Lula erra ao escolher novo chefe do IBGE
O Globo
Economista apontado tem histórico de
radicalismo e já chamou Pix de decisão ‘neocolonial’ do Banco Central
O ritmo de produção do IBGE é
alucinado. Na média, são quatro anúncios por semana. Juntos, formam um retrato
fidedigno do Brasil. São dados sobre inflação, desemprego, distribuição de
renda, pobreza, mortalidade infantil, expectativa de vida ou produção na
economia. O Censo, divulgado a cada dez anos, é o que exige mais recenseadores.
Mas levantamentos permanentes também têm estrutura monumental. Os pesquisadores
da Pnad Contínua visitam 210 mil domicílios em 3.500 municípios a cada três
meses.
O anúncio nesta semana de que o economista Marcio Pochmann assumirá o comando do IBGE a pedido expresso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva coloca em risco a credibilidade desse trabalho conquistado em mais de oito décadas. Lula ainda fez a grosseria de passar por cima da ministra do Planejamento, Simone Tebet, que o apoiou no segundo turno da eleição de 2022.
Em entrevista ao jornal O Estado de S.
Paulo, Edmar Bacha, um dos economistas que participaram da elaboração do Plano
Real e um dos ex-presidentes do IBGE, disse se sentir “ofendido” e resumiu a
questão da seguinte maneira: “Pochmann é um ideólogo. Tem uma visão totalmente
ideológica da economia. E não terá problema de colocar o IBGE a serviço dessa
ideologia.” Bacha não está exagerando. Quando chefiou o Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) em gestões petistas passadas, Pochmann dispensou economistas
renomados somente porque não pensavam como ele e enfraqueceu a avaliação
técnica em concursos.
Tentar resumir as críticas ao Fla-Flu entre
economistas ortodoxos e heterodoxos é um erro. Vários expoentes dos dois campos
conseguem manter um debate honesto, deixando claras as críticas de lado a lado,
mas alicerçando a discussão em dados indiscutíveis da realidade. Pochmann é um
caso à parte. É radical até para muitos heterodoxos. Com base na sua visão de
mundo, faz previsões absurdas. A sua conta numa rede social é pródiga em
disparates.
Em 2020, publicou que o Pix era mais um
passo do Banco Central na “via neocolonial”. “Na sequência, vem a abertura
financeira escancarada com o real digital e a sua conversibilidade ao dólar.
Condição perfeita ao protetorado dos EUA”, escreveu o economista, que é
professor da Unicamp. Em entrevista à agência de notícias Reuters em 2021,
confundiu a tecnologia do GPS com a da internet. Antes, já tinha elaborado
propostas populistas ou irresponsáveis. Em 2008, propôs uma alíquota de Imposto
de Renda de 60%. Um ano antes, argumentara que uma jornada de trabalho de
quatro horas, por apenas três dias, era algo factível num país em
desenvolvimento como o Brasil.
Seu nome foi uma escolha infeliz para a
fundação Perseu Abramo, do PT, quando a presidiu, e o Instituto Lula, que ainda
comanda. Mas as suas decisões em instituições desse porte têm consequências
reduzidas. O IBGE está em outra categoria. As mais variadas políticas públicas
— da definição da taxa de juros à elaboração de projetos de infraestrutura —
dependem de dados estatísticos confiáveis. Eventuais mudanças em metodologias
ou pressão por interpretações esdrúxulas terão impactos negativos imensos.
Rebelião em presídio no Acre expõe falhas
do sistema carcerário do país
O Globo
Motim em unidade considerada de segurança
máxima deixou cinco detentos mortos e dois feridos
Depois de 24 horas de tensão e violência,
um motim no presídio Antônio Amaro Alves, em Rio Branco, no Acre, chegou ao fim na
última quinta-feira deixando cinco detentos mortos e dois feridos. O roteiro da
rebelião não fugiu às cenas habituais de brutalidade nesses episódios. Durante
quase todo o tempo, os rebelados mantiveram como refém um guarda penitenciário,
que só foi libertado após negociações árduas com representantes da Secretaria
de Segurança. O único detalhe que parece não se encaixar no script é que o
presídio tinha o selo de “segurança máxima”.
De acordo com informações preliminares, a
rebelião foi deflagrada por 13 presos, na manhã de quarta-feira, quando
policiais penais inspecionavam um dos pavilhões da unidade. Rapidamente, o
motim se alastrou, inflamado pela guerra entre facções rivais. Segundo a
polícia, as cinco vítimas foram mortas pelos próprios detentos. Durante o
conflito, um grupo de presos tentou fugir, mas acabou contido pelas forças de
segurança.
A polícia investiga como detentos de um
presídio de segurança máxima podiam estar fortemente armados. Uma suspeita é
que eles tenham tido acesso ao depósito da unidade. Ao fim do motim, pelo menos
15 armas — entre elas fuzis e pistolas — foram recolhidas com os presos. Uma
dificuldade extra para a apuração do fato é que câmeras internas foram
destruídas. Independentemente da explicação que venha a ser dada, é um
escândalo que as armas tenham chegado aos amotinados.
A rebelião no presídio do Acre, que existe
há 15 anos e abrigava 99 presos, expõe a vulnerabilidade do sistema carcerário
brasileiro. Embora muitos sejam classificados como “de segurança máxima”, na
prática ela costuma ser mínima. Não é segredo que telefones celulares, drogas e
armas entram com relativa facilidade nesses locais. Num cenário de instalações
dominadas por facções criminosas, e com ocupações muito acima de sua
capacidade, motins, fugas e massacres são fatos esperados.
Infelizmente, os presídios brasileiros, com
raras exceções, não cumprem sua função. Os presos, que deveriam ficar afastados
do convívio social, continuam exercendo atividades criminosas de dentro das
celas, situação inadmissível — eles controlam o comércio de drogas, ordenam
execuções de rivais e comandam atos de terrorismo, como os praticados em março
deste ano no Rio Grande do Norte, onde prédios públicos e ônibus foram
incendiados para aterrorizar a população. Em vez de solução, os presídios
viraram um problema para a segurança pública.
Está claro que o sistema que está aí
precisa de conserto, como provam sucessivos episódios praticados sob a égide da
barbárie. O governo federal precisa rever suas políticas carcerárias em
conjunto com os estados. Se num presídio de segurança máxima presos conseguem
se amotinar, ter acesso a armas de guerra e desafiar o poder público, o que
esperar das outras unidades, que são maioria no Brasil?
Investigar e punir
Folha de S. Paulo
Com medidas antigolpe paradas no Congresso,
novas propostas têm tom punitivista
Cesare Beccaria, o grande criminologista
iluminista italiano, ensinava, já no século 18, que é a certeza da punição e
não a dureza do castigo que serve de freio à criminalidade. Mas, em pleno
século 21, ainda são muitos os que gostam de usar o direito penal para
sinalizar virtudes e passar recados políticos.
É nessa estratégia que se enquadra a mais
recente proposta do governo de endurecer punições a ações antidemocráticas, na
sequência dos ataques de 8 de janeiro.
A democracia tem, por óbvio, não apenas o
direito como também a obrigação de defender-se dos que tentam destruí-la. Os
meios legais para isso, embora sempre comportem melhorias, já existem.
O Código Penal já prevê tanto o crime de
abolição violenta do Estado democrático de Direito (artigo 359 L), com punição
de 4 a 8 anos de reclusão mais a pena correspondente à violência perpetrada ou
tentada, como o de deposição violenta de governo legitimamente constituído
(artigo 359 M), que rende de 4 a 12 anos somados à pena pela violência
utilizada.
Há ainda um sem-número de delitos nos quais
aqueles que tentam dar um golpe quase que invariavelmente recaem, como
homicídio, explosão e vandalismo.
Não é, portanto, por falta de previsão
legal que golpistas escapam à punição. Isso até pode ocorrer, mas será porque
as autoridades ou não conseguiram identificá-los ou não foram capazes de reunir
provas que levem à condenação. Em ambos os casos, o problema não está na lei,
mas nas investigações.
À luz dessas reflexões, soa um pouco
exagerado que o governo apresente agora um segundo pacote de leis antigolpe. O
primeiro, lançado logo depois das invasões de janeiro, está praticamente parado
no Congresso. O tom das
novas propostas é claramente punitivista.
Liderar movimentos antidemocráticos
passaria a ser crime, com pena de 6 a 12 anos. Financiá-los poderia resultar em
até 20 anos. Atentar contra a integridade física e a liberdade de autoridades
com o fim de alterar a ordem constitucional renderia de 6 a 12 anos. Se o atentado
for contra a vida, seriam de 20 a 40 anos.
Como o Ministério da Justiça ainda não
apresentou os textos dos projetos de lei, mas só um resumo, não é possível
fazer juízos definitivos. Preocupa, porém, a imprecisão de termos utilizados. O
que é um "movimento antidemocrático"? Um grupo de estudos que tente
resgatar soluções do comunismo ou do fascismo para problemas atuais entra nessa
categoria?
Não se afirma que a lei não possa ser
aprimorada. Mas, se o propósito é inibir o golpismo, e não emitir mensagens
políticas, as autoridades deveriam se preocupar menos em legislar e mais em
investigar.
Guerra contra a ciência
Folha de S. Paulo
Queda na produção científica brasileira é
reflexo de negacionismo sob Bolsonaro
Demorará muito para o país traçar balanço
completo dos retrocessos do governo Jair Bolsonaro (PL). Alguns setores, como a
pesquisa científica, padecem por anos mesmo após cessarem investidas doidivanas
contra eles —e já em 2022 tais ataques produziram queda alarmante na ciência
nacional.
Levantamento da Agência Bori, que conecta
jornalistas com instituições de pesquisa, e da Elsevier, editora global de
publicações acadêmicas, detectou no Brasil a maior
redução no número de artigos científicos, entre 51 países analisados.
Assim como na Ucrânia, houve, no ano passado, recuo de 7,4% na produção de
estudos.
Entraram em consideração nações que
tivessem publicado ao menos 10 mil artigos em 2021, quantidade comparada então
com o acervo de 2022. Os 21 países incluídos respondem por 95% da produção
científica mundial.
O fato de o país resvalar para a pior
colocação, ao lado de um país invadido pela Rússia, carrega simbolismo
acabrunhador. Aqui, pesquisadores se viram encurralados por políticas públicas
de Jair Bolsonaro (PL) —presidente que, por exemplo, colocou de joelhos o
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) por irritar-se com dados sobre
o desmatamento.
Pode-se alegar que o retrocesso resultou da
pandemia. No entanto, a Covid flagelou o mundo todo, e nem por isso a pesquisa
sofreu tanto em outros países.
Os Estados Unidos, por exemplo, também
deram passo atrás na sua produção, mas de apenas 1,5%. A China, epicentro da
crise sanitária, avançou 22,5%, e a Índia teve alta de 9,6% —indicando mudanças
em curso no panorama internacional de excelência científica.
EUA e Brasil eram então governados por
mandatários omissos diante da pandemia e despontaram como nações mais
impactadas pelo vírus, respectivamente com 1,12 milhão e 700 mil mortos. Os
golpes de Bolsonaro contra a ciência não se limitaram a atacar vacinas e
desacreditar cientistas.
O
ex-presidente cortou fundos de pesquisa e reduziu bolsas. Manietou
universidades federais, onde se realiza boa parte da investigação acadêmica,
instalando no MEC uma sucessão de celerados.
Dilapidou, assim, capital humano e massa crítica acumulados por décadas, que levaram o Brasil à 14ª posição mundial em produção no setor. Resultado: pela primeira vez desde 1996, o país teve queda anual em estudos publicados.
Premiando os Estados perdulários
O Estado de S. Paulo
A título de reconstruir o pacto federativo,
governo flexibiliza condições do regime de recuperação fiscal dos Estados
endividados e desmoraliza esforço de quem cumpriu a regra do jogo
O governo vai propor ao Congresso mudanças
no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), programa para Estados em crise
financeira. Até então, quem aderia ao plano obtinha alívio para pagar suas
dívidas e, em troca, comprometia-se a adotar medidas que resultassem no
reequilíbrio das contas públicas no médio e longo prazos.
Atualmente, Rio de Janeiro, Goiás e Rio
Grande do Sul fazem parte do regime de recuperação fiscal, enquanto Minas
Gerais está em processo de adesão.
Para aderir, é preciso comprovar uma
situação de grave crise financeira e apresentar um plano de austeridade, que
inclui privatização de estatais, suspensão de reajustes salariais e de
concursos públicos, redução de benefícios e renúncias fiscais e revisão de
privilégios a servidores estaduais, entre outras medidas.
Muitas dessas ações, além de impopulares,
dependem de aprovação das Assembleias Legislativas, o que requer habilidade e
articulação política dos governadores. Uma vez aceitos no regime, os Estados
conseguem reduzir o peso das prestações de suas dívidas e repassar uma parte
delas à União.
A nova proposta é parte de uma série de
medidas daquilo que foi chamado de “Novo Ciclo de Cooperação Federativa”,
anunciado como uma forma de reconstruir o pacto federativo, frontalmente
atacado no governo anterior, de Jair Bolsonaro.
Já se sabia que os planos de recuperação
fiscal necessariamente seriam revistos. Afinal, as receitas estaduais foram
arruinadas quando Bolsonaro praticamente impôs o corte do ICMS sobre
combustíveis ao Legislativo. O então presidente tampouco se mobilizou para
impedir que o Congresso aprovasse o piso salarial dos enfermeiros sem que
houvesse indicação de fontes de receita para custeá-lo.
Com receitas menores e despesas maiores, o
cumprimento dos planos de recuperação fiscal, de fato, foi comprometido. Mas, a
pretexto de reduzir punições severas que nunca foram efetivamente aplicadas, o
governo federal optou por enfraquecer os parcos mecanismos capazes de conduzir
os Estados a uma situação de maior equilíbrio fiscal.
Privatizar estatais deixará de ser uma
condição obrigatória e passará a ser apenas uma de várias opções – assim como
rever privilégios como o adicional por tempo de serviço, há muito extinto pela
União. Estados que cumprirem suas metas terão o direito de elevar suas despesas
acima da inflação, mas mesmo aqueles que descumprirem os termos do acordo terão
a multa reduzida.
Tem razão o governo Lula quando torna a
restauração do pacto federativo uma prioridade. Tal meta representa o respeito
à Constituição, tantas vezes afrontada pela administração anterior. Mas a forma
escolhida para fazê-lo, aliviando as condições de socorro dos endividados,
tende a agravar ainda mais as contas dos Estados.
É, também, um desrespeito com os Estados
que enfrentaram o desgaste político associado ao necessário esforço fiscal. As
mudanças premiam a leniência dos gastadores e a incompetência de quem não
consegue construir maioria para rever privilégios inaceitáveis do funcionalismo
público – como os triênios e licenças-prêmio que vigoram até hoje em Minas
Gerais. Com o novo plano, a pressão para que os governadores revertam medidas
já implementadas, até então de caráter obrigatório, será inevitável.
Chama a atenção que as medidas sejam
anunciadas em um momento em que o Tesouro reconheceu ter sido incapaz de
recuperar, neste ano, um único centavo na execução de garantias de Estados e
municípios que deram calote em empréstimos garantidos pela União. Esse
“direito” tem sido assegurado a todos aqueles que recorrem ao Judiciário e
obtêm decisões liminares, mesmo sem aderir às condições do regime e sem apresentar
qualquer contrapartida – casos de Alagoas, Espírito Santo, Maranhão, Pernambuco
e Piauí e do município de Taubaté (SP).
Em vez de enfraquecer as contrapartidas que
induzam ao reequilíbrio fiscal, o governo deveria reforçá-las. De 2016 a junho
deste ano, o Tesouro gastou R$ 58,607 bilhões para honrar empréstimos que não
foram pagos por Estados e municípios. A conta, a partir de agora, tem tudo para
aumentar ainda mais.
A urgente avaliação dos subsídios
O Estado de S. Paulo
Discussão sobre gastos tributários não é
nova, e avaliar seus resultados deveria ser obrigatório. Enfrentá-los requer
decisões políticas corajosas e coerentes com a realidade fiscal do País
O secretário de Monitoramento e Avaliação
de Políticas Públicas do Ministério do Planejamento, Sergio Firpo, assumiu a
missão de construir uma ferramenta para destrinchar as despesas do governo. Em
entrevista ao Estadão, Firpo disse que seu objetivo é enraizar a cultura de
avaliação no governo federal e indicar quais políticas públicas funcionam ou
não. “A gente precisa sempre repensar se estamos usando os recursos públicos da
melhor forma possível”, disse.
O fato de uma declaração tão óbvia receber
tamanho destaque só tem sentido quando se considera o peso dos subsídios no
País. Eles atingiram a marca de R$ 581,5 bilhões no ano passado, o equivalente
a 5,86% do Produto Interno Bruto (PIB), considerando benefícios tributários,
financeiros e creditícios. O resultado já foi pior, alcançando 6,7% do PIB em
2015, o maior da série histórica; também já foi melhor, de 4,7% do PIB em 2018.
Não é um problema que diz respeito a uma ou
outra gestão, mas que transcende governos de diferentes matizes políticos. Um
dos dispositivos mais importantes da Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
emergencial era o que obrigava o Executivo a elaborar um plano para reduzir as
renúncias fiscais de 4% para 2% do PIB em um prazo de oito anos. O governo
Bolsonaro, no entanto, não só ignorou o comando constitucional, como elevou os
gastos tributários em R$ 156,2 bilhões de um ano para o outro.
Quando se chega a um nível tão elevado de
gastos dessa natureza, não é por acidente. Pressões setoriais quase sempre
encontram respaldo no Executivo, como se pôde ver na reedição do programa de
incentivo à compra de veículos pelo governo Lula. Se os empresários não
encontram ambiente favorável no Executivo, há grandes chances de ter sua
demanda atendida no Congresso. Uma vez que um subsídio é criado, dificilmente
ele sairá do Orçamento sem gritaria.
A lógica que o País tem adotado inverte
tudo que se espera de uma boa política pública. Por ordem, é preciso ter um bom
diagnóstico para identificar o problema e só então formular a política. Depois
de implementá-la, é preciso avaliar se a medida produziu os resultados esperados
e, eventualmente, ajustá-la ou encerrá-la. O que se costuma fazer é adotar
soluções formuladas pelos próprios setores, sem prazo para acabar e sem
qualquer análise sobre sua eficácia.
“Trazer os números é importante, mas trazer
os números sem a avaliação das políticas públicas acaba perdendo a relevância”,
afirmou Firpo, no que tem toda a razão. Sem uma avaliação periódica, todas as
políticas públicas, inclusive as ineficazes, acabam por ser eternamente
renovadas. “A nossa secretaria está trazendo evidências do que funciona ou do
que não funciona. E talvez agora, nesse ciclo orçamentário, algum tipo de
evidência possa ser utilizado”, disse.
Por coincidência, a entrevista do
secretário foi publicada na mesma página da coluna da economista e advogada
Elena Landau. Ela trouxe uma relevante avaliação sobre um dos maiores gastos
tributários do País: a Zona Franca de Manaus (ZFM). Criada para ser um polo
industrial capaz de gerar empregos e preservar a floresta, a região se tornou
mera montadora de produtos fabricados em outras localidades, mas deve custar R$
55 bilhões em renúncias fiscais neste ano – valor mais de 13 vezes superior a
todo o orçamento do Ministério do Meio Ambiente e que, se distribuído aos
moradores da capital manauara, chegaria a R$ 21 mil por habitante, segundo
Landau.
Não é a única forma de avaliar os custos e
benefícios da Zona Franca de Manaus, e pode não ser a melhor. De qualquer
forma, é tarde para fazer qualquer análise sobre a pertinência da ZFM – não só
porque a reforma tributária não resvala nesses benefícios, mas porque os
incentivos da região foram renovados até 2073.
A discussão sobre o peso dos subsídios não
é nova, e os números são mais do que conhecidos. Não basta sabê-los. Avaliar
sua pertinência e seus resultados deveria ser obrigatório, mas tampouco é suficiente.
Enfrentá-los requer decisões políticas corajosas e coerentes com a realidade
fiscal do País.
Xadrez ambiental no Cerrado
O Estado de S. Paulo
Governo quer conter a devastação na principal fronteira agrícola do País
O governo Lula da Silva prepara para
setembro o anúncio de sua política de combate ao desmatamento no Cerrado, o
segundo maior bioma e principal fronteira agrícola do País. A iniciativa é
louvável e, a rigor, vem com longo atraso. A área devastada dessa savana
brasileira avançou 21,2% no primeiro semestre deste ano, em comparação com
igual período de 2022, enquanto a derrubada na Amazônia Legal recuou em 33,6%.
Faz-se necessário, entretanto, cuidado adicional para deter as
retroescavadeiras que, no Cerrado, quase sempre são ativadas com autorização
dos Estados.
Não menos importante do que a Amazônia, o
bioma Cerrado já perdeu mais de 50% de sua cobertura vegetal, segundo o Inpe.
De sua preservação depende a oferta de água a todas as regiões do País,
inclusive a amazônica, e aos vizinhos do Cone Sul. Na savana sul-americana
nascem 8 das 12 principais bacias hidrográficas do País, e dela alimenta-se o
Aquífero Guarani. Sem Cerrado em pé não há água.
O desmatamento desse bioma seguiu lógica
distinta da verificada na Amazônia Legal, onde a derrubada tem sido movida por
atividades econômicas ilegais e pelo descumprimento de regras do Código
Florestal e de legislações anteriores. Na savana brasileira, ao contrário, a substituição
da vegetação original pela cultura agropecuária foi chancelada por sucessivos
governos desde os anos 1960. A expansão dessa fronteira agrícola e as pesquisas
da Embrapa resultaram em sucessivos recordes das safras de grãos. As áreas
desmatadas geraram, nesse caso, tecnologia, riqueza, impostos e saldos
comerciais.
É certo que a pesquisa tecnológica permitiu
o aumento da produtividade no Cerrado sem a ampliação das áreas de cultivo.
Essa opção prevaleceu entre empresas rurais cientes da relevância do bioma para
sua sobrevivência e prosperidade e também entre as que apenas temem a perda de
mercados por razões ambientais. Mas há segmentos agropecuários ainda
resistentes.
A versão atualizada do Plano de Ação para
Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Cerrado (PPCerrado)
deverá superar parte da negligência acumulada há anos. A integração das bases
de dados dos Estados sobre desmatamento autorizado e a dimensão de áreas
devastadas com o uso de imagens de satélites permitirão a punição das
derrubadas ilegais. Condições mais favoráveis de financiamento da safra
2023-2024 a produtores sem pendências no Cadastro Ambiental Rural (CAR), já
anunciadas pelo governo, deverão contribuir.
A ala técnica mais radical do Ministério do Meio Ambiente mostra-se moderada na discussão do PPCerrado. Até o momento, a pasta de Marina Silva não propôs mudanças no Código Florestal (Lei 12.651/2012), para baixar de 35% a 20% a área nativa de propriedades rurais do Cerrado passível ao desmatamento. A medida certamente traria efeitos imediatos. O ativismo, entretanto, parece centrado na proibição da exploração de petróleo na Margem Equatorial. E cauteloso diante da indisposição do Planalto em comprar briga com a bancada ruralista.
Abandono de idosos aumenta 855%
Correio Braziliense
Mais de 65 mil denúncias foram feitas pelo
Disque 100, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. Depois do abandono,
o que mais aumentou foram as agressões físicas: 106% em relação a 2022
A violência contra os idosos teve um
aumento de 38% nos primeiros cinco meses deste ano, na comparação com igual período
de 2022. Mais de 65 mil denúncias foram registradas pelo Disque 100, do
Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. Entre as várias formas de
maus-tratos, a que mais cresceu foi o abandono — 855%. De janeiro a maio
último, foram 19.987 casos, contra 2.092, no mesmo intervalo de tempo no ano
passado. O número de casos de agressão física passou de 62.758, em 2022, para
129.501 neste ano, ou seja, 106% a mais; e a financeira ou material, alta de
73% (passou de 8.816, no ano passado, para 15.211 em 2023).
Ao lado das violências físicas e
patrimoniais, os idosos ainda são vítimas de torturas psicológicas, que cresceu
40% nos primeiros cinco meses do ano, totalizando 129.501 casos. O aumento de
casos, principalmente de abandonos, sugere que a cada período há um avanço
descomunal da desumanidade sobre a sociedade. O tradicional respeito aos mais
velhos está deixando de existir nas famílias responsáveis pelos cuidados com
aqueles com 60 anos ou mais. O reconhecimento da importância dos pais, dos avós
e tios na vida dos seus descendentes era parte da educação familiar. Ainda que
houvesse discordância em relação a ideias e comportamentos, era proibido ser
agressivo nas respostas e nas atitudes com idosos.
As políticas públicas voltadas aos idosos
também são falhas. O Estatuto do Idoso (Lei nº 10741/2003), vigente desde 2004,
é considerado um importante avanço na defesa dos direitos e interesses desse
segmento da sociedade. Entre os principais direitos estão o atendimento
preferencial, acompanhante em hospitais, medicamentos e transporte público
gratuitos, isenção de pagamento de IPTU, pensão alimentícia e celeridade na
tramitação de processos judiciais. Mas esses e outros benefícios se mostram
insuficientes, quando as infrações penais contra os idosos ocorre onde convivem
com familiares.
Faltam ações que resgatem os idosos desse
ambiente hostil, garantindo-lhes o direito a ter qualidade de vida, em ambiente
não violento e com os cuidados necessários exigidos pela idade. Em audiência na
Câmara dos Deputados, em maio último, o ministro dos Direitos Humanos e da
Cidadania, Silvio Almeida, afirmou que o Brasil precisa construir uma política
nacional da pessoa idosa, tomando como base a Convenção Interamericana sobre
Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos. O Projeto de Decreto da Câmara (PDC)
863, espera ser votado desde 2017.
Ainda para o ministro, uma política de direitos humanos destinada aos idosos deve contemplar comunicação, educação, proteção e cidadania. Segundo Silvio Almeida, essas quatro dimensões permitirão assegurar humanidade aos idosos, por apontar para uma perspectiva de futuro. Mas enquanto a nova política não é implementada, faz-se indispensável garantir segurança e cuidados aos idosos para que possam caminhar à finitude da vida com dignidade e atenção. Inconcebível que a violência e a fúria, que hoje afetam e matam mulheres e crianças, componham o mesmo cenário de sofrimento dos idosos.
Um comentário:
Não sabia que idoso não precisa pagar IPTU,minha mãe paga há muitos anos,religiosamente.
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