O Estado de S. Paulo
Lula embarcou em uma fantasia calcada em premissas moralmente indefensáveis
O forte viés ideológico da política externa
do governo Lula cria fraturas na América Latina e inviabiliza o exercício da
liderança que naturalmente caberia ao Brasil. A complacência de Lula com as
ditaduras russa, venezuelana e nicaraguense, assim como sua repulsa ao
livre-comércio e ao Ocidente, anulam o peso da credencial do presidente no que
realmente interessa ao mundo quando olha para o Brasil: a proteção ambiental.
O desmatamento da Amazônia foi reduzido em 34% no primeiro semestre deste ano. A conquista confirma as incomparáveis credenciais de Lula e da ministra Marina Silva, que conseguiram reduzir o desmatamento em 84% entre 2004 e 2012, enquanto o PIB do agronegócio crescia espetaculares 75%.
Lula poderia surfar nesse inestimável
capital, para extrair concessões de Europa e EUA. Mas prefere atacar a ambos,
responsabilizando-os pelo flagelo da Ucrânia, pela corrida armamentista e pela
inflação de alimentos, como se não fossem consequências da guerra expansionista
de Vladimir Putin.
A palavra “Rússia” não pôde sequer constar
da declaração final da cúpula União Europeia-América Latina, por causa da
preocupação do governo brasileiro em não melindrar o ditador russo. Para
indignação do presidente do Chile, Gabriel Boric: “Hoje é a Ucrânia, amanhã
pode ser qualquer um de nós”.
Outro presidente de esquerda, Gustavo
Petro, da Colômbia, também criticou o imperialismo russo. Depois descambou para
denunciar a invasão de Iraque, Líbia e Síria. Cobri as três guerras para o
Estadão. A invasão do Iraque foi um crime, mas os EUA não colonizaram o país,
como a Rússia tenta fazer com a Ucrânia. Líbia e Síria foram palcos de
revoluções populares que receberam apoio ocidental.
FRATURAS. Boric e os presidentes do
Paraguai, Mario Abdo Benítez, e do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou, já haviam
se insurgido contra o desagravo de Lula ao ditador Nicolás Maduro na véspera da
cúpula sulamericana, em 30 de maio, em Brasília. Lula justificou com a pérola “democracia
é um conceito relativo”. Os presidentes de Equador e Peru também rejeitam essas
posições.
Por causa de seu apoio ao chavismo desde
sempre, Lula não goza da confiança da oposição venezuelana para mediar uma
negociação entre ela e o regime.
Por fim, com sua iniciativa de reabrir o
acordo com a UE para proteger o mercado de compras governamentais, Lula também
frustra Uruguai e Paraguai, e futuramente a Argentina, com a saída de cena de
seu amigo Alberto Fernández, nas eleições de outubro.
Lula trocou oportunidades reais de
liderança e benefícios para o Brasil por uma fantasia de salvador do mundo,
calcada em premissas moralmente indefensáveis. •
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