quinta-feira, 1 de junho de 2023

Merval Pereira - O bicho

O Globo

Na campanha, Lula fez discurso de união nacional, que não acontece. Com isso, está perdendo o apoio do centro democrático

Se ficar o bicho come, se correr o bicho pega. Nada melhor para definir a situação política do governo hoje que o título da peça de Oduvaldo Vianna Filho e Ferreira Gullar, de 1966. Não havia saída. A decisão da Câmara, já tomada, de alterar a estrutura organizacional imaginada pelo presidente eleito é um duro golpe político, uma intromissão indevida que deveria ser contestada no Supremo Tribunal Federal (STF). Mas Lula não tem apoio político para tanto.

Obrigar um governo de esquerda a se organizar dentro do conceito de extrema direita, esvaziando as políticas públicas do meio ambiente e indigenista, fazendo desaparecer ministérios como Planejamento e Cultura, já é uma sublevação, negação do que o eleitorado de centro democrático aprovou nas urnas, embora por pequena margem, que sugeria que o governo saído dela fosse de união nacional.

Não é — e por culpa de Lula. O Congresso está, como sempre esteve, no conservadorismo. Ao contrário, o governo montado até agora é um simulacro de união nacional, na verdade uma hegemonia da esquerda, principalmente do PT. Enquanto os partidos de centro-direita reagem rejeitando as políticas esquerdistas, mesmo as necessárias como as ambientais, o governo acelera na direção da esquerda, e a distância entre os espectros políticos se amplia.

O governo Lula não está agindo com presteza para aprovar suas teses no Congresso; só se preocupa quando perde. A negociação do marco temporal deveria ter sido feita há muito tempo, especialmente depois da derrota das políticas indigenistas. Não quer dizer que a disputa se dê apenas no campo ideológico, mas esse fator é a grande diferença entre Lula 3 e Lula 1 e 2. Naquele tempo em que Lula era quase imbatível, os partidos de centro ou centro-direita se contentavam com as migalhas do mensalão e do petrolão. E que migalhas.

Hoje continuam querendo as migalhas milionárias das emendas e fundos financeiros, mas querem mais. Acostumaram-se a definir as políticas públicas durante o período em que Bolsonaro rendeu-se à maioria de que sempre fez parte: o Centrão. Bolsonaro tentou fazer política pessoal, jogando seu prestígio contra as estruturas partidárias, e deu com os burros n’água. Docemente constrangido, aderiu ao que era seu passado político no baixo clero e dedicou-se apenas a montar um golpe ditatorial.

Lula gostaria de controlar as emendas parlamentares, controlando assim o Congresso, e de cuidar de um governo com fortes cores de esquerda. Uma das queixas dos líderes rebelados contra o governo é que as emendas são negociadas individualmente, assim como Bolsonaro tentou negociar com “bancadas suprapartidárias”, esvaziando as lideranças. O resultado está aí.

Na Câmara, toda vez que quer negociar, o governo tem de dar algo em troca. Quanto mais difícil a aprovação, mais caro fica. Os deputados estão emparedando o governo e não querem conversa. Os dois lados estão assim. Se Lula tivesse feito realmente um governo de união nacional, de forças partidárias equivalentes, esse problema não estaria acontecendo.

O Congresso está claramente resolvido a aprovar só o que considera de interesse do país, como fez com o arcabouço fiscal, mas, quando a disputa é ideológica, vence a direita, que domina o debate. Cada vez que Lula mexe com ideologia, como aconteceu dias atrás na vergonhosa recepção ao ditador venezuelano Nicolás Maduro, mais atiça a direita no Congresso, que mostrará força para derrotar o governo.

A direita, que tinha vergonha de existir quando Lula e Dilma governaram, agora não tem mais. Foi avançando com Temer e fez um strike com Bolsonaro, sem possibilidade de controle. Lula só ganhou a eleição porque o eleitorado de centro se decepcionou com Bolsonaro. Na campanha, fez discurso de união nacional, que não acontece. Com isso, está perdendo o apoio do centro democrático.

Na campanha, Lula fez discurso de união nacional, que não acontece. Com isso, está perdendo o apoio do centro democrático.

 

4 comentários:

Mais um amador disse...

Perfeito

EdsonLuiz disse...

Por Um Arranjo Politico Democrático é Possível!

●A solução para o impasse e paradeira em que o Brasil se encontra é a democracia, que é o que está faltando no exercício de nossa vida institucional e por isso a relação entre Executivo e Congresso está, desde a reabertura política, sendo feita a dinheiro!

▪Os segmentos democráticos e progressistas do PT precisam cobrar de Lula que ele se volte para a democracia. O déficit democrático é o que tem levado ao impasse institucional atual e a democracia é a solução para este impasse político e governativo.

A única saída que eu vejo para este e para qualquer governo no Brasil, para estabelecer com eficácia e dignidade uma relação entre o Poder Executivo Federal e o Congresso Nacional, é o caminho da democracia inteira, em todas as políticas, internamente e na política internacional.

▪O PT tem uma base inicial efetiva de ~130deputados. Estes 130 votam com o governo esteja ele certo ou errado, e com a qualidade de não dar apoio mediante suborno. O defeito que vejo nesta base original do governo é agir por ideologismo, levando para as relações com o congresso e com o executivo todos os vícios e enganos que o ideologismo contém.

▪Os deputados democratas do Congresso, fora os que já estão nessa base inicial do PT, são de ~100 deputados dispersos em vários partidos; até no PL tem alguns deputados democratas.

●=>É preciso que seja articulado um Partido Politico a partir destes 100 deputados democratas e que já não estejam na base inicial do governo.

▪Estes 130+100 (130 deputados da base original do governo + 100 deputados democratas que hoje estão dispersos em vários partidos a serem aglutinados em um novo Partido) somam uma base de 230 deputados. Para completar o quórum mínimo para as votações simples na Cãmara Federal ficam faltando 27 deputados, que poderão ser buscados um a um dentre os 283 deputados restantes.

Com a articulação de um novo partido político para reaglutinar a social democracia, cujos representantes estão dispersos em várias legendas, a governabilidade fica viabilizada sem precusar que se recorra às arapucas de Orçamento Secreto, Mensalão, Petrolão, Corrupção, Demagogia, Fisiologismo, Carreirismo.

=>Assim fazemos dignidade política!
=>E nesse arranjo político não pode ter corrupção lateral!

EdsonLuiz disse...

Por Um Arranjo Político Democrático!

●Mas o PT precisará entender que não será um governo com seu perfil, de forçar as cercas da sociedade usando o aparelho de Estado para impor políticas que além de represenrar somente os interesses do PT e de seus aliados mais diretos, só conseguem alguma viabilidade se embarcar vários "jabutis" da pior parte do Centrão.

Para o novo arranjo governativo terá que ser formulado um programa de governo inteiro, totalmente alinhavado com inspiração democrática, o que necessariamente exclui, internamente, gastança populista e políticas fiscal e monetária frouxas. A execução do Orçamento, com foco nos que mais necessitam do Estado, terá que ser feita pelo arbitramento de perdas de privilégios por parte daqueles que têm sido mais favorecidos pelas políticas sem que precisem tanto dos recursos públicos, com os recursos economizados por este arbitramento sendo realocados no próprio Orçamento para as rubricas destinadas ao pagamento de políticas sociais.

▪Isso significaria, verdadeiramente, colocar o pobre 'no' Orçamento! O que o PT e seus aliados ditos de esquerda têm feito, em sua prática nas quatro gestões anteriores, é aplicar no Brasil uma política populista e sem nenhuma racionalidade senão a carismática, e o que ocorre de fato é de deixarem o rico protegido no Orçamento e esticarem os gastos para colocarem o pobre na dívida federal, causando desequilíbrios fiscais que posteriormente resultam em prejuízos com os quais quem arca mais são os pobres.

um programa de governo assim, inspirado pela democracia, com o uso da racionalidade e não do carisma e com prioridade inteira em favor dos que realmente precisam do Estado seria, verdadeiramente, um programa democrático e progressista. Isto, sim, seria colocar o pobre 'no' Orçamento!

Fora esta solução eu não vejo saída a este e a nenhum governo para ter uma relação institucional eficiente, segura e íntegra entre Poder Executivo e Poder Legislativo ; e sem o ativismo político danoso do judiciário, com STF, com tudo, que temos visto!

▪Para mim, se não for por este caminho da democracia nenhum governo conseguirá governar sem se tornar Tchutchuca dos fisiológicos do Congresso.

Em tempo::
▪A políthca externa tem que ser democratica também, com ZERO populismo e ZERO aproximação indevida com ditadores e ditaduras.

Edson Luiz Pianca.

ADEMAR AMANCIO disse...

Uma vergonha!