Valor Econômico
Barrar a ampliação de benefícios e
regulamentar a PEC são os novos desafios da reforma
A festa foi merecida. Afinal, há 35 anos
sonhávamos com uma reforma que começasse a colocar ordem no nosso caos
tributário. Mas até chegarmos ao ponto de termos um IVA padrão internacional,
ainda temos um longo caminho.
Até 01/01/2033, data em que o novo sistema
tributário entrará em vigor na sua máxima potência, há muito a ser feito. E
nesta jornada não faltam desafios e perigos.
As primeiras batalhas começam a ser travadas agora. Se tivéssemos um Senado Federal responsável, seu principal papel seria eliminar a maioria dos dispositivos estranhos aos objetivos da PEC que foram enxertados em seu texto (os famosos jabutis) e o festival de isenções e deduções acrescentadas na última hora.
Entre os jabutis aprovados pela Câmara, o
mais flagrante foi a ampliação da imunidade tributária das igrejas. Por meio da
mudança da redação do art. 150, VI, b, da Constituição, entidades religiosas
não pagarão mais impostos no Brasil, estendendo essa benesse também para suas
organizações assistenciais e beneficentes.
E não para por aí: a depender de leis
complementares, doações para as obras assistenciais das igrejas também ficarão
isentas do imposto sobre doações (ITCMD) e as entidades religiosas ainda
poderão receber o imposto pago ao longo da cadeira produtiva dos bens e
serviços que adquirirem. Com a aprovação da PEC, portanto, donos de igreja viverão
o paraíso na Terra em matéria tributária.
Por falar em terra, em termos de
tratamentos especiais nenhum setor saiu mais beneficiado que o agronegócio.
Produtores rurais obtiveram nas negociações um regime especial para suas
cooperativas, usineiros ampliaram seu regime fiscal favorecido para toda a
cadeia de produção (e não só o consumo final) e criou-se um “Simples do agro”
para produtores e empresas que faturem até R$ 3,6 milhões por ano.
Os empresários do agro também pagarão 60% a
menos dos novos tributos sobre a sua produção, bem como sobre os insumos
agrícolas (inclusive defensivos). Por falar nisso, embora a PEC tenha previsto
um imposto seletivo sobre atividades que façam mal à saúde e ao meio ambiente,
a bancada ruralista tratou de excluir os agrotóxicos dessa possibilidade.
A PEC também isentou do novo IPVA suas
aeronaves, barcos de pesca, tratores e máquinas agrícolas. No Brasil o agro é
tech, o agro é pop e o agro não paga quase nenhum imposto também.
Mas não foi só o agro que se deu bem nas
negociações que vararam a madrugada de quinta para sexta-feira no plenário da
Câmara. Hotéis, restaurantes e até parques de diversões ganharam direito a um
regime especial. Os deputados - muitos deles donos de empresas de rádio e TV -
tiraram esses serviços de cobrança de novos tributos.
No dispositivo da alíquota reduzida
entraram boas intenções (produtos para pessoas com deficiência e de saúde
menstrual), mas também pegaram carona as empresas de transporte interestadual,
produtos de higiene e até armamentos, entre outros.
Essa quantidade de exceções não só
aumentará a alíquota que será imposta a todos os outros bens e serviços, como
também tornará mais complicada a compensação de créditos por todas as empresas
do país.
Como é improvável que os senadores tenham a
coragem de reverter essas benevolências concedidas pela Câmara, esperamos que
pelo menos não sejam criadas novas hipóteses no Senado.
Assumindo que a reforma seja aprovada com
poucas alterações no Senado e que elas sejam depois ratificadas pela Câmara,
não significa que o trabalho estará finalizado. Longe disso! A PEC nº 45/2019
tem uma série de “deveres de casa” até que o novo IVA-dual saia do papel.
Ficou para ser tratada em lei complementar
toda a operacionalização dos novos tributos. Isso envolve o detalhamento do
recolhimento e de ressarcimento de créditos acumulados pelos contribuintes -
essas regras precisam ser simples, mas sem lacunas para se evitar sonegação.
Será também em lei complementar que será definida a Cesta Básica Nacional de
Alimentos, outra batalha em que o agro fará de tudo para ampliar os produtos
que farão jus a alíquota zero na nova tributação.
Em termos federativos, quem levou a melhor
foi o Amazonas. Como se não bastasse a manutenção da Zona Franca de Manaus, da
Sudam, do Fundo de Desenvolvimento do Norte, esse Estado ainda conseguiu
extrair um novo Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica. Incrível
como um ente com apenas 8 deputados consegue ser tão poderoso.
Podem ser esperadas ainda difíceis
negociações com Estados e municípios a respeito das regras de operacionalização
do Conselho Federativo e a repartição de recursos do Fundo de Desenvolvimento
Regional (R$ 80 bilhões de 2029 a 2032 e mais R$ 40 bilhões por ano dali pra frente).
Por fim, caberá ainda ao Ministério da
Fazenda apresentar os cálculos que vão nortear as alíquotas dos novos tributos
sobre o consumo, encerrando o mistério e as especulações sobre o assunto.
Como se vê, ainda há muito trabalho a ser
feito (e muitos perigos a enfrentar) até a reforma tributária virar realidade.
*Bruno Carazza é professor
associado da Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as
engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
Um comentário:
Pois é.
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