Folha de S. Paulo
Basta imaginar a passagem do ex-capitão por
Brasília se ele tivesse um partido majoritário no Congresso
O sistema político brasileiro não é visto com bons olhos
pela imensa maioria dos acadêmicos e dos jornalistas. Uns e outros buscam
persuadir os leigos de que nada ou muito pouco presta no presidencialismo de coalizão, corolário de um sistema
partidário notoriamente fragmentado. Em especial, investem contra a partilha de
ministérios e cargos de primeiro escalão, vital para a formação da base
governista no Congresso, e a política de liberação de recursos para emendas
parlamentares, que azeita a aprovação de projetos de interesse do governo.
Muitos julgam ainda excessivo o poder dos governadores em assuntos nacionais. E se dizem preocupados com a judicialização das disputas políticas e o protagonismo das instituições judiciais, particularmente do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Para os críticos, esse sistema emperra
decisões; baseia-se em caro toma-lá, dá-cá; dificulta a adoção de reformas
importantes; e multiplica as oportunidades para a apropriação indevida de
recursos públicos —a velha e onipresente corrupção.
Talvez seja hora de contrapor às críticas
as vantagens de um sistema que impede a concentração excessiva de poder no
Executivo, bem como o governo de um único partido majoritário. Em consequência,
obriga à negociação entre interesses diversos, à busca de consensos e, nesse
processo, favorece soluções moderadas. Por último, o mais importante: o seu
papel como dique de contenção a arroubos de um mandatário com vocação
autoritária.
No passado recente, foram essas as
instituições que impediram Bolsonaro de exercer seu despotismo, limitando o
estrago de suas políticas destrutivas. Basta imaginar o que poderia ter sido a
passagem do ex-capitão por Brasília, tivesse ele um partido majoritário no
Congresso; a prerrogativa de indicar prepostos para administrar regiões sem
autonomia frente ao governo central; e, por fim, contasse com um Judiciário
subjugado.
É esse arranjo tido como mal-ajambrado, no
qual a negociação política é tão crua quanto aberta, que tem permitido, pela
busca de convergências, definir novas regras fiscais e a tão
esperada Reforma Tributária. E mais do que permitir, requer um governo
disposto e capaz de dialogar para chegar ao que a ministra dos Povos
Indígenas, Sônia Guajajara, em recente entrevista ao jornal Valor,
chamou de solução "meio-termo" ao tratar do controverso marco
temporal para a demarcação das terras indígenas. Afinal, meio-termo,
negociação, moderação, construção de consensos são alguns dos tantos nomes da
política democrática. Antes assim.
Tiro uma semana de férias. Volto no fim do
mês.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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