Secretário de Haddad, Bernard Appy afirma que gostaria de menos correria com a tramitação e que tarefa com IR e folha será tornar possível o impossível
Alexa Salomão, Idiana Tomazelli e Fábio Pupo / Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - Onde tomar uma
cerveja em Brasília por volta das 2h30 de sexta-feira (7) era a dúvida de
Bernard Appy, secretário extraordinário da Reforma
Tributária do Ministério da Fazenda, após a Câmara dos Deputados aprovar
a mais ampla mudança no sistema de impostos em quase seis décadas
—tema ao qual ele dedica sua atuação profissional. Sem grandes opções, a
comemoração com os colegas de governo aconteceu na loja de conveniência em um
posto de gasolina.
A proposta aprovada não foi a ideal,
sobretudo pelas flexibilizações
de última hora que contemplaram de clubes de futebol a igrejas. Segundo
Appy, quanto maior o número de exceções, maior será a alíquota do novo IVA
(Imposto sobre Valor Agregado, tributo central do modelo).
"Toda exceção aumenta a alíquota. Essa
vai ter que ser uma discussão que, no Senado,
espero que seja muito informada", afirma à Folha. "Se não
tivesse nenhuma exceção e
com essa redução de sonegação, a gente teria uma alíquota bem… Poderia ser
inferior a 25%. Claramente inferior a 25%."
A próxima etapa da Reforma deve reacender a
discussão em torno do chamado Conselho
Federativo, órgão que vai arrecadar e gerenciar a parcela do tributo que
cabe a estados e municípios e que foi alvo de resistência de governadores,
preocupados com eventual perda de autonomia.
"Estão achando que o Conselho
Federativo vai ser uma instância política, vai ter poder político, e não vai. É
uma instância técnica", diz o secretário. "Vai ser menos poderoso que
qualquer Secretaria de Fazenda."
Agora, a equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda) se volta também à reforma do Imposto de Renda –que terá o desafio de cumprir a promessa do presidente Lula (PT) por mais isenção e também gerar recursos para desonerar a folha de salários. "Nosso trabalho é tornar o impossível possível", diz.
O que ficou mais distante do que o sr. gostaria na reforma? O que seria mais urgente para mudar no Senado?
Não tenho que dizer o
que o Senado deve ou não mudar. Mas se você me perguntar o que eu gostaria
que ficasse diferente, diria que gostaria de menos exceções do ponto de vista
setorial.
Mas é importante a gente entender que,
ainda assim, o avanço é brutal. A gente tem um sistema
absurdamente complexo. Do jeito que saiu, mesmo com as exceções, é um
sistema infinitamente mais simples do que o atual. Esse é o primeiro ponto.
Segundo, apesar das exceções
setoriais, você continuou com a completa desoneração das exportações e de
investimentos, com a eliminação de toda essa cumulatividade que prejudica a
competitividade da produção nacional.
Terceiro, o projeto elimina praticamente
todas as distorções alocativas que a gente tem hoje. Distorções como a que faz
um caminhão dar uma volta maior pelo país à toa.
Com quais exceções o sr. menos concorda?
Não vou entrar em detalhe porque não faz sentido, mas gostaria que a gente
adotasse basicamente a lista de exceções que é padrão no resto do mundo, que
inclui as politicamente mais importantes: saúde, educação, alimentos. A decisão
é do Parlamento.
Diante da série de concessões, tem espaço ou gordura para mexer mais? Temem uma flexibilização ainda maior no Senado?
Espero que qualquer discussão setorial considere custos e benefícios. Quando
tenho uma alíquota menor para um determinado bem ou serviço, como o modelo todo
é feito para manter a carga tributária, tem que ter uma alíquota maior para os
outros.
Não posso restringir, [dizer que] existe
limite para o que o Parlamento pode fazer. O importante é que a discussão seja
informada. Gostaria que fosse feita com mais calma do que essa correria da reta
final na Câmara. Mas assim é a política. Talvez se não fosse feito desse jeito,
não tivesse sido aprovado. Quando você deixa o projeto muito tempo em aberto,
vai aparecer mais pressão ainda do que apareceu. Não estou dizendo que a opção
da Câmara foi errada, pode ter sido a opção correta.
Algumas estimativas apontavam que a alíquota do IVA ficaria em torno de 25%. A ampliação de exceções pode elevar esse percentual?
Sim, óbvio. Tem dois movimentos que se contrapõem aqui. De um lado, quanto mais
exceções, maior a alíquota. Por outro, [menor será a alíquota] quanto menor o
gap de conformidade, que é a diferença entre o que se arrecadaria se todo mundo
pagasse imposto com base na legislação e o que arrecada. A gente tem certeza
que esse gap vai cair com a Reforma. Pelas minhas conversas das últimas
semanas, vai cair mais do que eu imaginava.
Minhas contas recentes mostram que, se não
tivesse nenhuma exceção e com essa redução de sonegação, a gente teria uma alíquota
bem… Poderia ser inferior a 25%. Claramente inferior a 25%. Mas toda exceção
aumenta a alíquota. Essa vai ter que ser uma discussão que, no Senado, espero
que seja muito informada.
Governadores mencionam o risco de a alíquota passar de 30%. Existe esse risco?
Acredito que não.
Como o sr. vê a emenda que cria uma nova contribuição estadual?
Hoje alguns estados têm contribuições, vamos dizer assim,
"voluntárias", das empresas para fundos estaduais, em troca do
diferimento na cobrança de ICMS,
sobretudo na saída de produtos agropecuários. São uma fonte de receita
importante para esses estados.
No plenário foi feita
essa opção e foi colocado esse texto, deixando claro que é limitado àquilo
que existia em 30 de abril deste ano. Também tem prazo para terminar, em 2043.
Então, não está abrindo para qualquer estado fazer.
Não foi uma decisão do Executivo. O
Parlamento decidiu. Vai ser um tema que o Senado terá de avaliar. Mas acho que,
se o Parlamento decidir manter, é importante dizer que não pode ser maior do
que o que já existia antes.
Tributaristas dizem que a redação abre a possibilidade de tributar exportação. A porta está aberta?
Se a redação não estiver clara, acho que o Senado precisa deixar mais clara, e
decidir se mantém ou não.
Tinha uma reclamação dos outros estados, que temiam ter de bancar a perda de arrecadação desses fundos…
Para os estados
que têm esses fundos, sobretudo no Centro-Oeste, é muito importante manter essa
receita. A Reforma não quer ter impacto sobre as finanças públicas de
nenhum ente nacional. Mas é importante fazer isso de um jeito que não gere
insegurança jurídica para ninguém e deixe todos os atores confortáveis. A ideia
não é aumentar [a carga] que existe.
Houve uma negociação muito tensa em torno do Conselho Federativo. Vocês temem que essa discussão volte no Senado?
Não tenho dúvida nenhuma que o tema vai aparecer no Senado, que é a casa da
Federação. As pessoas estão achando que o Conselho Federativo vai ser uma
instância política, vai ter poder político, e não vai. É uma instância técnica.
O que vai fazer é editar o regulamento do imposto, que é obrigação acessória.
Vai operar o sistema de arrecadação, que é na verdade um algoritmo. Não tem
poder nenhum nessa gestão da arrecadação. Ele tem algum poder na interpretação
da legislação, mas é uma questão técnica. Não é uma questão de estado contra
estado, mas de relação entre Fisco e contribuinte. [O Conselho] Vai ser menos poderoso
que qualquer Secretaria de Fazenda
A PEC criou um fundo para financiar a Zona Franca de Manaus. Não há risco de a fatura de repasses da União aos estados ficar muito pesada?
Primeiro, a fatura da União [com repasses aos estados] ficou nesse montante
crescente que chega a R$ 40 bilhões a partir de 2029 [com o Fundo
Desenvolvimento Regional e a compensação de benefícios do ICMS]. O próprio
mercado entendeu que o ganho da Reforma em termos de crescimento e de aumento
de receita é maior do que o custo que a União está assumindo.
Esse novo fundo
para a Amazônia vai ser negociado, não vai ser feito de forma fiscalmente
irresponsável em hipótese nenhuma. É para começar a criar alternativas de
desenvolvimento para a região, inclusive buscando explorar mais a
biodiversidade, a bioeconomia. Mas isso [valor] vai ficar para ser decidido
depois, inclusive com o próprio governo do Amazonas.
A União não podia adotar a CBS mais cedo? Por que a demora?
Por razões técnicas. Esperamos que o Senado aprove a Reforma neste ano. Temos o
ano que vem para discutir e aprovar a lei complementar [de regulamentação].
Politicamente é mais simples, mas tecnicamente é muito mais complicado. A gente
aprova [a lei] no fim de 2024. Preciso de um ano para montar sistemas. Depois,
um período de teste. Na melhor das hipóteses, poderia dizer que viramos
a chave dos tributos federais em 2026. Mas acho muito prudente ter um
período de teste antes. Para antecipar, eu ia ter que criar puxadinho. Não vale
a pena.
Não é uma pequena mudança no sistema
brasileiro. Estamos criando um novo modelo de tributação no consumo de bens e
serviços, totalmente baseado em economia digital. Tem alguns setores da
economia que não emitem documento fiscal eletrônico. Não tem como enrolar. Todo
mundo vai ter que emitir até o final de 2025.
O relator
criou uma Cesta Básica Nacional e a desonerou em 100%. Foi importante? Há
risco de abrir para produtos demais?
A avaliação política é que foi importante.
Não é uma avaliação técnica minha. Vamos ter que discutir a regulamentação. Na
cesta básica da África do Sul, a única proteína que tem é a sardinha. Não estou
propondo isso para o Brasil, só estou dizendo que vamos ter que discutir. Se
quiser colocar isso [algum produto], qual é a consequência que isso tem para o
resto da economia? Tem que considerar o efeito sobre a alíquota e o efeito
operacional.
A PEC prevê que o governo apresente em seis meses após a promulgação uma reforma do Imposto de Renda (IR) e que o ganho de receitas financie a desoneração da folha. É um mecanismo adequado?
Esse dispositivo está falando o que o governo já pretende fazer. Pode
ser que o governo envie a proposta do IR antes mesmo de promulgada a
PEC. E sim, a gente quer discutir junto a tributação da folha. A gente acha
importante desonerar. Mas na situação fiscal do país, isso precisa ser
financiado. No consumo não dá, porque a tributação já é altíssima. CPMF o
governo não quer. Aí sobrou a renda.
Mas vai ser um desafio brutal, já que o presidente quer a isenção de até R$ 5.000 para a pessoa física.
No começo do ano, todo mundo achava impossível aprovar a Reforma Tributária. A
gente aprovou. Nosso trabalho é tornar o impossível possível.
*BERNARD APPY, 61. Economista, secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda e um dos autores técnicos da proposta de 2019 que baseou a Reforma Tributária aprovada neste mês na Câmara. Ex-diretor do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal). Ex-secretário-executivo e de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2009). Foi diretor de Estratégia e Planejamento da BM&F Bovespa (atual B3) e sócio-diretor da LCA Consultores.
Um comentário:
Esclarecedora a entrevista.
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