Folha de S. Paulo
Regime atual da taxação dos fundos
exclusivos é aberração evidente
O governo Lula vai
tentar cobrar mais impostos dos muito ricos. O Ministério da Fazenda planeja
propor novas regras para tributar os fundos exclusivos, um tipo de aplicação
financeira para quem tem muitos milhões para investir.
Dá até vergonha explicar isso, mas, pelas regras atuais, os ricos que aplicam no fundo exclusivo "Guedes Totoso" pagam menos impostos que a classe média que, por exemplo, investe no fundo de renda fixa "Merreca DI". Para um resumo das vantagens que isso proporciona aos investidores, sugiro a reportagem de Lucas Bombana publicada na Folha da última quinta-feira.
O governo defende que os fundos dos
milionários e os fundos da classe média sejam sujeitos às mesmas regras. Não
chega a ser nada muito bolchevique.
Nesse ponto, você pode estar pensando:
rapaz, o Brasil está com problema nas contas públicas faz muitos anos. Já
tinham cortado dinheiro de tudo que era lado, e só agora notaram que milionário
pagava imposto de menos?
Todo mundo sempre soube. Mesmo governos de
direita, como Temer e Bolsonaro,
cogitaram mudar a regra dos fundos exclusivos, mas não conseguiram fazer a
proposta andar. Uma vez perguntei ao ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso porque não tornar os impostos brasileiros mais
progressivos (isto é, fazer os ricos pagarem proporcionalmente mais).
Ele me respondeu que todo mundo sabia que
tinha que ser feito, mas que os interesses contrários eram fortes no Congresso.
Foi a mesma resposta que obtive quando entrevistei petistas graduados para meu
livro sobre o PT: ninguém propunha porque todo mundo sabia que ia perder.
E se você leu isso e pensou, "bom,
então o problema é o Congresso, é a democracia", errou. No estatuto da
Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido que apoiava a ditadura
militar, constava: "por um sistema tributário justo, instrumento
do desenvolvimento econômico e de redistribuição social, através de crescente
utilização dos impostos pessoais e diretos, de caráter progressivo"
(artigo 2, alínea "i"). Apesar dessa declaração de intenções, a
desigualdade de renda aumentou enormemente durante a ditadura.
Não é fácil cobrar imposto de rico.
Entretanto, há um bom motivo para que mesmo
governos de direita recentes tenham pensado em mexer nos fundos exclusivos. O
Brasil enfrenta uma crise fiscal terrível há muitos anos. Qualquer um que
assuma a Presidência do Brasil vai ter que sair procurando de onde tirar
dinheiro sem gerar uma crise social. Os pouco mais que 2.500 investidores que
aplicam um total de mais de R$ 700 bilhões em fundos exclusivos provavelmente
sobreviverão bem se tiverem que pagar um pouco mais de imposto. Isso não é
verdade sobre a maioria dos brasileiros.
A proposta sobre os fundos exclusivos não
deve ser confundida com outro projeto do governo, a reforma do Imposto de
Renda, que deve ficar para o ano que vem e é um assunto mais complexo, que
exigirá mais negociação.
O regime atual da taxação dos fundos
exclusivos é uma aberração evidente, algo que faria o Von Mises cantar a
"Internacional" tomado de indignação.
Torço para que isso torne a proposta do
governo Lula mais fácil de aprovar. O exemplo dos outros governos mostra que
talvez não seja o caso.
Mas é para pelo menos tentar essas coisas
que os brasileiros votam na esquerda.
*É doutor em sociologia pela Universidade
de Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História".
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