sábado, 29 de julho de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Lula erra ao escolher novo chefe do IBGE

O Globo

Economista apontado tem histórico de radicalismo e já chamou Pix de decisão ‘neocolonial’ do Banco Central

O ritmo de produção do IBGE é alucinado. Na média, são quatro anúncios por semana. Juntos, formam um retrato fidedigno do Brasil. São dados sobre inflação, desemprego, distribuição de renda, pobreza, mortalidade infantil, expectativa de vida ou produção na economia. O Censo, divulgado a cada dez anos, é o que exige mais recenseadores. Mas levantamentos permanentes também têm estrutura monumental. Os pesquisadores da Pnad Contínua visitam 210 mil domicílios em 3.500 municípios a cada três meses.

O anúncio nesta semana de que o economista Marcio Pochmann assumirá o comando do IBGE a pedido expresso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva coloca em risco a credibilidade desse trabalho conquistado em mais de oito décadas. Lula ainda fez a grosseria de passar por cima da ministra do Planejamento, Simone Tebet, que o apoiou no segundo turno da eleição de 2022.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Edmar Bacha, um dos economistas que participaram da elaboração do Plano Real e um dos ex-presidentes do IBGE, disse se sentir “ofendido” e resumiu a questão da seguinte maneira: “Pochmann é um ideólogo. Tem uma visão totalmente ideológica da economia. E não terá problema de colocar o IBGE a serviço dessa ideologia.” Bacha não está exagerando. Quando chefiou o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em gestões petistas passadas, Pochmann dispensou economistas renomados somente porque não pensavam como ele e enfraqueceu a avaliação técnica em concursos.

Tentar resumir as críticas ao Fla-Flu entre economistas ortodoxos e heterodoxos é um erro. Vários expoentes dos dois campos conseguem manter um debate honesto, deixando claras as críticas de lado a lado, mas alicerçando a discussão em dados indiscutíveis da realidade. Pochmann é um caso à parte. É radical até para muitos heterodoxos. Com base na sua visão de mundo, faz previsões absurdas. A sua conta numa rede social é pródiga em disparates.

Em 2020, publicou que o Pix era mais um passo do Banco Central na “via neocolonial”. “Na sequência, vem a abertura financeira escancarada com o real digital e a sua conversibilidade ao dólar. Condição perfeita ao protetorado dos EUA”, escreveu o economista, que é professor da Unicamp. Em entrevista à agência de notícias Reuters em 2021, confundiu a tecnologia do GPS com a da internet. Antes, já tinha elaborado propostas populistas ou irresponsáveis. Em 2008, propôs uma alíquota de Imposto de Renda de 60%. Um ano antes, argumentara que uma jornada de trabalho de quatro horas, por apenas três dias, era algo factível num país em desenvolvimento como o Brasil.

Seu nome foi uma escolha infeliz para a fundação Perseu Abramo, do PT, quando a presidiu, e o Instituto Lula, que ainda comanda. Mas as suas decisões em instituições desse porte têm consequências reduzidas. O IBGE está em outra categoria. As mais variadas políticas públicas — da definição da taxa de juros à elaboração de projetos de infraestrutura — dependem de dados estatísticos confiáveis. Eventuais mudanças em metodologias ou pressão por interpretações esdrúxulas terão impactos negativos imensos.

Rebelião em presídio no Acre expõe falhas do sistema carcerário do país

O Globo

Motim em unidade considerada de segurança máxima deixou cinco detentos mortos e dois feridos

Depois de 24 horas de tensão e violência, um motim no presídio Antônio Amaro Alves, em Rio Branco, no Acre, chegou ao fim na última quinta-feira deixando cinco detentos mortos e dois feridos. O roteiro da rebelião não fugiu às cenas habituais de brutalidade nesses episódios. Durante quase todo o tempo, os rebelados mantiveram como refém um guarda penitenciário, que só foi libertado após negociações árduas com representantes da Secretaria de Segurança. O único detalhe que parece não se encaixar no script é que o presídio tinha o selo de “segurança máxima”.

De acordo com informações preliminares, a rebelião foi deflagrada por 13 presos, na manhã de quarta-feira, quando policiais penais inspecionavam um dos pavilhões da unidade. Rapidamente, o motim se alastrou, inflamado pela guerra entre facções rivais. Segundo a polícia, as cinco vítimas foram mortas pelos próprios detentos. Durante o conflito, um grupo de presos tentou fugir, mas acabou contido pelas forças de segurança.

A polícia investiga como detentos de um presídio de segurança máxima podiam estar fortemente armados. Uma suspeita é que eles tenham tido acesso ao depósito da unidade. Ao fim do motim, pelo menos 15 armas — entre elas fuzis e pistolas — foram recolhidas com os presos. Uma dificuldade extra para a apuração do fato é que câmeras internas foram destruídas. Independentemente da explicação que venha a ser dada, é um escândalo que as armas tenham chegado aos amotinados.

A rebelião no presídio do Acre, que existe há 15 anos e abrigava 99 presos, expõe a vulnerabilidade do sistema carcerário brasileiro. Embora muitos sejam classificados como “de segurança máxima”, na prática ela costuma ser mínima. Não é segredo que telefones celulares, drogas e armas entram com relativa facilidade nesses locais. Num cenário de instalações dominadas por facções criminosas, e com ocupações muito acima de sua capacidade, motins, fugas e massacres são fatos esperados.

Infelizmente, os presídios brasileiros, com raras exceções, não cumprem sua função. Os presos, que deveriam ficar afastados do convívio social, continuam exercendo atividades criminosas de dentro das celas, situação inadmissível — eles controlam o comércio de drogas, ordenam execuções de rivais e comandam atos de terrorismo, como os praticados em março deste ano no Rio Grande do Norte, onde prédios públicos e ônibus foram incendiados para aterrorizar a população. Em vez de solução, os presídios viraram um problema para a segurança pública.

Está claro que o sistema que está aí precisa de conserto, como provam sucessivos episódios praticados sob a égide da barbárie. O governo federal precisa rever suas políticas carcerárias em conjunto com os estados. Se num presídio de segurança máxima presos conseguem se amotinar, ter acesso a armas de guerra e desafiar o poder público, o que esperar das outras unidades, que são maioria no Brasil?

Investigar e punir

Folha de S. Paulo

Com medidas antigolpe paradas no Congresso, novas propostas têm tom punitivista

Cesare Beccaria, o grande criminologista iluminista italiano, ensinava, já no século 18, que é a certeza da punição e não a dureza do castigo que serve de freio à criminalidade. Mas, em pleno século 21, ainda são muitos os que gostam de usar o direito penal para sinalizar virtudes e passar recados políticos.

É nessa estratégia que se enquadra a mais recente proposta do governo de endurecer punições a ações antidemocráticas, na sequência dos ataques de 8 de janeiro.

A democracia tem, por óbvio, não apenas o direito como também a obrigação de defender-se dos que tentam destruí-la. Os meios legais para isso, embora sempre comportem melhorias, já existem.

O Código Penal já prevê tanto o crime de abolição violenta do Estado democrático de Direito (artigo 359 L), com punição de 4 a 8 anos de reclusão mais a pena correspondente à violência perpetrada ou tentada, como o de deposição violenta de governo legitimamente constituído (artigo 359 M), que rende de 4 a 12 anos somados à pena pela violência utilizada.

Há ainda um sem-número de delitos nos quais aqueles que tentam dar um golpe quase que invariavelmente recaem, como homicídio, explosão e vandalismo.

Não é, portanto, por falta de previsão legal que golpistas escapam à punição. Isso até pode ocorrer, mas será porque as autoridades ou não conseguiram identificá-los ou não foram capazes de reunir provas que levem à condenação. Em ambos os casos, o problema não está na lei, mas nas investigações.

À luz dessas reflexões, soa um pouco exagerado que o governo apresente agora um segundo pacote de leis antigolpe. O primeiro, lançado logo depois das invasões de janeiro, está praticamente parado no Congresso. O tom das novas propostas é claramente punitivista.

Liderar movimentos antidemocráticos passaria a ser crime, com pena de 6 a 12 anos. Financiá-los poderia resultar em até 20 anos. Atentar contra a integridade física e a liberdade de autoridades com o fim de alterar a ordem constitucional renderia de 6 a 12 anos. Se o atentado for contra a vida, seriam de 20 a 40 anos.

Como o Ministério da Justiça ainda não apresentou os textos dos projetos de lei, mas só um resumo, não é possível fazer juízos definitivos. Preocupa, porém, a imprecisão de termos utilizados. O que é um "movimento antidemocrático"? Um grupo de estudos que tente resgatar soluções do comunismo ou do fascismo para problemas atuais entra nessa categoria?

Não se afirma que a lei não possa ser aprimorada. Mas, se o propósito é inibir o golpismo, e não emitir mensagens políticas, as autoridades deveriam se preocupar menos em legislar e mais em investigar.

Guerra contra a ciência

Folha de S. Paulo

Queda na produção científica brasileira é reflexo de negacionismo sob Bolsonaro

Demorará muito para o país traçar balanço completo dos retrocessos do governo Jair Bolsonaro (PL). Alguns setores, como a pesquisa científica, padecem por anos mesmo após cessarem investidas doidivanas contra eles —e já em 2022 tais ataques produziram queda alarmante na ciência nacional.

Levantamento da Agência Bori, que conecta jornalistas com instituições de pesquisa, e da Elsevier, editora global de publicações acadêmicas, detectou no Brasil a maior redução no número de artigos científicos, entre 51 países analisados. Assim como na Ucrânia, houve, no ano passado, recuo de 7,4% na produção de estudos.

Entraram em consideração nações que tivessem publicado ao menos 10 mil artigos em 2021, quantidade comparada então com o acervo de 2022. Os 21 países incluídos respondem por 95% da produção científica mundial.

O fato de o país resvalar para a pior colocação, ao lado de um país invadido pela Rússia, carrega simbolismo acabrunhador. Aqui, pesquisadores se viram encurralados por políticas públicas de Jair Bolsonaro (PL) —presidente que, por exemplo, colocou de joelhos o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) por irritar-se com dados sobre o desmatamento.

Pode-se alegar que o retrocesso resultou da pandemia. No entanto, a Covid flagelou o mundo todo, e nem por isso a pesquisa sofreu tanto em outros países.

Os Estados Unidos, por exemplo, também deram passo atrás na sua produção, mas de apenas 1,5%. A China, epicentro da crise sanitária, avançou 22,5%, e a Índia teve alta de 9,6% —indicando mudanças em curso no panorama internacional de excelência científica.

EUA e Brasil eram então governados por mandatários omissos diante da pandemia e despontaram como nações mais impactadas pelo vírus, respectivamente com 1,12 milhão e 700 mil mortos. Os golpes de Bolsonaro contra a ciência não se limitaram a atacar vacinas e desacreditar cientistas.

O ex-presidente cortou fundos de pesquisa e reduziu bolsas. Manietou universidades federais, onde se realiza boa parte da investigação acadêmica, instalando no MEC uma sucessão de celerados.

Dilapidou, assim, capital humano e massa crítica acumulados por décadas, que levaram o Brasil à 14ª posição mundial em produção no setor. Resultado: pela primeira vez desde 1996, o país teve queda anual em estudos publicados.

Premiando os Estados perdulários

O Estado de S. Paulo

A título de reconstruir o pacto federativo, governo flexibiliza condições do regime de recuperação fiscal dos Estados endividados e desmoraliza esforço de quem cumpriu a regra do jogo

O governo vai propor ao Congresso mudanças no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), programa para Estados em crise financeira. Até então, quem aderia ao plano obtinha alívio para pagar suas dívidas e, em troca, comprometia-se a adotar medidas que resultassem no reequilíbrio das contas públicas no médio e longo prazos.

Atualmente, Rio de Janeiro, Goiás e Rio Grande do Sul fazem parte do regime de recuperação fiscal, enquanto Minas Gerais está em processo de adesão.

Para aderir, é preciso comprovar uma situação de grave crise financeira e apresentar um plano de austeridade, que inclui privatização de estatais, suspensão de reajustes salariais e de concursos públicos, redução de benefícios e renúncias fiscais e revisão de privilégios a servidores estaduais, entre outras medidas.

Muitas dessas ações, além de impopulares, dependem de aprovação das Assembleias Legislativas, o que requer habilidade e articulação política dos governadores. Uma vez aceitos no regime, os Estados conseguem reduzir o peso das prestações de suas dívidas e repassar uma parte delas à União.

A nova proposta é parte de uma série de medidas daquilo que foi chamado de “Novo Ciclo de Cooperação Federativa”, anunciado como uma forma de reconstruir o pacto federativo, frontalmente atacado no governo anterior, de Jair Bolsonaro.

Já se sabia que os planos de recuperação fiscal necessariamente seriam revistos. Afinal, as receitas estaduais foram arruinadas quando Bolsonaro praticamente impôs o corte do ICMS sobre combustíveis ao Legislativo. O então presidente tampouco se mobilizou para impedir que o Congresso aprovasse o piso salarial dos enfermeiros sem que houvesse indicação de fontes de receita para custeá-lo.

Com receitas menores e despesas maiores, o cumprimento dos planos de recuperação fiscal, de fato, foi comprometido. Mas, a pretexto de reduzir punições severas que nunca foram efetivamente aplicadas, o governo federal optou por enfraquecer os parcos mecanismos capazes de conduzir os Estados a uma situação de maior equilíbrio fiscal.

Privatizar estatais deixará de ser uma condição obrigatória e passará a ser apenas uma de várias opções – assim como rever privilégios como o adicional por tempo de serviço, há muito extinto pela União. Estados que cumprirem suas metas terão o direito de elevar suas despesas acima da inflação, mas mesmo aqueles que descumprirem os termos do acordo terão a multa reduzida.

Tem razão o governo Lula quando torna a restauração do pacto federativo uma prioridade. Tal meta representa o respeito à Constituição, tantas vezes afrontada pela administração anterior. Mas a forma escolhida para fazê-lo, aliviando as condições de socorro dos endividados, tende a agravar ainda mais as contas dos Estados.

É, também, um desrespeito com os Estados que enfrentaram o desgaste político associado ao necessário esforço fiscal. As mudanças premiam a leniência dos gastadores e a incompetência de quem não consegue construir maioria para rever privilégios inaceitáveis do funcionalismo público – como os triênios e licenças-prêmio que vigoram até hoje em Minas Gerais. Com o novo plano, a pressão para que os governadores revertam medidas já implementadas, até então de caráter obrigatório, será inevitável.

Chama a atenção que as medidas sejam anunciadas em um momento em que o Tesouro reconheceu ter sido incapaz de recuperar, neste ano, um único centavo na execução de garantias de Estados e municípios que deram calote em empréstimos garantidos pela União. Esse “direito” tem sido assegurado a todos aqueles que recorrem ao Judiciário e obtêm decisões liminares, mesmo sem aderir às condições do regime e sem apresentar qualquer contrapartida – casos de Alagoas, Espírito Santo, Maranhão, Pernambuco e Piauí e do município de Taubaté (SP).

Em vez de enfraquecer as contrapartidas que induzam ao reequilíbrio fiscal, o governo deveria reforçá-las. De 2016 a junho deste ano, o Tesouro gastou R$ 58,607 bilhões para honrar empréstimos que não foram pagos por Estados e municípios. A conta, a partir de agora, tem tudo para aumentar ainda mais.

A urgente avaliação dos subsídios

O Estado de S. Paulo

Discussão sobre gastos tributários não é nova, e avaliar seus resultados deveria ser obrigatório. Enfrentá-los requer decisões políticas corajosas e coerentes com a realidade fiscal do País

O secretário de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas do Ministério do Planejamento, Sergio Firpo, assumiu a missão de construir uma ferramenta para destrinchar as despesas do governo. Em entrevista ao Estadão, Firpo disse que seu objetivo é enraizar a cultura de avaliação no governo federal e indicar quais políticas públicas funcionam ou não. “A gente precisa sempre repensar se estamos usando os recursos públicos da melhor forma possível”, disse.

O fato de uma declaração tão óbvia receber tamanho destaque só tem sentido quando se considera o peso dos subsídios no País. Eles atingiram a marca de R$ 581,5 bilhões no ano passado, o equivalente a 5,86% do Produto Interno Bruto (PIB), considerando benefícios tributários, financeiros e creditícios. O resultado já foi pior, alcançando 6,7% do PIB em 2015, o maior da série histórica; também já foi melhor, de 4,7% do PIB em 2018.

Não é um problema que diz respeito a uma ou outra gestão, mas que transcende governos de diferentes matizes políticos. Um dos dispositivos mais importantes da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) emergencial era o que obrigava o Executivo a elaborar um plano para reduzir as renúncias fiscais de 4% para 2% do PIB em um prazo de oito anos. O governo Bolsonaro, no entanto, não só ignorou o comando constitucional, como elevou os gastos tributários em R$ 156,2 bilhões de um ano para o outro.

Quando se chega a um nível tão elevado de gastos dessa natureza, não é por acidente. Pressões setoriais quase sempre encontram respaldo no Executivo, como se pôde ver na reedição do programa de incentivo à compra de veículos pelo governo Lula. Se os empresários não encontram ambiente favorável no Executivo, há grandes chances de ter sua demanda atendida no Congresso. Uma vez que um subsídio é criado, dificilmente ele sairá do Orçamento sem gritaria.

A lógica que o País tem adotado inverte tudo que se espera de uma boa política pública. Por ordem, é preciso ter um bom diagnóstico para identificar o problema e só então formular a política. Depois de implementá-la, é preciso avaliar se a medida produziu os resultados esperados e, eventualmente, ajustá-la ou encerrá-la. O que se costuma fazer é adotar soluções formuladas pelos próprios setores, sem prazo para acabar e sem qualquer análise sobre sua eficácia.

“Trazer os números é importante, mas trazer os números sem a avaliação das políticas públicas acaba perdendo a relevância”, afirmou Firpo, no que tem toda a razão. Sem uma avaliação periódica, todas as políticas públicas, inclusive as ineficazes, acabam por ser eternamente renovadas. “A nossa secretaria está trazendo evidências do que funciona ou do que não funciona. E talvez agora, nesse ciclo orçamentário, algum tipo de evidência possa ser utilizado”, disse.

Por coincidência, a entrevista do secretário foi publicada na mesma página da coluna da economista e advogada Elena Landau. Ela trouxe uma relevante avaliação sobre um dos maiores gastos tributários do País: a Zona Franca de Manaus (ZFM). Criada para ser um polo industrial capaz de gerar empregos e preservar a floresta, a região se tornou mera montadora de produtos fabricados em outras localidades, mas deve custar R$ 55 bilhões em renúncias fiscais neste ano – valor mais de 13 vezes superior a todo o orçamento do Ministério do Meio Ambiente e que, se distribuído aos moradores da capital manauara, chegaria a R$ 21 mil por habitante, segundo Landau.

Não é a única forma de avaliar os custos e benefícios da Zona Franca de Manaus, e pode não ser a melhor. De qualquer forma, é tarde para fazer qualquer análise sobre a pertinência da ZFM – não só porque a reforma tributária não resvala nesses benefícios, mas porque os incentivos da região foram renovados até 2073.

A discussão sobre o peso dos subsídios não é nova, e os números são mais do que conhecidos. Não basta sabê-los. Avaliar sua pertinência e seus resultados deveria ser obrigatório, mas tampouco é suficiente. Enfrentá-los requer decisões políticas corajosas e coerentes com a realidade fiscal do País.

Xadrez ambiental no Cerrado

O Estado de S. Paulo

Governo quer conter a devastação na principal fronteira agrícola do País

O governo Lula da Silva prepara para setembro o anúncio de sua política de combate ao desmatamento no Cerrado, o segundo maior bioma e principal fronteira agrícola do País. A iniciativa é louvável e, a rigor, vem com longo atraso. A área devastada dessa savana brasileira avançou 21,2% no primeiro semestre deste ano, em comparação com igual período de 2022, enquanto a derrubada na Amazônia Legal recuou em 33,6%. Faz-se necessário, entretanto, cuidado adicional para deter as retroescavadeiras que, no Cerrado, quase sempre são ativadas com autorização dos Estados.

Não menos importante do que a Amazônia, o bioma Cerrado já perdeu mais de 50% de sua cobertura vegetal, segundo o Inpe. De sua preservação depende a oferta de água a todas as regiões do País, inclusive a amazônica, e aos vizinhos do Cone Sul. Na savana sul-americana nascem 8 das 12 principais bacias hidrográficas do País, e dela alimenta-se o Aquífero Guarani. Sem Cerrado em pé não há água.

O desmatamento desse bioma seguiu lógica distinta da verificada na Amazônia Legal, onde a derrubada tem sido movida por atividades econômicas ilegais e pelo descumprimento de regras do Código Florestal e de legislações anteriores. Na savana brasileira, ao contrário, a substituição da vegetação original pela cultura agropecuária foi chancelada por sucessivos governos desde os anos 1960. A expansão dessa fronteira agrícola e as pesquisas da Embrapa resultaram em sucessivos recordes das safras de grãos. As áreas desmatadas geraram, nesse caso, tecnologia, riqueza, impostos e saldos comerciais.

É certo que a pesquisa tecnológica permitiu o aumento da produtividade no Cerrado sem a ampliação das áreas de cultivo. Essa opção prevaleceu entre empresas rurais cientes da relevância do bioma para sua sobrevivência e prosperidade e também entre as que apenas temem a perda de mercados por razões ambientais. Mas há segmentos agropecuários ainda resistentes.

A versão atualizada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Cerrado (PPCerrado) deverá superar parte da negligência acumulada há anos. A integração das bases de dados dos Estados sobre desmatamento autorizado e a dimensão de áreas devastadas com o uso de imagens de satélites permitirão a punição das derrubadas ilegais. Condições mais favoráveis de financiamento da safra 2023-2024 a produtores sem pendências no Cadastro Ambiental Rural (CAR), já anunciadas pelo governo, deverão contribuir.

A ala técnica mais radical do Ministério do Meio Ambiente mostra-se moderada na discussão do PPCerrado. Até o momento, a pasta de Marina Silva não propôs mudanças no Código Florestal (Lei 12.651/2012), para baixar de 35% a 20% a área nativa de propriedades rurais do Cerrado passível ao desmatamento. A medida certamente traria efeitos imediatos. O ativismo, entretanto, parece centrado na proibição da exploração de petróleo na Margem Equatorial. E cauteloso diante da indisposição do Planalto em comprar briga com a bancada ruralista.

Abandono de idosos aumenta 855%

Correio Braziliense

Mais de 65 mil denúncias foram feitas pelo Disque 100, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. Depois do abandono, o que mais aumentou foram as agressões físicas: 106% em relação a 2022

A violência contra os idosos teve um aumento de 38% nos primeiros cinco meses deste ano, na comparação com igual período de 2022. Mais de 65 mil denúncias foram registradas pelo Disque 100, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. Entre as várias formas de maus-tratos, a que mais cresceu foi o abandono — 855%. De janeiro a maio último, foram 19.987 casos, contra 2.092, no mesmo intervalo de tempo no ano passado. O número de casos de agressão física passou de 62.758, em 2022, para 129.501 neste ano, ou seja, 106% a mais; e a financeira ou material, alta de 73% (passou de 8.816, no ano passado, para 15.211 em 2023).

Ao lado das violências físicas e patrimoniais, os idosos ainda são vítimas de torturas psicológicas, que cresceu 40% nos primeiros cinco meses do ano, totalizando 129.501 casos. O aumento de casos, principalmente de abandonos, sugere que a cada período há um avanço descomunal da desumanidade sobre a sociedade. O tradicional respeito aos mais velhos está deixando de existir nas famílias responsáveis pelos cuidados com aqueles com 60 anos ou mais. O reconhecimento da importância dos pais, dos avós e tios na vida dos seus descendentes era parte da educação familiar. Ainda que houvesse discordância em relação a ideias e comportamentos, era proibido ser agressivo nas respostas e nas atitudes com idosos.

As políticas públicas voltadas aos idosos também são falhas. O Estatuto do Idoso (Lei nº 10741/2003), vigente desde 2004, é considerado um importante avanço na defesa dos direitos e interesses desse segmento da sociedade. Entre os principais direitos estão o atendimento preferencial, acompanhante em hospitais, medicamentos e transporte público gratuitos, isenção de pagamento de IPTU, pensão alimentícia e celeridade na tramitação de processos judiciais. Mas esses e outros benefícios se mostram insuficientes, quando as infrações penais contra os idosos ocorre onde convivem com familiares.

Faltam ações que resgatem os idosos desse ambiente hostil, garantindo-lhes o direito a ter qualidade de vida, em ambiente não violento e com os cuidados necessários exigidos pela idade. Em audiência na Câmara dos Deputados, em maio último, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, afirmou que o Brasil precisa construir uma política nacional da pessoa idosa, tomando como base a Convenção Interamericana sobre Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos. O Projeto de Decreto da Câmara (PDC) 863, espera ser votado desde 2017.

Ainda para o ministro, uma política de direitos humanos destinada aos idosos deve contemplar comunicação, educação, proteção e cidadania. Segundo Silvio Almeida, essas quatro dimensões permitirão assegurar humanidade aos idosos, por apontar para uma perspectiva de futuro. Mas enquanto a nova política não é implementada, faz-se indispensável garantir segurança e cuidados aos idosos para que possam caminhar à finitude da vida com dignidade e atenção. Inconcebível que a violência e a fúria, que hoje afetam e matam mulheres e crianças, componham o mesmo cenário de sofrimento dos idosos.

 

 

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Não sabia que idoso não precisa pagar IPTU,minha mãe paga há muitos anos,religiosamente.