Valor Econômico
Normalização das cadeias produtivas e
atuação dos bancos centrais no exterior são alguns dos fatores que têm ajudado
inflação a baixar sem derrubar o PIB
O presidente do Banco Central, Roberto
Campos Neto, vem dizendo nos últimos dias que a instituição conseguiu o pouso
suave da economia - ou seja, baixar a inflação, que estava muito alta, com um
mínimo prejuízo em termos de perda do Produto Interno Bruto (PIB). Talvez seja
ainda muito cedo para comemorar, mas, se de fato isso acontecer, será algo
inédito na história do regime de metas para a inflação.
Campos Neto apresentou um gráfico, em depoimento no Senado na última quinta-feira, que mostra que a inflação ao consumidor caiu 8,7 pontos percentuais (pp.) entre junho de 2022 e junho de 2023, enquanto que a variação do PIB teve um incremento de 0,3 ponto entre junho de 2022 e de 2023. Outros países emergentes tiveram, em média, uma queda 1,9 ponto na inflação e de 4,4 pontos no PIB. Um caso extremo, citado por Campos Neto, é o Chile, onde uma pesquisa de expectativas dos especialistas do setor privado aponta uma contração de 0,5% do PIB neste ano.
A história deste ciclo desinflacionário, no
Brasil, não está completa, por isso talvez seja arriscado escrevê-la. A batalha
contra a inflação não está ganha. O índice de preços segue rodando muito alto,
acima dos objetivos do Banco Central, sobretudo os núcleos e os preços de
serviços. Por mais que os juros tenham começado a cair, eles seguem altos, e a
indicação do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC é que a meta da taxa
Selic siga restritiva até fins de 2024. Esse aperto ainda está atuando sobre a
economia.
Quem olha a foto pode se enganar, como na
frase do ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, que citava o sujeito que estava
caindo do prédio e, ao passar pelo oitavo andar, dizia que estava tudo bem. O
atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anda preocupado que, devido ao
aperto monetário, a economia caia mais do que o previsto, prejudicando a
atividade econômica, a arrecadação de tributos e o cumprimento das metas
fiscais.
Mas, a julgar pelo cenário traçado pelos
economistas do setor privado, a economia deverá passar por uma espécie de pouso
suave. A estimativa, coletada no boletim Focus do BC é uma expansão do PIB de
2,26% neste ano, que cairia a 1,3% no ano que vem para, dali em diante,
acelerar um pouco e entrar numa velocidade de cruzeiro, próxima de 2%.
Se, de fato, as coisas acontecerem assim, a
economia terá feito um pouso suave, ao mesmo tempo em que a inflação, que
chegou a superar 10%, convergiria para muito próximo da meta, de 3% - embora,
deve-se reconhecer, o mercado esteja cético de que o objetivo será cumprido à
risca no próximo ano e seguintes.
Desde que regime de metas de inflação foi
adotado no Brasil, em 1999, ocorreram dois outros surtos inflacionários
semelhantes, um no início do governo Lula e outro no governo Dilma. Em ambos,
foi preciso pagar o preço de uma recessão, mais breve no primeiro episódio e
mais profunda no segundo. Por que seria possível baixar a inflação agora sem
nenhuma dor?
A política monetária tem os seus méritos na
atual cruzada contra inflação, mas não deveria ficar com todos os louros. No
período destacado por Campos Neto, por exemplo, há três meses com índice de
inflação negativo, graças à redução artificial de impostos feita pelo
ex-presidente Jair Bolsonaro para baixar o preço dos combustíveis nas eleições.
A economia caiu menos do que o previsto,
durante esse período, porque a política fiscal foi e continua expansionista. Se
atuasse no vácuo, os juros poderiam ter provocado uma recessão. A reabertura da
economia após a pandemia deu impulso maior do que o esperado na atividade, e o
setor agrícola ajudou a sustentar o PIB no primeiro trimestre.
A inflação caiu mais recentemente, também,
graças à normalização nas cadeias produtivas após a pandemia, que reduziu os
preços de bens industriais. A atuação dos bancos centrais no exterior, subindo
os juros, também ajudou a conter a inflação mundial. A queda dos preços de
commodities - e dos alimentos - foi outra força favorável. Ou seja, houve um
bocado de sorte porque o Banco Central pode contar com um poderoso choque
positivo de oferta, que se espalhou para os demais preços da economia.
A experiência anterior mostra também que,
sozinha, a política monetária não consegue baixar a inflação. No primeiro
governo Lula, ajudou bastante a decisão de manter a política de superávits
primários do governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso. O surto
inflacionário do governo Dilma foi corrigido apenas no governo Temer, que
adotou o teto de gastos e desmontou a política parafiscal de crédito.
Como das outras vezes, agora Campos Neto
também teve a ajuda da mudança de direção na política econômica. O começo do
ano foi muito confuso. Tomou-se conhecimento da extensão da herança negativa
deixada pelo governo Bolsonaro, que desarrumou as contas fiscais para tentar
ganhar a eleição. O governo Lula decidiu expandir gastos, e suas autoridades
deram declarações dúbias em assuntos como disciplina fiscal e manutenção da
meta de inflação em 3%. Mais recentemente, a direção se tornou mais correta, e
os ganhos foram potencializados com os choques favoráveis.
Nada disso tira o mérito do BC de Campos
Neto, mas, sem a ajuda do resto da política econômica, não haveria espaço para
um eventual pouso suave.
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