quinta-feira, 20 de julho de 2023

Merval Pereira - Olho grande

O Globo

Lula pode fazer troca-troca de ministros

“Quem oferece o ministério é o presidente, não é o partido que escolhe o ministério”. Com os ataques especulativos do Centrão ao seu ministério, especialmente aos que têm um caixa reforçado, como a Saúde, o presidente Lula foi obrigado a colocar limites nessa gulodice dos partidos que querem aderir ao governo, mas estão mesmo de olho nas verbas, não nas linhas gerais do programa petista.

Interessante acompanhar como será feita a reformulação do ministério – que vai ser feita, já está decidido. A frase que abre o texto, dita por Lula em Bruxelas, é muito esclarecedora, e dá esperanças de que a adesão de partidos que não estavam na aliança eleitoral que levou Lula à presidência será orientada pelo próprio governo, e não por interesses particulares de grupos políticos que buscam o governo devido às verbas, e não ao verbo que define o objetivo eleito.

Isso é fundamental, porque, se for cumprido, o governo se define pelos ministérios intocáveis; Saúde, Educação, Bolsa Família. São intocáveis não porque a substituição seja delicada, mas porque foram entregues a pessoas que entendem do assunto ou estão conectadas com o espírito do governo eleito.

A assessoria pessoal do presidente, como o ministério de Relações Institucionais, a Chefia do Gabinete Civil, e outros ministérios estratégicos como o das Relações Exteriores, o da Justiça, o da Defesa, o da Fazenda, também não seriam jogados na mesa de negociação.

O ministério do Planejamento, ocupado por Simone Tebet, também não entraria nessa barganha. Porque Tebet é um dos poucos sinais de um governo de centro democrático que Lula tanto prometeu, assim como a equipe econômica precisa de estabilidade para continuar trabalhando. Além do mais, é uma mulher. Já há um incômodo entre as mulheres porque a voracidade do Centrão mira ministérios e autarquias dirigidas por mulheres: Caixa Econômica, Saúde, Esportes, Ciência e Tecnologia.

Lula pode entregar a partidos como PP , Republicanos, ou União Brasil, ministérios que, embora tenham importância, não definem a linha governista. Pode dar um ministério que não seja tão fundamental para um partido do Centrão. Fernando Henrique fez isso em alguns momentos, deu a Justiça para Renan Calheiros, por exemplo, mas tirou de lá a negociação política. Se Lula usar o critério de dar o ministério que o presidente da Câmara Arthur Lira quiser, ou que tem um caixa grande, é ruim, mas preservar a espinha estrutural do ministério e ceder espaços em outros ministérios com importância relativa, pode ser feito.

Tenho a impressão de que Lula está pensando em fazer uma dança das cadeiras - tirar um ministro de um lugar e colocar em outro, abrindo espaço para o Centrão. Pode ser que o PSB entre nessa história. Se o vice-presidente Geraldo Alckmin sair do Ministério da Indústria e Comércio, abre vaga para um ministro do PSB como Márcio França, atual ministro dos Portos e Aeroportos, ser trocado por uma indicação do Centrão. Acho que pode acontecer esse tipo de coisa, mas certamente haverá reclamação do próprio PT, do PSB, do PC do B, que formam a base esquerdista do governo.

A ministra da Ciência, Tecnologia, e Inovação, do PC do B, está sendo cogitada para a pasta dos Direitos Humanos e Cidadania, ocupada hoje por Silvio Almeida, um filósofo e professor muito conceituado, que está no ministério sem ter o apoio de nenhum partido político, apenas pela qualidade de sua atuação pública. O cargo poderia ser ocupado por algum indicado do Centrão, mas o substituto teria que ter a qualificação e o engajamento de Almeida, o que será difícil encontrar dentro dos partidos que cobiçam o ministério. Além do mais, a pasta vive mais da retórica e da atuação do ministro atual do que da verba orçamentária. Silvio de Almeida, em caso positivo, seria indicado para um cargo do governo no exterior, onde se formou.

Certamente Lula vai ter que ter cuidado com sua base mais próxima, porque não pode abrir mão dela e não pode desfigurar seu governo. Mas ninguém vai romper por causa disso.

 

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