Pedido da PGR sobre bolsonaristas deve ser negado
O Globo
Requisição para ter nomes e dados de
identificação é inaceitável, inconstitucional e antidemocrática
É injustificável o pedido feito pela
Procuradoria-Geral da República (PGR)
para que Facebook, Instagram, TikTok e outras plataformas digitais forneçam
“nomes e dados de identificação” de seguidores de Jair
Bolsonaro, uma devassa inconstitucional que pode atingir 30 milhões
de pessoas. Por isso o responsável pelo inquérito, Alexandre de Moraes,
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), precisa negá-lo.
É legítimo e esperado pela sociedade que a
responsabilidade do ex-presidente nos atos golpistas do 8 de Janeiro seja
investigada. Porém não há nenhum espaço para qualquer tipo de voluntarismo na
execução dessa tarefa. A Constituição, que prestigia de forma tão explícita a
democracia e o Estado Democrático de Direito, precisa ser sempre o guia das
instituições.
Na tentativa de justificar o injustificável, a PGR divulgou nota. Começou dizendo o óbvio: os seguidores de Bolsonaro nas redes sociais não estão sendo investigados. Mas, em seguida, perdeu a linha ao afirmar que o objetivo do pedido era “obter informações que permitam avaliar o conteúdo e a dimensão alcançada pelas publicações do ex-presidente em relação aos fatos ocorridos em 8 de janeiro, nas redes sociais”. O trecho ignora flagrantemente a existência de empresas privadas especializadas em analisar mensagens postadas e audiência.
Como o pedido da PGR carece de lógica,
acabou por suscitar um debate sobre quais seriam as verdadeiras intenções. O
requerimento de informações pessoais de seguidores de Bolsonaro é assinado pelo
subprocurador-geral Carlos Frederico Santos, mas leva a chancela, claro, da
PGR, comandada por Augusto Aras.
A medida deve ser rechaçada por todos os que se empenharam no recente resgate
da democracia brasileira. Não se pode apoiar uma requisição para cadastrar
cidadãos com base na preferência política.
Na base de apoio do governo, já apareceram
críticas explícitas. O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) entende que é
preciso defender a democracia sempre, mas respeitado o devido processo legal, a
presunção de inocência e o direito ao contraditório. O deputado faz questão de
frisar que são valores inegociáveis.
No meio jurídico, o pedido também foi alvo
de condenação. Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Grupo Prerrogativas,
criado por advogados que se uniram contra o “lavajatismo” e, com isso, se
aproximaram de Lula, disse ao GLOBO que a requisição da PGR não tem motivo
plausível e a considera “no mínimo, estranha”.
Entre 2019 e 2022, o Brasil viveu momentos
sombrios, em que a democracia foi atacada com método. Passado o perigo do
golpismo, a defesa da normalidade institucional deve ser reforçada. Para que isso
ocorra, a Justiça e a PGR precisam exercitar a autocontenção.
Desafio do novo Mais Médicos é expandir
cobertura por todo o país
O Globo
Última versão do programa corrige erros,
mas precisará de execução criteriosa para ser bem-sucedida
O Programa Mais Médicos, cuja nova lei foi
sancionada recentemente, conta com a ambiciosa meta de contratar 15 mil
profissionais até dezembro, fechando 2023 com um total de 28 mil. O objetivo
segue sendo o mesmo de 2013, quando foi lançado: aumentar o número de médicos
em cidades onde eles não existem ou são escassos. Num país desigual e de
dimensões continentais como o Brasil, a nova versão do programa (que no governo
Bolsonaro foi chamado de Médicos pelo Brasil) embute muitos desafios. O maior
deles é fazer diferente em relação ao que foi apresentado aos brasileiros em
gestões petistas anteriores.
Nos primeiros anos, o programa foi uma sucessão
de erros. A despeito das boas intenções, foi contaminado desde o início pelo
vírus ideológico. Para fazer um afago à ditadura de Cuba, os petistas decidiram
preencher as vagas com médicos cubanos —eles representavam cerca de 80% do
total. Não bastasse o privilégio motivado por simpatias políticas, os
estrangeiros não eram obrigados a revalidar seus diplomas, como estabelecem as
normas brasileiras, o que gerou uma enxurrada de críticas das associações
médicas. A situação era tão bizarra que a maior parte dos salários ia para o
governo cubano.
Embora erre ao permitir que estrangeiros
possam trabalhar por quatro anos sem revalidar seus diplomas, a nova versão
acerta ao priorizar médicos brasileiros. Outro ponto positivo é o objetivo de
melhorar o atendimento aos povos indígenas. A tragédia humanitária nas terras
ianomâmis, onde, por falta de assistência, crianças morrem por diferentes
doenças, mostra quanto é importante levar médicos às regiões mais remotas do
Brasil. Sabe-se que não é tarefa fácil. O problema do país não é exatamente a
falta de médicos, mas uma melhor distribuição desses profissionais.
No Acre, Amazonas, Pará, Amapá e Maranhão,
há apenas um médico para cada grupo de mil habitantes. No Distrito Federal, são
quase quatro. Em todos os estados do Sul e Sudeste, mais de dois. Para piorar,
os estados da Região Norte estão entre os que possuem uma maior concentração de
médicos nas respectivas capitais.
Na versão recém-lançada, o programa
aumentou os incentivos para atrair profissionais. A bolsa formação será de R$
12.300 mensais por 48 meses. Os médicos poderão receber adicional de 10% a 20%
se trabalharem nos municípios mais vulneráveis. Participantes do Fies, o fundo
de financiamento estudantil, também terão um adicional para pagar a dívida.
Haverá ainda benefícios proporcionais para quem atuar em periferias e regiões
remotas. Pela nova lei, o pagamento será feito diretamente ao profissional, sem
intermediários.
Tudo indica que o governo não terá problema
para arregimentar os médicos. O primeiro chamamento, de 5.970 vagas, recebeu
mais de 34 mil inscritos. Não se questiona a relevância de um programa que
objetiva levar médicos aonde eles não estão, mas, para ser bem-sucedido,
precisará ter uma execução criteriosa e avaliações periódicas sobre o
cumprimento de metas.
A menor possível
Folha de S. Paulo
Na tramitação da reforma tributária, é
preciso retirar excesso de isenções
O desafio da reforma tributária vai além da
pauta que lida com os impostos sobre bens e serviços. Se a simplificação da
cobrança de tributos sobre produção e comercialização é complexa, a segunda
parte, que ocupa-se do imposto de renda de pessoas e empresas, será tão ou mais
espinhosa.
A aprovação pela Câmara do texto que
unifica os tributos em favor de duas cobranças sobre o valor agregado —o IBS
federal e a CBS que agrega os impostos de estados e municípios— foi positiva.
No entanto a adoção de alíquotas reduzidas
para vários setores —bens e serviços de educação, saúde, alimentação,
construção e até turismo— elevará a cobrança necessária sobre os demais, se for
respeitada a premissa de manter a arrecadação agregada inalterada.
Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) indica que a alíquota geral poderá ficar em torno de 28%, acima
do objetivo inicial de 25%. Tal patamar seria o maior do mundo, o que tem dado munição
aos críticos da reforma.
Embora persuasiva, a narrativa é incorreta,
na medida em que a escorchante cobrança atual fica escondida nos vários
tributos em cascata. Ademais, não basta comparar a taxação sobre cada setor
antes e depois da reforma, pois a mudança alterará toda a dinâmica de decisões
econômicas e minimizará o espaço para absurdas isenções como as que já existem.
Convencer a sociedade de que as alterações
são positivas permanece um desafio. O que se pode pedir a essa altura é que os
senadores reduzam o número de setores beneficiados, pois qualquer nova benesse
elevará o peso sobre os demais.
A próxima fase, a ser trabalhada ao longo
do segundo semestre e no ano que vem, lida com impostos sobre a renda. Nessa
parte, o governo tem dois objetivos: mais arrecadação para atingir a meta de
restauração gradual de um superávit primário, que segue incerta, e maior
progressividade.
É correta, neste sentido, a decisão
anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de também dividir a
segunda etapa em duas partes, começando pela tentativa de
coletar mais impostos sobre o patrimônio financeiro dos mais ricos,
no país e no exterior.
O maior desafio, contudo, estará no estágio
final, a ampla reformulação dos impostos incidentes sobre as empresas, que
deveriam ser reduzidos para compensar a desejada cobrança sobre dividendos.
Seria inédito, e é bastante improvável,
conseguir realizar todas as mudanças dessa envergadura. Por ora, cumpre focar
no melhor desfecho da reforma dos impostos sobre bens e serviços, crítica para
o aumento da produtividade e do emprego. E conseguir sua aprovação com a menor
alíquota possível.
Moraes xingado
Folha de S. Paulo
Ofensa a ministro não se confunde com
ataque ao STF, que precisa calibrar reação
Algo vai muito mal quando um grupo de
brasileiros se sente no direito de agredir um ministro do Supremo Tribunal
Federal acompanhado de seu filho durante viagem ao exterior. E fica pior quando
esse mesmo magistrado confunde os ataques que sofreu com ameaças ao Estado
democrático de Direito.
A hostilidade se deu no aeroporto de Roma.
Quando se preparava para voltar ao Brasil, Alexandre de
Moraes ouviu insultos como "bandido" e "comprado",
enquanto seu filho teria recebido um empurrão.
Pessoas apontadas como suspeitas negam a
arremetida, e cabe aos investigadores esclarecer o episódio.
Há um rito conhecido para isso. Instaura-se um inquérito, colhem-se
depoimentos, apuram-se informações; se necessário, determinam-se medidas mais
invasivas, como busca e apreensão. Tudo sob a supervisão da instância judicial
adequada, nos termos da lei.
Especialistas têm pouca dúvida quanto a
esse último elemento: dado que os relatos indicam crimes contra a honra e lesão
corporal, por exemplo, e sendo certo que os suspeitos não têm prerrogativa de
foro, é à primeira
instância que compete conduzir o caso.
Se, no curso das investigações,
descortinar-se cenário distinto —com ligações entre os agressores e os atos golpistas
de 8 de janeiro, ou com evidências de um plano para destruir a corte
constitucional—, enviam-se os autos ao Supremo e adotam-se medidas pertinentes.
O que não se pode fazer, mas foi o que se
fez, é inverter a ordem natural do processo só porque o ofendido é ministro do
STF. Pior: sem indícios suficientes, elevou-se a injúria à categoria das
tentativas de abolição do Estado democrático de Direito e autorizou-se uma ação
de busca e apreensão em todo carente de justificativas oportunas.
Sente-se à distância o ranço de arbítrio
contido nessas iniciativas, que em nada contribuem para reforçar a legitimidade
da Justiça —e nem mesmo ajudam a defendê-la.
Admitindo-se que Moraes e seus colegas
pretendam com isso apenas reagir à altura do que consideram ameaças sérias,
também aí estarão equivocados: a facção golpista que cresceu sob Jair Bolsonaro
(PL) se regozija a cada novo desequilíbrio do Poder Judiciário.
Ministros do STF precisam melhorar a análise de conjuntura; o momento pede, mais do que nunca, que a corte seja e pareça um órgão de Estado —e que a instituição seja e pareça melhor do que os homens e mulheres que a compõem.
O aggiornamento de Boric e a obsolescenza
de Lula
O Estado de S. Paulo
Ao negar apoio a regimes autocráticos e defender a condenação à agressão da Rússia, o presidente chileno mostra que a esquerda pode ser moderna – o contrário do atraso lulopetista
Se o presidente do Chile, Gabriel Boric, é
o aggiornamento da esquerda latino-americana, Lula da Silva é a obsolescenza.
E, ao contrário do que pensa o demiurgo petista, não se trata de uma questão de
idade – basta lembrar que o quase nonagenário esquerdista Pepe Mujica,
ex-presidente uruguaio, declarou com todas as letras que o regime venezuelano,
aquele tratado como democrático por Lula, “é uma ditadura, sim”.
Mas Lula não gosta de novidades. Prefere
aferrar-se ao que conhece, à sua antediluviana visão de mundo, nutrindo
profunda aversão àqueles que ousam contrariá-lo – especialmente quando esse
atrevimento parte de um jovem, como o presidente chileno, de apenas 37 anos.
Neste ano, em duas ocasiões, Boric teve que
lembrar ao presidente brasileiro que há limites morais para o apoio a regimes
que violentam os princípios mais comezinhos da democracia, do direito e da
civilização – aqueles que estão na essência do ideário da esquerda que superou
o bolor marxista, caso da social-democracia europeia.
Em maio passado, durante um encontro de
líderes sul-americanos convocado por Lula em Brasília, o chileno rejeitou a
condescendência do anfitrião às ditaduras de Venezuela, Cuba e Nicarágua e
refutou a versão do petista de que Caracas é vítima de uma “narrativa”
antidemocrática. “Não é uma construção narrativa. É uma realidade, é séria, e
tive a oportunidade de vê-la de perto nos rostos e na dor de centenas de
milhares de venezuelanos”, afirmou Boric.
Nesta semana, na reunião de cúpula da União
Europeia e da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), o
chileno isolou-se dos demais líderes da esquerda da América Latina ao
considerar apropriada uma condenação à guerra da Rússia contra a Ucrânia na
declaração final do encontro. Junto aos europeus, foi voto vencido.
A esta última intervenção de Boric, Lula
reagiu de forma arrogante. Aos 77 anos, o petista tentou desqualificar Boric,
40 anos mais moço, não pelos argumentos, mas pela juventude do chileno. Lula
disse que o “jovem” Boric estava “ansioso” em razão de sua “falta de costume”
em participar de reuniões de cúpula como aquela.
Boric reagiu à grosseria de Lula com a
elegância que falta ao petista, dizendo que não se sentiu ofendido e que nutre
“respeito infinito e carinho” pelo presidente brasileiro. Talvez
inadvertidamente, Boric tratou Lula como um símbolo avoengo ao qual se presta
reverência apenas cerimonial, posto que ultrapassado.
Lula vive e respira ainda como se o mundo
estivesse dividido entre patrões e empregados, ou entre imperialistas e
colonizados, luta existencial que serve para justificar ditaduras como a da
Venezuela ou as ações criminosas da Rússia de Vladimir Putin. O que há em comum
entre esses países delinquentes, na visão lulopetista, é o fato de que se
apresentam como vítimas do “Ocidente”, representação genérica dos Estados
Unidos e da Europa ocidental. Como se ainda estivéssemos na guerra fria, Lula
considera legítimo que a Rússia invada a Ucrânia ou que Nicolás Maduro
encarcere seus opositores se isso for a resposta considerada adequada ao
“imperialismo estadunidense”.
Segmentos da esquerda brasileira já foram
capazes de reavaliar o papel da social-democracia nas últimas décadas. Rever
erros e corrigir rumos é missão de qualquer partido político, principalmente
entre os que conduziram e conduzem o Poder Executivo e estão presentes no
Legislativo.
Já não existe mais espaço, portanto, para a
esquerda repetir slogans caquéticos. O mundo não é mais a zona de confronto
latente entre EUA e União Soviética. A pauta do bem-estar social e do combate
às desigualdades deixou de ser matéria exclusiva de partidos esquerdistas. A
vocação estatizante da economia não se sustenta em uma ordem mundial que requer
indicadores elevados de produtividade e de competitividade das empresas e que exige,
dos Estados, fundamentos fiscais e monetários sólidos. Lula, por sua
senioridade, deveria ter se atualizado. É preciso, porém, que saiba: ainda há
tempo, se tiver vontade.
A retomada da confiança na política
O Estado de S. Paulo
Pesquisa mostra que caiu a desconfiança dos
eleitores em relação a partidos e ao Congresso, mas ainda há um longo caminho
até que o nefasto sentimento antipolítica seja, enfim, superado
O Índice de Confiança Social (ICS) 2023,
divulgado há poucos dias pelo Ipec, trouxe um dado alvissareiro para o
fortalecimento da democracia representativa no País. A confiança dos eleitores
nos partidos políticos e no Congresso não só aumentou em relação a
levantamentos anteriores, como atingiu os maiores patamares desde o início da
série histórica, em 2009. Em qualquer país, a democracia será tão mais vibrante
quanto maior for a percepção dos cidadãos de que a política é o único meio para
a concertação civilizada da miríade de interesses em disputa na sociedade. Fora
da política, só restam a truculência dos tiranos e o engodo dos populistas.
Para aferir o ICS em relação às
instituições, o Ipec adota uma escala de 0 a 100 pontos, sendo 0 a pontuação
que indica “nenhuma confiança”, e 100, “confiança absoluta”. A confiança nos
partidos políticos atingiu 34 pontos em 2023. À primeira vista, pode parecer um
resultado ruim. Mas as duas únicas vezes em que a confiança nas legendas
ultrapassou a barreira dos 30 pontos foram em 2009 (31 pontos) e 2010 (33
pontos). Ademais, quando se observa a evolução histórica do indicador, é
particularmente notável que entre 2015 e 2018, no auge da Operação Lava Jato e
da aversão à política instilada na população pela sanha purgadora de alguns
membros da força-tarefa, a confiança nos partidos oscilou entre 16 e 18 pontos.
Em relação ao Congresso, a confiança dos
eleitores é um pouco maior – e há algum tempo. A instituição obteve 40 pontos
no ICS 2023, um crescimento de seis pontos em relação à pesquisa realizada no
ano passado e o melhor índice desde 2010 (38 pontos). Tradicionalmente, o
Congresso tem se mostrado mais confiável aos olhos dos eleitores do que os
partidos. A série histórica do Ipec revela essa tendência e é compreensível que
seja assim. O Congresso, como instituição, parece ser visto pela sociedade como
um ente de representação política mais alinhado ao interesse público, enquanto
as legendas seriam mais autocentradas, ou seja, mais inclinadas a privilegiar
seus próprios interesses e os de seus membros quando estes conflitam com o que
a maioria dos eleitores pesquisados entende ser o melhor interesse público.
Em que pese a melhora expressiva no índice
de confiança nos partidos políticos e no Congresso, é incontornável o fato, de
resto evidente, de que a maioria dos eleitores ainda não confia nessas
instituições democráticas. Confiança absoluta jamais haverá, e isso não é
necessariamente ruim. A desconfiança que se traduz em vigilância só tende a
fortalecer a representação política. No entanto, também é verdade – e
extremamente positivo – que o sentimento antipolítica, que, entre tantos males
causados ao País, deu na eleição de alguém como Jair Bolsonaro, um dos mais
desqualificados presidentes em toda a história republicana, parece, enfim, dar
sinais de arrefecimento.
De todo modo, a chamada classe política tem
um grande desafio nas mãos: aproximar-se mais dos eleitores e, principalmente,
agir em prol do interesse público, respeitadas, é evidente, as diferentes
ideologias, os valores e propostas para o País que cada partido defende.
Os partidos políticos e o Congresso
constituem o coração da democracia representativa. Basta dizer que a filiação
partidária é das condições indispensáveis de elegibilidade fixadas pela
Constituição. Ao fim e ao cabo, os deputados e senadores, além de outros
representantes eleitos nas três esferas da Federação, servem como pontes que
conectam os anseios da população à esfera pública – locus do processo decisório
no regime democrático. É para o Congresso que convergem as mais diferentes
ideias e perspectivas sobre o País e a vida em sociedade. É lá que políticas
públicas que nortearão o comportamento de todos os cidadãos são moldadas.
Sem partidos atuantes e confiáveis, a
diversidade de vozes sociais, que tanto enriquece a democracia, estaria ferida
de morte. E o Congresso seria menos um retrato da sociedade do que a feição de
uma elite política e desconectada daqueles que deveria representar.
Ministério não é agência de viagens
O Estado de S. Paulo
Novo ministro do Turismo acha que subsidiar
pacotes para aposentados é uma boa ideia
Subsidiar programas de viagens para
aposentados e pensionistas foi a primeira ideia apresentada pelo novo titular
do Ministério do Turismo, Celso Sabino, advogado paraense em seu segundo
mandato como deputado federal – o primeiro pelo PSDB e o mais recente pelo
União Brasil. Tecendo elogios ao projeto Voa Brasil, do Ministério dos Portos e
Aeroportos que, nos mesmos moldes propõe distribuir passagens aéreas ao valor
máximo de R$ 200 a este público, Sabino revelou, em entrevista ao Estadão, a
ideia de lançar o pacote completo.
Começou mal o novo ministro. Embarcando no
mesmo despropósito de uso de recursos públicos para promover viagens turísticas
pelo País, implícito na proposta de Márcio França, engrossa a corrente da
subversão no planejamento de políticas públicas – aquela que procura soluções
no cofre do Tesouro Nacional. Bilhetes aéreos a preços abaixo da média do
mercado só por dois caminhos: ou com complementação de dinheiro público ou
encarecimento das passagens para os demais passageiros. A isso, o ministro,
como se o Turismo fosse uma generosa agência de viagens, quer adicionar diárias
mais baratas em hotéis.
O turismo é uma atividade econômica para a
qual o Brasil tem vocação natural, mas beneficiar viajantes – quaisquer que
sejam – com promoções estatais é uma medida que chega a ser indecorosa em um
país com profundas carências sociais, além de ser tão onerosa quanto ineficaz.
O resultado de uma eventual distribuição de pacotes como esses para a
construção de uma cultura turística no País é zero. No máximo poderá render
alguma notoriedade aos ministros envolvidos e, quem sabe, votos.
Segurança e infraestrutura deficientes são
os principais entraves à promoção do turismo brasileiro, tanto para viajantes
nacionais quanto estrangeiros. E não é de hoje. Nas últimas edições do Índice
de Desenvolvimento de Viagens e Turismo, calculado a cada dois anos pelo Fórum
Econômico Mundial, o Brasil se destaca pelo potencial turístico. Chegou a
liderar no quesito atrativos naturais. Mas não consegue traduzir essa potência
no ranking de destinos mais procurados. Na edição de 2021, ficou em 49.º lugar entre
117 países.
O mercado mundial do turismo deve
movimentar neste ano US$ 9,5 trilhões, segundo o Conselho Mundial de Viagens e
Turismo. É um grande negócio, que por isso necessita de incentivos públicos e
privados, mas não para lançar programas populistas como os pacotes para
aposentados. Se quiser estimular os turistas a virem para cá, o governo deve
investir, sobretudo, na melhoria de infraestrutura e segurança, dois problemas
crônicos.
Precisa, enfim, de planejamento, e não de
demagogia. Mas o sr. Sabino já disse que o importante é deixar os parlamentares
“felizes” com a liberação de emendas para o setor. Ele sabe do que fala, pois
não está no cargo em razão de expertise, e sim graças ao arranjo político para
melhorar a governabilidade de Lula da Silva. Se o turismo vai melhorar com
isso, é o de menos – o que importa é que a turma do Centrão continue a
desfrutar da primeira classe.
Proteção à Amazônia e combate à violência
Correio Braziliense
É alvissareiro que o anúncio do controle de
armas venha acompanhado de um amplo programa de proteção da Amazônia
O combate à violência, felizmente, voltou a
ser prioridade no Brasil. Nos últimos anos, em vez de aprimorar os mecanismos
de atuação das três esferas de governo, o país priorizou armar a população. O
quadro é tão assustador que há mais armas em poder de caçadores, atiradores e
colecionadores (CACs) do que entre as forças policiais. Estima-se que haja 1,5
milhão de armamentos, muitos de uso restrito, como fuzis, circulando livremente
e, pior, abastecendo o crime organizado com a chancela da legalidade. Espera-se
que, com o novo decreto das armas, os abusos sejam contidos e a população em
geral se sinta mais protegida. A posse de um armamento em nada garante a vida
de um cidadão, muito pelo contrário.
É alvissareiro que o anúncio do controle de
armas venha acompanhado de um amplo programa de proteção da Amazônia. A região
se tornou um dos principais focos de atuação de organizações criminosas, como
se viu nos últimos meses. O governo anunciou investimentos de R$ 2 bilhões em
um programa que envolverá nove estados (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato
Grosso, Pará, Roraima, Rondônia e Tocantins), com o intuito de dar maior
proteção às populações locais, mas, também, garantir a preservação da floresta,
cuja devastação recente resultou em uma crise humanitária entre os índios
yanomami.
O Ministério da Justiça informou que 28
bases terrestres e seis fluviais serão implementadas para o enfrentamento da
criminalidade na região, somando 34 novas unidades integradas, que reúnem a
Polícia Federal (PF), a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e as forças estaduais
de segurança. Há, ainda, a previsão de instalação da Companhia de Operações
Ambientais da Força de Segurança Nacional, com sede em Manaus, e a estruturação
e o aparelhamento do Centro de Cooperação Internacional da PF. A Amazônia,
ressaltou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ocupa quase 5 milhões de
quilômetros quadrados, território maior que o da Europa.
A Amazônia é hoje o cartão de visitas do
Brasil. Todos os acordos comerciais que o país vier a fechar terá como condição
principal a preservação da floresta. Negociado há mais de 20 anos, o tratado
entre o Mercosul e a União Europeia esbarrou, agora, justamente em imposições
feitas pelos países europeus nas questões ambientais. A proposta feita ao
Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai é de que, em caso de desmatamento para a
produção agrícola, a UE possa aplicar sanções aos parceiros. Os sul-americanos
reagiram às ameaças, mas o certo é que, sem um compromisso claro com a
preservação de florestas, em especial a da Amazônia, nenhum acordo será levado
adiante.
A promessa do Brasil é de zerar o
desmatamento na Amazônia até 2030. O país já deu mostras, no passado, de que é
possível conter a sanha destruidora dos desmatadores. Agora, porém, a derrubada
da floresta é comandada pelo crime organizado, que montou uma verdadeira
indústria de exploração do garimpo e de madeira, atividades que têm se mostrado
altamente lucrativas. Boa parte dessa infraestrutura ilegal foi construída nos
últimos anos com o apoio de autoridades. Não será, portanto, somente à base de
compromissos no papel que o Estado voltará a comandar o destino da maior
floresta tropical do planeta.
Todo o processo terá de ser feito de forma coordenada entre União, estados e municípios e órgãos de controle ambiental, com participação das Forças Armadas, o que passa pela ampliação do que se define como área de fronteiras, onde os militares têm a missão institucional de estarem presentes. Não se trata de uma batalha trivial proteger a Amazônia, como também não será fácil para o Brasil conter as tragédias diárias espalhadas por todo o país, em que negros, mulheres, crianças e integrantes da comunidade LGBTQIAP são as maiores vítimas. Um país com média de quatro feminicídios por dia e com quase 75 mil estupros por ano, que, na verdade, podem ser 880 mil, devido à subnotificação, não pode se dizer um lugar que prioriza a vida. Está muito, mas muito longe disso.
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