O Estado de S. Paulo
Se somos ‘o país que tem uma floresta’, deveríamos nos obrigar a conhecer a mata que nos define
Os brasileiros da terra indígena yanomami
nunca receberam a devida atenção nos recenseamentos do IBGE. Era como se não
fossem brasileiros. Essa lacuna imperdoável – que inclui também populações
ribeirinhas e comunidades carentes – será preenchida no novo Censo, cujos dados
devem ser divulgados na próxima quarta-feira.
“A gente vai ter o retrato fidedigno da terra indígena yanomami pela primeira vez na história”, diz João Villaverde, do Ministério do Planejamento, um dos coordenadores do recenseamento na região. “No Censo anterior faltaram, entre outras coisas, recursos e tecnologia.” Villaverde, professor na Fundação Getulio Vargas, é o entrevistado do minipodcast da semana.
Segundo ele, a operação atual envolveu
quatro ministérios além do Planejamento. A Justiça forneceu helicópteros,
pilotados por integrantes da Polícia Rodoviária Federal – a distância era o
maior desafio. A Defesa se encarregou do combustível. A Saúde cuidou dos
protocolos de segurança sanitária. O Ministério dos Povos Indígenas, por fim,
responsabilizouse pelos guias.
Por coincidência, recebi um áudio de
Villaverde – gravação que está no minipodcast – na véspera de iniciar uma
viagem pela região do Rio Negro. Lembrei-me do que um funcionário da alfândega
me disse em Sharm El-Sheikh, na última conferência do clima, a COP-28, quando
falei que vinha do Brasil: “É aquele país que tem uma floresta?”
Com sua água escura que reflete, como um
espelho vivo, mata, sol e nuvens, o Rio Negro concentra algumas das paisagens
mais bonitas do mundo. A região amazônica é um misto de carência e exuberância.
Exuberância da natureza, carência de políticas públicas que levem educação,
saúde e cidadania a lugares de acesso difícil.
Em 2010, data do penúltimo Censo, talvez
não fosse ainda claro para os brasileiros que a Amazônia é o coração do nosso
país. Só seremos uma nação relevante se cuidarmos da floresta tropical da qual
depende a sobrevivência da vida no planeta. Cada árvore cortada na Amazônia
representa um passo não apenas para a irrelevância, mas também para que o
Brasil se torne, merecidamente, o vilão do mundo.
Se somos “o país que tem uma floresta”,
deveríamos nos obrigar a conhecer a mata que nos define. Conhecer não significa
apenas ir até lá – experiência intensa e inesquecível que recomendo com
entusiasmo –, mas também coletar os dados que permitam atacar e resolver os
problemas da região. O novo Censo dará uma contribuição fundamental nesse
sentido. Pela primeira vez saberemos quem são, como vivem – e, principalmente,
do que precisam – os moradores do coração do Brasil.
*ESCRITOR, PESQUISADOR DO OBSERVATÓRIO DA
QUALIDADE DA DEMOCRACIA NA UNIVERSIDADE DE LISBOA E PROFESSOR DA FAAP
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