quinta-feira, 1 de junho de 2023

J. B. Pontes* - Como superar a degradação do nosso parlamento?

O governo Luiz Inácio Lula da Silva iniciou-se com grandes esperanças para os mais pobres e para aqueles que, interna e externamente, se preocupavam com a degradação do meio ambiente, com o crescente desmatamento ilegal das nossas florestas, com o aumento dos garimpos ilegais, em especial em terras indígenas e com o desmonte dos órgãos de fiscalização e de combate à corrupção.

Sabíamos que Lula teria grandes dificuldades para governar com o Congresso recém eleito, composto eminentemente por parlamentares vinculados a partidos de oposição ao seu governo, eleitos por força dos recursos públicos abusivamente colocados em suas mãos, para que eles atuassem também a serviço da reeleição do ex-presidente Bolsonaro.

Também notável foi a ajuda do poder econômico, por meio dos bancos e empresários nacionais e internacionais, em especial do agronegócio, para quem Bolsonaro e seus cúmplices governaram. E o resultado agora se apresenta na forma das denominadas bancadas: rural (ou do agronegócio), da bala, da bíblia etc. Mas bancada do povo nunca existiu e nem existirá...

Neste contexto, admirável é que, mesmo com o uso indevido de recursos públicos do Estado – humanos, financeiros e materiais – colocados por Bolsonaro a favor de seu projeto pessoal de poder, tenha ele perdido a eleição. Ele e seus apoiadores estavam convictos que ganharia. Por isso, frequentemente se ouve alguns deles falarem em “eleição ganha não se sabe como”...

Mas o parlamento não é o maior entrave para o avanço da frágil democracia brasileira. O maior problema é o povo que o elegeu, um povo ignorante, sem consciência política e social, apático, que vota sempre por interesses pessoais ou que aceita passivamente os assédios eleitorais de políticos e poderosos locais.

Lula, com acerto ou não, preferiu não confrontar o Centrão, agora mais fortalecido do que antes. Ao invés de amparar-se nos movimentos sociais e nos setores progressistas da sociedade, preferiu a “zona de conforto”, buscando apoio de parte dos partidos do centrão, por meio do toma-lá-dá-cá tão condenável e tradicional na política do nosso País.

Lula consentiu, por exemplo, logo após a declaração pelo STF da inconstitucionalidade do orçamento secreto, que o Parlamento – leia-se Centrão – realocasse os R$ 19,4 bilhões das desditosas emendas de Relator RP9, acrescendo metade desse valor às emendas individuais, de execução obrigatória (as dos deputados passaram para R$ 32,0 milhões; e as dos senadores para R$ 59,0 milhões, um verdadeiro absurdo). A outra metade foi realocada em orçamentos de órgãos do Poder Executivo, cuja execução depende da indicação dos parlamentares. E, não tenham dúvidas, novas formas similares ao orçamento secreto estão sendo concebidas, muito provavelmente envolvendo as emendas de comissão...

Lula vem, também, concedendo a prerrogativa de os parlamentares do Centrão indicarem apadrinhados para ocuparem a direção de órgãos e entidades do Poder Executivo, notadamente daqueles com bons orçamentos, mantendo os resquícios de patrimonialismo que teimam em persistir na administração pública. E, na ponta, os esquemas de corrupção estão a cada dia sendo aprimorados, como bem exemplificado na atual gestão da CODEVASF.

Mas governar com o Centrão, composto por parlamentares fisiológicos, cuja ideologia é “levar vantagem sempre”, que não têm qualquer compromisso com os interesses do País, é sempre uma tragédia. Quando percebem que o governo está dominado, o preço do apoio deles vai aumentando gradativamente. Não há outro tipo de diálogo que se pode manter com os integrantes do Centrão.

Está ficando cada vez mais claro que eles, malgrado as benesses que lhes foram concedidas pelo governo Lula, querem continuar impondo o programa de governo do Bolsonaro, que significa o desmonte dos órgãos de fiscalização do Estado. Querem que o Estado continue sem força para exercer o mínimo controle sobre a atividade privada e para evitar aquelas ilegais.

Lideranças dos partidos da base do governo Lula começam a conclamar o povo para conter o ânimo bolsonarista do Congresso Nacional. Mas nada fizeram para estimular e fomentar a organização e a participação política da sociedade, única forma de impedir a ação deletéria do Centrão e de avançar na consolidação de uma verdadeira democracia.

Parece incrível que quase ninguém se atente para o que vimos continuamente alertando: a única forma de neutralizar o Centrão e melhor qualificar o parlamento brasileiro é estimular e fomentar a organização popular. É preciso promover uma verdadeira revolução visando elevar a consciência política e social dessa enorme parcela da sociedade, de forma a romper a mumificada cultura popular de votar por interesse e de submissão ao poder econômico.

A classe política certamente não vai se empenhar numa ação dessa natureza. Para os políticos é melhor que o povo continue ignorante e apático.

É a parcela mais consciente da sociedade, estimulada, fomentada e apoiada pelo governo, que terá que se envolver nessa missão. Nesse sentido, idealiza-se a criação de escolas de cidadania em todas as cidades do interior deste enorme País e nos bairros das grandes cidades, para desenvolver cursos, palestras, simpósios e outros meios, propiciando a discussão sobre os valores da democracia e a imprescindível necessidade de organização e participação ativa da sociedade na defesa de seus interesses e em todos os assuntos de interesse do País.

Não existe outra forma de construirmos uma verdadeira sociedade democrática. Preciso é que mais pessoas e organizações passem a defender e a se propor a lutar e participar desta ação.

*Geólogo, advogado e escritor

Um comentário:

EdsonLuiz disse...

■Concordo que precisamos conquistar o povo para a democracia,
▪Mas precisamos primeiro conquistar Lula para a democracia;
▪Ou, se avaliarmos que conquistar Lula para a democracia não é possível, nos sobra desistir definitivamente de Lula!

●Mas devemos, em toda situação, persistirmos em buscar mais democracia; e se a busca não for possível com Lula e com o lulismo, que se continuarem trilhando os caminhos chavistas, putinistas e chineses que estão trilhando ficarão igualados a Bolsonaro e ao bolsonarismo, devemos seguir só nós que queremos verdadeiramente a democracia.