O Estado de S. Paulo
O presidente Rodrigo Pacheco poderia recriar a comissão do presidente Sarney. Esse respaldo técnico viria a calhar com a chegada da PEC 45 ao Senado
Há pouco mais de dez anos, o presidente do
Senado José Sarney compôs uma comissão de técnicos para tratar dos temas
federativos, inclusive da guerra fiscal. Boas propostas foram exaradas, sob a
presidência de Nelson Jobim, com relatoria de Everardo Maciel. Colaboraram:
Bernard Appy, Fernando Rezende, o saudoso João Paulo dos Reis Veloso, Paulo de
Barros Carvalho e outros. O presidente Rodrigo Pacheco poderia recriar a
comissão. Esse respaldo técnico viria a calhar com a chegada da PEC 45 ao
Senado. Vejo ao menos oito desafios: Conselho Federativo. O órgão foi desenhado
para comandar o Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) subnacional, o chamado
IBS, a fundir o ICMS (estadual) e o ISS (municipal). Há dois problemas: 1) fere
o pacto federativo; e 2) incentiva a emissão de notas fraudadas para elevar
artificialmente o pagamento de créditos aos contribuintes, na presença da
transferência automática.
Cada Estado deveria fazer a gestão do respectivo IBS e partilhar a receita com os seus municípios, além de remeter as receitas arrecadadas ao Estado de destino. Também seria o responsável por devolver os créditos aos contribuintes, com prazo suficiente para promover a devida fiscalização e evitar o risco que apontei em 2. O descumprimento dessas obrigações implicaria crime de responsabilidade e aplicação de sanções.
Um caminho do meio: manter o órgão apenas
para as operações interestaduais do IBS. Ora, qual o sentido de uma conta
centralizadora arrecadar receitas originadas em operações realizadas dentro de
um único Estado para, depois, devolvê-las? Essa saída salomônica poderia ser
pensada, mas prefiro a gestão pelos 27 Estados, regulamentada por lei
complementar.
Alíquotas. Já passou da hora de abandonar a
ideia de alíquotas calculadas com vistas a garantir “cenários de referência”
para a arrecadação do IBS e da CBS. Ou bem estamos tratando de uma reforma
tributária constitucional ou de um artigo acadêmico para apresentar simulações
de economistas. Aliás, qual a conta do governo? Meus cálculos preliminares
indicam que a alíquota necessária para não haver perda de arrecadação,
considerando as muitas exceções do texto final da Câmara, já supera 30%. Estou
produzindo, com o colega Josué Pellegrini, na Warren Rena, trabalho sobre o
tema.
Exceções. É urgente reavaliar as exceções
do artigo 9.º (alíquota reduzida em 60% para serviços e bens escolhidos). A
saber, ele delega a uma lei complementar o detalhamento das exceções gerais
carimbadas na PEC. Sem falar nas isenções. O resgate da comissão do presidente
Sarney, como propus, seria útil também para esse propósito de enaltecer
princípios e valores básicos, retirar da gaveta as antigas (e boas) propostas
e, assim, buscar uma saída honrosa para o texto que chega ao Senado.
Princípio do destino (tributação no consumo
final). No texto atual, o destino seria alcançado apenas em 2033. A transição
do ICMS e do ISS para o IBS só começaria em 2029. Em dezembro de 2032, as
alíquotas dos antigos impostos, inclusive as alíquotas interestaduais do ICMS,
ainda figurariam em 60% das atuais. A transição tem de ser mais curta e começar
mais cedo. No discurso oficial, o destino parece previsto para amanhã. No
texto, só no longínquo 2033. Pior, pode acabar ocorrendo bem depois, já que a
alíquota elevada do ICMS vai estimular a ideia de esticar a transição.
Incentivos fiscais do ICMS. Prevê-se um fundo
para compensar os incentivos do ICMS e um segundo para promover o
desenvolvimento regional. Ambos com recursos da União. Mesmo assim, preserva-se
a tributação na origem por pelo menos uma década, com um ICMS gigantesco até
2032, ensejando novos benefícios, desde que aprovados pelo Conselho Nacional de
Política Fazendária (Confaz). A guerra fiscal aumentaria exponencialmente. Cabe
proibir a concessão de novos incentivos no texto da reforma.
Novo tributo estadual. O artigo 20 cria
mais um tributo em âmbito estadual. Aparentemente, seu objetivo é substituir
fundos hoje usados pelos Estados para arrecadar um adicional de ICMS, com
contrapartidas (como diferimentos) aos contribuintes. Na prática, vai ser o
canal para expandir a carga tributária e compensar as prováveis dificuldades do
novo IBS. Proponho retirar o artigo do texto.
Transição federativa. A transição
federativa do IBS está ligada ao cerne da reforma: a migração para o destino.
Ela só terminaria em 2078, baseando-se, de 2029 a 2034, no seguinte critério:
90% da arrecadação partilhados pelas fatias de cada ente na receita média de
2024 a 2028 (com base numa arrecadação majoritariamente na origem); e 10% pelo
critério do destino. De 2035 a 2078, os 90% seriam reduzidos em 2 pontos
porcentuais ao ano. Para o destino se materializar por completo, essa transição
tem de ser mais rápida e começar antes, em complemento ao item 4.
Risco fiscal. O parágrafo 8.º do artigo 12
da PEC 45 manda a União bancar todos os benefícios do ICMS existentes, desde
que homologados (provavelmente) pela Receita Federal. Altíssimo risco fiscal.
Anula-se o teto para os aportes da União no fundo de compensação, da ordem de
R$ 32 bilhões.
Já diziam Fernando Henrique Cardoso e José
Serra: a política é a arte de expandir os limites conhecidos do possível. A
missão de consertar a PEC 45 é nobre e inescapável. Logo, vamos à luta.
*ECONOMISTA-CHEFE DA WARREN RENA, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DE SÃO PAULO
Um comentário:
ESSE ZÉBUNDÃO LOBISTA DO SERRA CORRE O RISCO DE SER INDICADO PARA O BC OU É SÓ VIVANDEIRA ALVOROÇADA DO ESP RONDANDO BIVAQUES DO SENADO?
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