BC, um mesmo conglomerado não pode receber recursos que correspondam a mais de 25% do patrimônio de referência do banco, aí somados financiamentos e participações de capital.

Mercadante quer passar por cima de uma norma básica de prudência bancária que serve para resguardar a instituição de fomento que passou a presidir. Para isso parece ter dado a largada em uma campanha pela mudança da legislação, já que sem isso será impossível fugir da regra do BC. Uma separação entre BNDES e BNDESPar teria de ser aprovada em lei.

Político experiente, ex-ministro e ex-senador petista, Mercadante deve estar atento a esse detalhe. Mas não deve considerar tarefa tão difícil uma negociação com o Congresso. Cita exemplos de bancos que têm balanços separados das áreas dedicadas a participações societárias, como Itaú, Bradesco e Banco do Brasil, para reforçar sua proposta. “Precisamos tirar a BNDESPar do balanço do BNDES. Assim vamos ter muito espaço para financiar a Petrobras”, diz.

Se o seu interesse fosse apenas garantir o reforço financeiro para os investimentos da Petrobras, haveria um outro jeito. Detentor de 7,94% do capital total da petroleira (6,9% pela BNDESPar e 1,04% diretamente pelo BNDES), o banco poderia se desfazer, parcial ou integralmente, do ativo. Mercadante foi questionado sobre isso e a resposta foi seca. “Não há hipótese”, disse, ao anunciar a criação do que foi chamado de “Comissão Mista BNDES-Petrobras”.

Em relação ao total dos investimentos em ações, a Petrobras sozinha representa mais de 41% da carteira de renda variável da BNDESPar. A exposição total do banco à petroleira está muito próxima do máximo tolerado pelo Banco Central. Além disso, a companhia não pode ser tratada de forma excepcional. A exposição do banco a outras empresas seria também revista. A JBS, por exemplo, segunda no ranking das participações da BNDESPar, representa 14% das aplicações do banco em ações. A separação do banco e de seu braço de participações abriria espaço para mais financiamentos ou maior participação direta.

É temerário que um banco de fomento estatal, dedicado ao desenvolvimento econômico do País, paute suas ações com base no planejamento de uma única empresa, seja ela qual for. Sem contar que a Petrobras, bem classificada pelas agências de risco, não encontra maiores dificuldades na captação de recursos no mercado.

Reforma tributária contra a desigualdade

Correio Braziliense

Em relação às nações desenvolvidas, o Brasil opera com um modelo superado há muitas décadas. Atualmente, o volume de tributos cobrados e as disparidades entre os estados fomentam a conhecida guerra fiscal

Apesar das divergências, há consenso nos meios político e econômico de que a reforma tributária é inadiável. Em relação às nações desenvolvidas, o Brasil opera com um modelo superado há muitas décadas. Atualmente, o volume de tributos cobrados e as disparidades entre os estados fomentam a conhecida guerra fiscal, o que cria empecilhos aos investimentos nacionais e estrangeiros. O modelo construído pelo Congresso suscita muitas dúvidas quanto aos seus efeitos práticos. Mas é seguramente um passo inicial para combater a iniquidade.

A primeira etapa da reforma tributária é dedicada ao consumo — compra e venda de bens e produtos. Os tributos cobrados por estados e municípios, respectivamente, Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto Sobre Serviços (ISS), foram unificados em Imposto sobre Valor Agregado (IVA), denominado IBS. A mesma lógica vale para os impostos federais: Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Estes três impostos serão convertidos em IVA federal, chamado de CBS. A promessa é de que essa unificação ponha fim à tributação em cascata e também à guerra fiscal entre os estados.

Diferentemente da atualidade, o tributo incidirá sobre o destino, ou seja, no local de compra ou consumo do bem ou serviço. O Brasil tem 27 leis tributárias — uma em cada estado, e que são modificadas ao sabor de cada chefe do Executivo estadual. Essa diversidade não só é conflitante, como impõe às empresas uma contabilidade complexa e onerosa.

Mas a simplificação da cobrança dos tributos não basta para sacramentar a modernização no regime tributário. As desigualdades regionais, marcantes no país, constituem um desafio para a construção de um consenso. A proposta do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), que começaria com um aporte de R$ 8 bilhões em 2029 e chegaria a R$ 40 bilhões a partir de 2033, é considerada insuficiente pelos estados. Os governadores reivindicam R$ 75 bilhões para o FNDR, a fim de compensar as perdas implícitas na proposta.

Tanto o relator da reforma tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) quanto o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), reconhecem que a proposta apresentada esta semana é preliminar. Passará por emendas e será objeto de diversas pressões. Mas eles acreditam que o parlamento está maduro para debater avanços tão necessários à economia brasileira.

A construção de um entendimento é indispensável para atrair investidores, expandir o crescimento econômico, ampliar a oferta de empregos, estimular o consumo e organizar as contas públicas. Modernizar o modelo tributário é passo fundamental para o Brasil deixar para trás a condição de país em desenvolvimento. É preciso encontrar um modelo que reduza as desigualdades regionais profundas, materializadas em graves problemas sociais e econômicos. Uma reforma tributária só se mostrará efetiva se proporcionar ao Brasil mais desenvolvimento e mais justiça social.

 

 

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