Sabíamos que Lula teria grandes dificuldades para governar com o
Congresso recém eleito, composto eminentemente por parlamentares vinculados a
partidos de oposição ao seu governo, eleitos por força dos recursos públicos
abusivamente colocados em suas mãos, para que eles atuassem também a serviço da
reeleição do ex-presidente Bolsonaro.
Também notável foi a ajuda do poder econômico, por meio dos bancos
e empresários nacionais e internacionais, em especial do agronegócio, para quem
Bolsonaro e seus cúmplices governaram. E o resultado agora se apresenta na
forma das denominadas bancadas: rural (ou do agronegócio), da bala, da bíblia
etc. Mas bancada do povo nunca existiu e nem existirá...
Neste contexto, admirável é que, mesmo com o uso indevido de recursos públicos do Estado – humanos, financeiros e materiais – colocados por Bolsonaro a favor de seu projeto pessoal de poder, tenha ele perdido a eleição. Ele e seus apoiadores estavam convictos que ganharia. Por isso, frequentemente se ouve alguns deles falarem em “eleição ganha não se sabe como”...
Mas o parlamento não é o maior entrave para o avanço da frágil
democracia brasileira. O maior problema é o povo que o elegeu, um povo
ignorante, sem consciência política e social, apático, que vota sempre por
interesses pessoais ou que aceita passivamente os assédios eleitorais de
políticos e poderosos locais.
Lula, com acerto ou não, preferiu não confrontar o Centrão, agora
mais fortalecido do que antes. Ao invés de amparar-se nos movimentos sociais e
nos setores progressistas da sociedade, preferiu a “zona de conforto”, buscando
apoio de parte dos partidos do centrão, por meio do toma-lá-dá-cá tão
condenável e tradicional na política do nosso País.
Lula consentiu, por exemplo, logo após a declaração pelo STF da
inconstitucionalidade do orçamento secreto, que o Parlamento – leia-se Centrão
– realocasse os R$ 19,4 bilhões das desditosas emendas de Relator RP9,
acrescendo metade desse valor às emendas individuais, de execução obrigatória
(as dos deputados passaram para R$ 32,0 milhões; e as dos senadores para R$
59,0 milhões, um verdadeiro absurdo). A outra metade foi realocada em
orçamentos de órgãos do Poder Executivo, cuja execução depende da indicação dos
parlamentares. E, não tenham dúvidas, novas formas similares ao orçamento
secreto estão sendo concebidas, muito provavelmente envolvendo as emendas de
comissão...
Lula vem, também, concedendo a prerrogativa de os parlamentares do
Centrão indicarem apadrinhados para ocuparem a direção de órgãos e entidades do
Poder Executivo, notadamente daqueles com bons orçamentos, mantendo os
resquícios de patrimonialismo que teimam em persistir na administração pública.
E, na ponta, os esquemas de corrupção estão a cada dia sendo aprimorados, como
bem exemplificado na atual gestão da CODEVASF.
Mas governar com o Centrão, composto por parlamentares
fisiológicos, cuja ideologia é “levar vantagem sempre”, que não têm qualquer
compromisso com os interesses do País, é sempre uma tragédia. Quando percebem
que o governo está dominado, o preço do apoio deles vai aumentando
gradativamente. Não há outro tipo de diálogo que se pode manter com os
integrantes do Centrão.
Está ficando cada vez mais claro que eles, malgrado as benesses
que lhes foram concedidas pelo governo Lula, querem continuar impondo o
programa de governo do Bolsonaro, que significa o desmonte dos órgãos de
fiscalização do Estado. Querem que o Estado continue sem força para exercer o
mínimo controle sobre a atividade privada e para evitar aquelas ilegais.
Lideranças dos partidos da base do governo Lula começam a
conclamar o povo para conter o ânimo bolsonarista do Congresso Nacional. Mas
nada fizeram para estimular e fomentar a organização e a participação política
da sociedade, única forma de impedir a ação deletéria do Centrão e de avançar
na consolidação de uma verdadeira democracia.
Parece incrível que quase ninguém se atente para o que vimos
continuamente alertando: a única forma de neutralizar o Centrão e melhor
qualificar o parlamento brasileiro é estimular e fomentar a organização
popular. É preciso promover uma verdadeira revolução visando elevar a
consciência política e social dessa enorme parcela da sociedade, de forma a
romper a mumificada cultura popular de votar por interesse e de submissão ao
poder econômico.
A classe política certamente não vai se empenhar numa ação dessa
natureza. Para os políticos é melhor que o povo continue ignorante e apático.
É a parcela mais consciente da sociedade, estimulada, fomentada e
apoiada pelo governo, que terá que se envolver nessa missão. Nesse sentido,
idealiza-se a criação de escolas de cidadania em todas as cidades do interior
deste enorme País e nos bairros das grandes cidades, para desenvolver cursos,
palestras, simpósios e outros meios, propiciando a discussão sobre os valores
da democracia e a imprescindível necessidade de organização e participação
ativa da sociedade na defesa de seus interesses e em todos os assuntos de
interesse do País.
Não existe outra forma de construirmos uma verdadeira sociedade
democrática. Preciso é que mais pessoas e organizações passem a defender e a se
propor a lutar e participar desta ação.
*Geólogo, advogado e escritor
Um comentário:
■Concordo que precisamos conquistar o povo para a democracia,
▪Mas precisamos primeiro conquistar Lula para a democracia;
▪Ou, se avaliarmos que conquistar Lula para a democracia não é possível, nos sobra desistir definitivamente de Lula!
●Mas devemos, em toda situação, persistirmos em buscar mais democracia; e se a busca não for possível com Lula e com o lulismo, que se continuarem trilhando os caminhos chavistas, putinistas e chineses que estão trilhando ficarão igualados a Bolsonaro e ao bolsonarismo, devemos seguir só nós que queremos verdadeiramente a democracia.
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