Pressão sobre ditador Maduro representa avanço
O Globo
Brasil, Argentina, Colômbia, França e União
Europeia pedem eleições ‘justas’ na Venezuela em 2024
O ditador Nicolás
Maduro despachou a vice-presidente, Delcy Rodríguez, para a III
Reunião de Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos
(Celac) e da União Europeia (UE), em Bruxelas, certamente sem nada esperar do
encontro a não ser declarações esporádicas em defesa da democracia.
Provavelmente não contava que Argentina, Brasil, Colômbia e França, assim como
a UE, divulgariam declaração conjunta na terça-feira pedindo que o governo e a
oposição venezuelana retomem o “diálogo e a negociação” para chegar a um acordo
e ter eleições em 2024 “justas para todos, transparentes e inclusivas”.
O documento também defende “a suspensão das sanções, de todos os tipos” impostas ao regime, com a finalidade de eliminá-las por completo a depender do desfecho do pleito, que precisa transcorrer de acordo com a lei e sob supervisão internacional. No dia anterior, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Alberto Fernández, Gustavo Petro e Emmanuel Macron tinham se reunido com a vice Delcy e um representante da oposição venezuelana, mas não era esperada uma declaração com linguagem tão direta.
A participação de Lula foi digna de nota.
Depois de recepcionar Maduro com todas as honras em Brasília e de recusar-se a
admitir a natureza ditatorial do regime venezuelano, chegando até, em defesa de
Caracas, a considerar democracia “um conceito relativo”, o presidente
brasileiro foi um dos que estabeleceram na reunião, como condição para o reconhecimento
do vitorioso nas urnas no ano que vem, que o processo eleitoral seja aceito por
todas as partes envolvidas. Para quem propagou o discurso de “integração”
incondicional da ditadura venezuelana ao continente sul-americano desde que
reassumiu o Planalto, afirmar que as eleições presidenciais na Venezuela precisam
ter o respaldo da oposição foi um avanço.
É uma incógnita como o regime venezuelano
reagirá nos próximos meses. Maduro certamente tem interesse no fim das sanções,
mas as negociações já foram retomadas outras vezes, sem chegar a lugar algum.
Um indicador a ser acompanhado é o tratamento dado a políticos da oposição
perseguidos pela ditadura. Um dos casos mais gritantes é o da ex-deputada María
Corina, inabilitada para disputar qualquer cargo eletivo por 15 anos, quando
despontava nas pesquisas eleitorais e reunia multidões em comícios. Também
estão com os direitos políticos cassados os oposicionistas pré-candidatos a
presidente Henrique Capriles e Freddy Superlano. São políticos experientes e
conhecidos. Capriles é ex-governador, já foi candidato à Presidência, lidera o
partido Primeira Justiça e foi cassado em 2017, também por 15 anos. O mesmo
período da inabilitação decretada contra Superlano em 2021, do partido Vontade
Popular, do ex-autoproclamado presidente interino Juan Guaidó.
Ao se comprometer com a lisura das eleições
venezuelanas, Lula pode se valer da proximidade de Maduro para convencê-lo de
que a melhor forma de sair de uma ditadura é pela negociação. Pode usar o
exemplo da ditadura militar brasileira, bem conhecida por ele.
Eventos climáticos precisam motivar combate
ao aquecimento global
O Globo
Onda de calor no Hemisfério Norte e
ciclones no Brasil são prova de que é necessário ter urgência
Os efeitos do aquecimento global se
tornaram mais evidentes para milhões de pessoas nas últimas duas semanas. Na
Sicília, ao sul da Itália, ontem os termômetros marcaram quase 47 °C e chegaram
perto do recorde europeu de 48,8 °C, registrado no mesmo lugar há dois anos. O
calor fez o número de idosos em setores de emergência de hospitais crescer 25%.
Na Grécia, os incêndios perto de Atenas seguem sem dar trégua.
Em Pequim, a temperatura máxima diária
continua acima dos 35 °C há quatro semanas, um recorde. No domingo, uma
localidade no Nordeste do país chegou aos 52,2 °C, maior temperatura já
registrada na China. No começo da semana, em um festival na cidade de Kyoto, no
Japão, nove pessoas, incluindo crianças e idosos, foram hospitalizadas devido
ao calor. Phoenix, no sul dos Estados Unidos, teve ontem o 20º dia consecutivo
com os termômetros registrando marcas acima dos 43,3 °C. No Canadá, os
incêndios já consumiram mais de 10 milhões de hectares e se mantêm espalhando
fumaça e fuligem por áreas urbanas. Vale lembrar que foi no começo deste mês o
dia mais quente da História já registrado numa escala global, de acordo com
dados dos Centros Nacionais de Previsão Ambiental dos Estados Unidos.
Na semana passada, o Rio Grande do Sul
sofreu com um novo ciclone extratropical, com força suficiente para alcançar
Paraná, Santa Catarina e parte de São Paulo. As chuvas e ventos causaram
estragos generalizados em dezenas de municípios e morte de pessoas atingidas
por árvores e fios de eletricidade de postes derrubados pelos ventos. No
Uruguai, o governo torce para que chegue ao fim a maior seca ocorrida em 70
anos. Até o fornecimento de água potável foi afetado.
Para dar uma ideia melhor do impacto das
mudanças no clima provocadas pelo homem, o cientista brasileiro Carlos Nobre,
um dos mais respeitados especialistas do mundo no assunto, coloca a questão
numa grande perspectiva histórica. Em palestra recente, Nobre explicou: “De uma
Era Glacial até o Período Interglacial, a temperatura varia de 5 °C a 6 °C, mas
isso leva 10 mil, 12 mil ou 20 mil anos para acontecer. Nós, em cem anos,
aumentamos a temperatura em quase 1 grau, o que significa acelerar a máquina
climática em 50 vezes. O que faz a diferença não é tanto o valor da
temperatura, mas o fato de estarmos acelerando nessa velocidade”.
É certo que ciclones, variações da
temperatura do mar, tempestades de verão, secas e inundações sempre ocorreram.
Porém em ciclos mais definidos, previsíveis e, em geral, menos intensos. O que
acontece agora é algo totalmente diferente. Por isso exige uma ação combinada
de todos os países para zerar as emissões dos gases do efeito estufa e se
preparar para diminuir o impacto das catástrofes climáticas que já estão entre
nós.
Valor Econômico
Aparentemente imune às previsões de
encolhimento do comércio global neste ano, o Brasil pode atingir novo superávit
em sua balança comercial
A China parece estar passando por um
inferno astral. A economia cresce menos do que se esperava, com sérios
problemas no mercado imobiliário, redução das exportações e desemprego elevado
entre os jovens. Pequim não esgotou todo seu arsenal para reverter ou amenizar
a crise, mas a saída não parece fácil e pode ter repercussões globais,
inclusive no Brasil. Com outras economias importantes derrapando em
consequência do aperto monetário para conter a inflação, esperava-se que a
China continuasse sendo a locomotiva.
O mais recente sinal de perigo foi o
crescimento de 0,8% do PIB chinês do primeiro para o segundo trimestre, menos
que a metade dos 2,2% registrados de janeiro a março. A freada coloca em risco
a previsão do governo chinês de que o país fecharia o ano com expansão de 5%; e
desencadeou um movimento de redução das estimativas dos bancos.
Os sinais de fraqueza vêm de vários lados:
vendas menores no varejo, investimentos fracos do setor privado, desaceleração
das exportações, a persistente crise do setor imobiliário, governos locais com
contas deterioradas e taxa de desemprego acima de 20% para os chineses entre 16
e 24 anos.
Como de outras vezes, não se deve descartar
o socorro do governo, com medidas como transferências fiscais para autoridades
locais e até o corte de juros, além de mais apoio ao mercado imobiliário para
evitar o aumento da inadimplência.
A retração do comércio exterior também
preocupa. Em junho, pelo segundo mês consecutivo, as exportações chinesas
encolheram. Desta vez, o recuo foi de 12,4% em dólar na comparação com o ano
anterior. Esse foi o segundo mês seguido de queda, a maior desde a chegada da
pandemia no início de 2020. As importações caíram 6,8%. A demanda global foi um
forte propulsor do crescimento da China nos últimos três anos. Mas, à medida
que muitos bancos centrais ainda precisam elevar os juros para reduzir a
inflação, esse fator perde força.
Por contraditório que possa parecer, é
neste momento que o governo de Pequim impõe restrições à exportação de metais
usados nas indústrias de semicondutores e veículos elétricos, como o gálio e o
germânio. A disputa comercial e política com os Estados Unidos fala mais alto.
A China foi a maior exportadora para os EUA em 2009, conquistando espaço com
seus preços baixos. Foi o ex-presidente Donald Trump que começou a mudar o
quadro, impondo tarifas para uma gama ampla de produtos, como parte do esforço
de reanimar a indústria americana. Apesar da diferença ideológica, o presidente
Joe Biden manteve essas tarifas e foi além, tomando medidas para excluir a
China de áreas de alta tecnologia como semicondutores avançados e equipamentos
de telecomunicações, alegando segurança nacional. Na prática, o objetivo é
reduzir a dependência do país asiático.
Pela primeira vez em 15 anos, a China pode
perder o posto de maior fornecedor do mercado americano neste ano. Enquanto
isso, México e Canadá ganharam espaço no mercado americano, com a política de
nearshoring. As importações americanas do México atingiram o recorde histórico
de US$ 195 bilhões de janeiro a maio. Já as exportações dos EUA para a China
ficaram quase estáveis de janeiro a maio, em US$ 62 bilhões, e o mercado chinês
manteve o posto de terceiro maior destino para os produtos americanos.
A disputa comercial entre a China e os
Estados Unidos tem, na verdade, repercussões no mundo todo, e dispara uma
corrida para os metais raros. Os dois países já são o primeiro e o segundo
parceiro comercial do Brasil, respectivamente. No primeiro semestre, a corrente
de comércio entre Brasil e Estados Unidos diminuiu 13% em relação ao ano
passado para US$ 36,7 bilhões, mas é o segundo maior valor da série histórica
elaborada pela Amcham Brasil. A pressão veio principalmente da queda de 21,5%
das importações brasileiras enquanto as exportações diminuíram apenas 2,1%.
Chamaram a atenção as vendas de bens
industriais brasileiros, que representaram 84% da pauta de embarques para os
EUA, somando US$ 14,5 bilhões no semestre, valor recorde. Oito dos dez produtos
mais vendidos são da indústria de transformação. A relação inclui equipamentos
de engenharia civil e aeronaves. Já as exportações para a China se concentram
em commodities agrícolas e minerais, que constituem os alicerces da balança
comercial brasileira.
Aparentemente imune às previsões de
encolhimento do comércio global neste ano, o Brasil pode atingir novo superávit
em sua balança comercial. O superávit registrado no primeiro semestre está em
US$ 45,5 bilhões, número histórico para o período na série iniciada em 1989,
apesar da queda de preços de alguns importantes produtos de exportação, que
está sendo compensada pelo maior volume exportado.
A mais recente pesquisa Focus menciona
superávit de US$ 65 bilhões no ano. Alguns bancos e consultorias, porém, já
trabalham com um número ao redor de US$ 75 bilhões. A Associação de Comércio
Exterior do Brasil (AEB), que esperava superávit de US$ 71 bilhões, já disse
que vai revisar o número para cima. Mais otimista, a Secretaria de Comércio Exterior
(Secex/Mdic) elevou a projeção de superávit comercial neste ano de US$ 84,1
bilhões para US$ 84,7 bilhões.
Ditador sob pressão
Folha de S. Paulo
Lula, aliado de Maduro, cobra com outros
líderes eleições limpas na Venezuela
Esgota-se nas democracias consolidadas a
tolerância com os despotismos, a despeito do uniforme ideológico que vistam.
O flerte de correntes domésticas com
doutrinas extremistas em países como Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e
França elevou a responsabilidade dos governantes e a cobrança sobre eles.
Não tem sido diferente no Brasil. Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) venceu a eleição engolfado em maré antiautoritária. É
impossível posar de paladino da democracia aqui e abraçar caudilhos amigos lá
fora sem corrosão política —e sem alimentar o extremismo adversário.
Ainda assim, Lula pagou para ver. Agarrado
a velharias ideológicas tiradas do armário empoeirado do século 20, pretendeu
inculpar os EUA e seus aliados da Otan pela agressão russa à Ucrânia. Deu a
Nicolás Maduro, ditador da Venezuela, status de parceiro privilegiado em visita
a Brasília, quando
pronunciou a célebre frase de que democracia é relativa.
Como o mundo mudou, o presidente brasileiro
sofreu desgaste e críticas, inclusive no eleitorado que o apoiou em outubro, e
parece dedicado, se não a recuar de seus rematados equívocos, pelo menos a
jogar com mais ambiguidades.
Na reunião entre governantes
latino-americanos e da União Europeia, em Bruxelas, os participantes dialogaram
com representantes do regime venezuelano e da oposição, implacavelmente
perseguida pela ditadura de Maduro.
Em comunicado nesta terça (18), a
cúpula cobrou eleições limpas, livres e monitoradas por observadores
internacionais no ano que vem. Em contrapartida, diz a nota,
países que sustentam restrições a negócios com a nação sul-americana deveriam
relaxá-las.
O ceticismo desperta quase automaticamente
quando Lula e seu colega argentino Alberto Fernández —que tanta energia têm
desperdiçado para tentar reabilitar o regime pária há 24 anos no poder na
Venezuela— subscrevem um documento com esse teor.
Talvez a dupla queira aplicar um drible nos
europeus, de onde vêm as maiores sanções econômicas, para satisfazer novamente
o aliado chavista sem dele obter concessão substanciosa. A malandragem nesse
caso seria facilmente identificada antes de produzir resultados.
O que se exige da autocracia venezuelana é
objetivo: liberar candidatos que quiserem concorrer às eleições de 2024, o que
inclui oposicionistas há pouco cassados, e permitir a inspeção de observadores
estrangeiros, revertendo decisão recente da ditadura chavista.
Maduro, sob pressão, ainda poderá escolher
continuar empobrecendo e expelindo o seu povo se quiser. Nessa hipótese, não
deveria mais receber afagos de Lula.
Manter a cidade limpa
Folha de S. Paulo
Prefeitura de SP precisa endurecer
fiscalização para eliminar a poluição visual
Criada em 2006, a Lei Cidade Limpa promoveu
alterações significativas, para melhor, na paisagem urbana da capital paulista.
A publicidade foi retirada do espaço
público com a proibição de outdoors e pinturas em fachadas que anunciavam
empresas e produtos. A lei também regulou os chamados anúncios indicativos,
para identificar as atividades exercidas nas edificações, limitando seus
tamanhos e modos de exibição.
O resultado foi, de fato, a limpeza da
cidade. A ponto de levar muitos paulistanos a estranhar a poluição visual
quando em visita a outros municípios. Infelizmente, com o passar dos anos, o
diploma foi sendo desrespeitado.
Hoje, várias formas de publicidade (de
painéis luminosos a cavaletes) voltaram a dar as caras na capital, em flagrante
desrespeito às normas da legislação.
Em avenidas como Washington Luís e
Juscelino Kubitschek, na zona sul, alguns comércios transformaram pavimentos
superiores inteiros em vitrines para exibir propaganda em grandes telões. Há
também casos de imóveis vazios que alugam o espaço para a publicidade de outras
marcas. Telas de LED
se tornaram comuns diante de lançamentos imobiliários.
A prefeitura paulistana, a quem cabe
fiscalizar e multar os infratores, tem se mostrado leniente frente à burla da
lei. Desde o início da gestão Ricardo Nunes (MDB), o número de autuações por
descumprimento da norma tem ficado abaixo da média quando comparado aos anos
anteriores.
Em 2022,
foram aplicadas 236 multas, no valor de R$ 3,7 milhões, o que representa queda
de 78% em relação ao volume de infrações de 2018. Naquele ano,
fiscais aplicaram 1.080 multas por publicidade irregular em São Paulo, que
totalizaram R$ 17,4 milhões.
O reduzido número de fiscais em atuação na
cidade é a principal explicação para a falta de controle. Hoje, 289 agentes são
responsáveis por observar o cumprimento de 834 normas do município, como as
relativas ao comércio ambulante, o Programa Silêncio Urbano (Psiu) e a Lei
Cidade Limpa. A medida que criou os cargos, em 1987, previa 1.200
profissionais.
A prefeitura alega que na pandemia as fiscalizações enfatizaram o controle sanitário, o que justificaria menor atenção à Lei Cidade Limpa. Com o fim do estado de emergência de saúde pública, autoridades deveriam se dedicar em manter esse patrimônio paulistano.
A distorção que enfraquece a democracia
O Estado de S. Paulo
Dino diz que supostas agressões a Alexandre
de Moraes podem caracterizar crime contra o Estado Democrático de Direito, um
absurdo equivalente a reeditar a Lei de Segurança Nacional
A Lei de Defesa do Estado Democrático de
Direito (Lei 14.197/2021), que revogou a Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170,
de 1983), foi aprovada em 2021 depois de longa jornada – o projeto original foi
apresentado em 2002. Essa lei revogou a Lei de Segurança Nacional e instituiu
no Código Penal um capítulo específico sobre o tema, definindo crimes que
ameaçam ou impedem o pleno funcionamento do Estado Democrático de Direito.
A aprovação da Lei 14.197/2021 foi um passo
importante na proteção do regime democrático e das liberdades individuais.
Ainda que não fosse inconstitucional, como reconhecido pelo Supremo Tribunal
Federal (STF), a Lei de Segurança Nacional apresentava uma estrutura voltada
para a proteção ideológica do Estado. Dessa forma, havia o risco de que seus
dispositivos fossem interpretados como uma defesa da integridade das autoridades
ou de determinada corrente de pensamento. Esse risco tornou-se perigo efetivo
durante o governo de Jair Bolsonaro, quando a Lei 7.170/1983 foi utilizada para
abrir inquéritos criminais contra opositores políticos.
A Lei de Defesa do Estado Democrático de
Direito veio eliminar esse risco, explicitando que a proteção específica do
regime democrático não tem nenhuma relação com questões de honra ou mesmo de
integridade física das autoridades. Num Estado Democrático de Direito, a defesa
do regime democrático não se confunde com a defesa das autoridades. São
assuntos diversos, dispondo de proteções específicas.
Portanto, equivoca-se profundamente o
ministro da Justiça, Flávio Dino, quando, em entrevista sobre a confusão
ocorrida no aeroporto de Roma envolvendo o ministro Alexandre de Moraes, do
Supremo Tribunal Federal, diz que as agressões morais e físicas que teriam sido
cometidas contra o magistrado e sua família poderão vir a ser tipificadas como
crime contra o Estado Democrático de Direito – um evidente absurdo.
É preciso ressaltar que o caso, por si só,
é lamentável e, se comprovadas as acusações, merece o mais veemente repúdio. A
discordância política, ideológica ou jurídica não autoriza ninguém a achacar ou
intimidar autoridades, menos ainda a agredi-las verbal ou fisicamente.
Infelizmente, a incivilidade prosperou nos últimos anos e há quem veja na
violência um meio legítimo para expressar suas opiniões.
É preciso investigar o que aconteceu em
Roma e, comprovando-se a ocorrência de crimes, proceder à punição dos
responsáveis. Não existe liberdade para agredir, tampouco para ameaçar. Em
tese, agressões morais e físicas contra um juiz e sua família podem ser
enquadradas em diversos tipos penais, como, por exemplo, calúnia, difamação,
injúria, lesão corporal, constrangimento ilegal, coação no curso do processo,
ameaça ou perseguição. É tarefa do inquérito policial averiguar o que de fato
ocorreu. Havendo elementos suficientes sobre a materialidade e a autoria de um
ou mais crimes, cabe ao Ministério Público apresentar à Justiça a denúncia
correspondente.
É necessário, portanto, realizar
prontamente a investigação sobre o caso. Mas não há nada que autorize a
transformar eventual agressão física ou moral a um ministro do STF e sua
família em crime contra o Estado Democrático de Direito. Isso significaria
perverter, em menos de dois anos de vigência, a Lei 14.197/2021, como se ela
viesse proteger a honra e a integridade de autoridades estatais. No caso,
ampliar o alcance dos tipos penais da Lei de Defesa do Estado Democrático de
Direito é evidente violação do princípio constitucional da legalidade, o que,
por si só, é gravíssimo, pois “não há crime sem lei anterior que o defina”,
como diz o art. 5.º, XXXIX ,da Constituição. Essa ampliação, ademais, equivaleria
a desfigurar a própria proteção da democracia, abrindo perigosas possibilidades
no futuro. Não há razão para transformar a Lei 14.197/2021 numa reedição da Lei
de Segurança Nacional.
Atribuída ao rei da França Luís XIV
(1643-1715), a frase L'Etat, c'est moi (Eu sou o Estado) faz sentido em um
sistema absolutista. No regime democrático, nenhuma autoridade do Executivo, do
Legislativo ou do Judiciário é o Estado. Por isso, as respectivas proteções, do
Estado e das autoridades, não se confundem nem se misturam.
Uma aliança anódina no Atlântico
O Estado de S. Paulo
Líderes da UE e da Celac desperdiçam chance
de construir agenda pragmática em torno de interesses comuns e deixam no ar
promessa de investimento europeu na AL e no Caribe
O encontro de líderes da Comunidade de
Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e da União Europeia, encerrado
no último dia 18 em Bruxelas, resultou em nítida perda de tempo e, ainda pior,
de oportunidades. A declaração final não traduziu o propósito de adensar
parcerias para o enfrentamento dos desafios comuns deste século nos âmbitos
comercial, energético, climático e sanitário. Não por acaso, o anunciado
investimento europeu de 45 bilhões de euros nessas mesmas áreas do outro lado
do Atlântico simplesmente foi omitido do texto anódino.
É sempre lamentável ver um encontro
plurilateral no mais alto nível político, como o de Bruxelas, não agregar mais
conteúdo do que a tradicional “foto de família” dos ilustres participantes. Com
boa vontade, a declaração final poderá ser compreendida como uma carta de
intenções para as relações birregionais. No entanto, as duas regiões não
precisariam repetir platitudes sobre temas em que coincidem há tempos. Ao
contrário, necessitam programas efetivos e pragmáticos, com agendas e
responsabilidades definidas, para alavancar seus interesses mútuos.
O anúncio dos 45 bilhões de euros, no
último dia 17, parecia um avanço. Não seria um gesto incondicional de boa
vontade de Bruxelas, mas tampouco seria rejeitado, por mais melindrosas que
fossem as segundas intenções. O volume de recursos prometido já estava inserido
no Global Gateway (portal global, em tradução livre), programa de investimentos
em diferentes regiões do planeta com o qual a União Europeia pretende alavancar
sua provisão de combustível verde e matérias-primas, suas exportações de bens e
serviços e o desenvolvimento econômico de mercados potencialmente cativos.
Em última instância, o Global Gateway tem a
missão geopolítica de abraçar regiões nas quais a Europa manteve histórica
influência, mas que atualmente se mostram mais bem atendidas pela agressiva
estratégia de investimentos e de parcerias da China na área
econômico-comercial. A América Latina (AL) e o Caribe são alvos naturais, onde
a União Europeia elencou mais de 130 projetos. Dos 45 bilhões de euros, pelo
menos 3 bilhões de euros já estavam comprometidos com a produção de hidrogênio
verde no Brasil e no Chile e com a exploração de lítio na Argentina. Dada a
omissão desse valor na declaração final de Bruxelas, não há clareza se os 42
bilhões de euros restantes são promessas no fio de bigode.
Não há dúvidas de que o atual impasse nas
negociações sobre o livre-comércio entre União Europeia e Mercosul atrapalhou.
No mínimo, impediu que a declaração final trouxesse um conteúdo representativo
dos ganhos de uma parceria birregional. O texto assinalou, indiretamente, o
pessimismo de ambos os blocos sobre a assinatura do acordo até o fim deste ano.
“Tomamos nota do trabalho em curso entre a União Europeia e o Mercosul”,
informou.
Em perspectiva, o encontro de líderes da
Celac e da União Europeia tende a ser lembrado pelo desentendimento sobre a
agressão da Rússia à Ucrânia. O objetivo de Bruxelas de extrair dos latinos e
caribenhos apoio explícito à causa ucraniana naufragou. A palavra “Rússia” foi
extraída do rascunho da declaração final. Diante da aguada menção ao “conflito
na Ucrânia”, o regime autoritário da Nicarágua isolou-se e não assinou a
declaração. Nem Cuba arriscou a aliar-se de forma tão contundente a Moscou.
Não deixa de ser uma pena o desperdício de
tempo nessa visita de chefes de Estado a Bruxelas. Salvo conversas bilaterais e
um pacto morno – com os dias contados – entre o governo e a oposição da
Venezuela sobre a realização de eleições livres e justas em 2024, costurado à
parte, União Europeia e Celac perderam a chance de construir uma ambiciosa
agenda comum. É provável que Bruxelas, com seus bilhões de euros, mova-se no
plano bilateral na direção de parceiros na região considerados confiáveis e
capazes de atender aos seus interesses. Nada além do mesmo.
A China engasga
O Estado de S. Paulo
Expansão de apenas 0,8% na atividade
econômica acende alerta no Politburo e no mundo
O Produto Interno Bruto (PIB) da China
cresceu 0,8% no segundo trimestre deste ano, comparado ao período anterior. O
resultado divulgado pelo Escritório Nacional de Estatísticas, de Pequim,
derrubou as cotações em bolsas de valores de grandes exportadores de commodities
ao mercado chinês, inclusive do Brasil. Não foi o único ruído. O crescimento
anualizado, de 3,2%, minou a confiança sobre a expansão de 5% na atividade
econômica prometida pelo governo chinês para este ano.
O crescimento morno na segunda maior
economia do planeta é sempre má notícia. Afunda as projeções para o PIB
planetário, com consequências drásticas para os mercados provedores de bens e
serviços, e os prejuízos vão além da queda na demanda e nos preços de
commodities. Atingem investimentos, cadeias produtivas e linhas de
financiamento.
O resultado do trimestre deixa no ar a
impressão de que o Politburo chinês também foi surpreendido pelo PIB esquálido,
uma vez que o governo de Xi Jinping se mostrou reticente em enfrentar mazelas
econômicas muito bem identificadas nos últimos meses. Medidas pontuais, como
uma leve redução na taxa básica de juros e a extensão de benefícios fiscais
para a compra de carros elétricos, mostraram-se tímidas. Políticas de estímulo adicionadas
no orçamento de 2023, em março, desapontaram o setor empresarial.
A expectativa é de reação robusta do
presidente Xi com o objetivo de acelerar o ritmo de crescimento neste segundo
semestre. A rigor, há espaço para a adoção de políticas corajosas para reverter
a fraca confiança do consumidor – um dos principais fatores da estagnação do
PIB e vetor do preocupante risco de o país mergulhar em deflação. Atacar o
desemprego, que aumentou 21,3% nas áreas urbanas no segundo semestre, seria uma
possibilidade. Mas não a única.
A economia chinesa se vê afetada há anos
pelo elevado endividamento dos governos locais. O passivo supera US$ 9
trilhões, com impacto direto nos investimentos, na competitividade e nos
resultados de seus bancos e empresas. A longa estagnação do setor imobiliário,
por sua vez, derreteu investimentos no setor e a renda dos chineses que
investiram sua poupança em imóveis.
O altíssimo grau de exposição internacional
dos setores econômicos da China pesa tanto no PIB quanto os fatores exclusivamente
domésticos. O resultado anêmico de abril a junho refletiu a queda de demanda
dos Estados Unidos e da União Europeia, imersos em lento crescimento, e a
valorização do dólar. As exportações chinesas de bens tecnológicos e a alocação
de investimentos estrangeiros no país mostraram-se suscetíveis também às
tensões entre Pequim, de um lado, e Washington e Bruxelas, de outro.
Não há dúvidas de que o programa de recuperação definido pelo Politburo chinês para o pós-pandemia mostrou-se insuficiente. Mas outro cochilo certamente não estará nos planos de Pequim. Seu compromisso de prover crescimento econômico é pedra angular da preservação do regime autoritário e centralizador. Crescer bem acalma os chineses.
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