Com escassez de recursos, Lula lança PAC de R$ 1,7 tri
Valor Econômico
A situação fiscal recomenda um programa
mais focado e menos ambicioso
O novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), anunciado na sexta-feira, em tudo se parece com os dois PACs anteriores, salvo nas condições financeiras, agora bem mais hostis aos investimentos públicos do que o foram entre 2007 e 2018. Os métodos do programa parecem ser os mesmos - discernem-se pouco as prioridades nas várias centenas de obras e programas listados. A rigor, é um ajuntamento de tudo o que pode vir a ser feito com tudo o que já vem sendo feito nos âmbitos federal, estadual e municipal, mais o desejo de obter investimentos privados da ordem de R$ 612 bilhões. O país precisa urgentemente ampliar investimentos em infraestrutura e a preocupação do governo é correta. O programa pode dar alguns bons frutos. O voluntarismo, a falta de gestão competente e truques contábeis para prover recursos transformaram os programas anteriores em um fracasso do tamanho das enormes expectativas que foram criadas.
A situação fiscal recomenda um programa
mais focado e menos ambicioso. O primeiro PAC e o anúncio do segundo conviveram
com superávit primários robustos. A execução do PAC revigorado, na gestão de
Dilma Rousseff, contribuiu para afundar as contas públicas, ao ser envolto em
pedaladas contábeis e corrupção. A defesa do presidente Lula do Estado
“indutor” contra a “austeridade fiscal”, quando ambos não precisam se
contrapor, dá ao novo PAC um sabor de velho e insinua um mesmo destino ruim,
que deveria ser a todo custo evitado.
O governo pretende que o novo PAC movimente
R$ 1,7 trilhão, sendo R$ 1,4 trilhão até o fim do mandato de Lula, em 2026. Os
programas estão divididos em 9 eixos, mas dois deles (cidades sustentáveis e
resilientes) e transportes consumirão R$ 969 bilhões, ou mais da metade do
total previsto.
Acrescido da transição e segurança
energética, com R$ 540 bilhões, somam R$ 1,4 trilhão, ou 82,3% do total. Nessa
última rubrica estão os investimentos da Petrobras, com R$ 335 bilhões já
incluídos anteriormente no programa de investimentos da estatal. Os gastos de
capital de Petrobras e do Minha Casa Minha Vida totalizam R$ 680 bilhões.
Em suma, são os programas tradicionais de
infraestrutura e mais petróleo que serão o centro do PAC, com incursões
periféricas de R$ 53 bilhões em Defesa, R$ 45 bilhões em Educação e R$ 31
bilhões em Saúde, mais R$ 28 bilhões em inclusão digital e conectividade.
A intenção de investimentos em várias obras
mostra contradições do governo não pacificadas. O desejo de combater o
aquecimento global e preservar o ambiente se choca com as obras da Ferrogrão,
que corta a floresta amazônica, e os 19 poços a serem perfurados pela Petrobras
na foz do Rio Amazonas, na margem equatorial.
O ministro da Casa Civil, Rui Costa, disse,
após elogiar a ex-presidente Dilma Rousseff, presente ao lançamento, que o
governo não pretende com o novo PAC “criar cemitérios de obras paradas” - uma
herança clara do megalomaníaco e heterodoxamente financiado PAC gerido por
Dilma. Das milhares de obras paradas ou inconclusas voltam ao PAC a Ferrovia de
Integração Oeste-Leste (Fiol), a Transnordestina, a transposição do Rio São
Francisco e Angra 3.
O novo programa abriga também a refinaria
Abreu e Lima, vítima da corrupção da Lava-Jato. Orçada em US$ 2,4 bilhões em
2003, em 2015 já havia consumido US$ 18,9 bilhões, até ser paralisada. Na área
do petróleo merecem destaque negativo o plano de construção de 25 navios para a
Petrobras, depois de mais um desastre, com enorme desperdício de recursos, na
tentativa de reerguer a indústria naval nacional.
O governo destinará R$ 371 bilhões do
Orçamento Geral da União ao novo PAC. Na atual gestão, serão R$ 60 bilhões por
ano, mas essa despesa está condicionada à aprovação do novo regime fiscal, que
voltou à Câmara dos Deputados e está sendo protelada pelo Centrão, que visa
mais cargos e aguarda uma reforma ministerial. O regime fiscal estabeleceu um
valor nominal mínimo para investimentos, próximo dos R$ 70 bilhões, que será
corrigido pela inflação. Como é um gasto discricionário, e recorrente variável
de ajuste para excesso de despesas, há dúvidas sobre sua viabilidade. Se for
derrubado pelo reexame da Câmara, o PAC fica sem injeção de recursos orçamentários.
Se aprovados os recursos, o mais provável, o governo terá de cortar outras
despesas discricionárias, já uma parcela ínfima diante de mais de 93% de gastos
obrigatórios.
Outras ideias ruins vêm com os bilhões do
PAC. Segundo o ministro Rui Costa, o governo Lula fará esforços para recuperar
as empreiteiras que desapareceram com a Lava-Jato e “reabilitar a indústria
nacional, para que voltem a ser referência no mercado internacional de
construção”. Elas também foram referência continental em corrupção. Ainda não
está morta no governo a ideia de que as empreiteiras paguem as indenizações
acertadas por suas falcatruas com a conclusão de obras públicas que deixaram de
realizar.
Estabelecido um núcleo de obras
prioritárias, com gestão eficiente, o programa pode contribuir para melhoria
significativa da infraestrutura. O governo deve evitar cometer os erros do
passado.
Proposta do MEC para ensino médio pode
ficar melhor
O Globo
Aperfeiçoamentos ainda serão necessários,
mas ao menos governo descartou revogar e reforma
Quatro meses depois de suspender a
implantação do Novo Ensino Médio,
em meio a um bombardeio descabido contra a reforma aprovada em 2017, o
ministro da Educação, Camilo Santana, apresentou na semana passada uma proposta
para retomá-la, incorporando sugestões da consulta pública feita pelo
MEC. Entre acertos, erros e pontos ainda obscuros, pode-se dizer que o maior
mérito da iniciativa está no que ela não propõe: a revogação das mudanças, como
defendiam partidos de esquerda, sindicatos, corporações, entidades estudantis e
setores do próprio MEC.
Entre os acertos, está o aumento da carga
horária na formação geral básica (comum a todos os estudantes), antes limitada
a 1.800 horas. O governo agora propõe pelo menos 2.400 horas no ensino regular
de 3 mil horas. O pouco tempo dedicado à formação geral, em comparação com a
parte flexível do currículo, era uma das principais críticas à nova política,
porque poderia prejudicar o aprendizado dos alunos e o desempenho no Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem).
Embora seja ainda um esboço, que passará
por discussões até chegar ao texto final a ser enviado ao Congresso, é louvável
que a proposta preserve pontos essenciais da reforma: expansão da carga
horária, currículo mais flexível — de modo a despertar maior interesse e
combater a evasão — e integração do ensino médio com a educação profissional e
tecnológica, fundamental para dar perspectivas aos jovens no mercado de
trabalho e contribuir para o desenvolvimento do país. Também são pontos
positivos o incentivo à escola em tempo integral, as restrições à educação à
distância (EaD) e a intenção manifestada pelo governo de construir uma política
nacional, articulada com os estados, para enfrentar os problemas estruturais do
setor.
Há, apesar de tudo isso, pontos questionáveis.
Um deles é a proposta para que a formação geral básica dos cursos técnicos
tenha carga horária de 2.200 horas, diferentemente dos cursos regulares, com
2.400 horas. Além de criar dificuldades de implementação, pois uma mesma escola
teria de trabalhar com grades horárias distintas, a medida prejudicaria a
formação nos cursos técnicos, contrariando a intenção da reforma.
Também se critica a mudança radical em
relação à parte flexível do currículo. Na tentativa de corrigir a
flexibilização exagerada da primeira versão, o MEC agora propõe apenas três
itinerários em vez de cinco: 1) linguagens, matemática e ciências da natureza;
2) linguagens, matemática e ciências humanas e sociais; 3) formação técnica e
profissional. “Saímos de uma proposta extremamente aberta para uma extremamente
fechada, sem olhar para o que os estados estão fazendo. Cria-se uma camisa de
força”, afirma Priscila Cruz, presidente executiva do Todos Pela Educação.
Os meios pedagógicos também receberam com
ressalvas a ideia de aumentar o número de disciplinas obrigatórias, que
chegariam a um total de 12, apesar de a proposta do MEC não ser muito clara
sobre isso. Governos, profissionais de educação, estudantes e legisladores
ainda devem sugerir ajustes à proposta, para que ela seja aperfeiçoada e cumpra
seus objetivos de melhorar o ensino médio e torná-lo mais atraente. Pelo menos
até aqui, o governo não sucumbiu à tentação de revogar a reforma. Já é um
avanço.
Câmara deve prorrogar desoneração da folha
para preservar empregos
O Globo
Medida já aprovada no Senado evitou perda
de 1,6 milhão de postos de trabalho entre 2018 e 2022
O peso dos encargos trabalhistas sobre a
folha de salários sempre foi fator de desestímulo à criação de empregos formais
no Brasil. Por isso o Congresso tem, nos últimos anos, prorrogado
sucessivamente o regime de desoneração de 17 setores, por meio do qual as
empresas, em vez de recolher ao INSS 20% sobre o gasto com a folha salarial,
contribuem com 1% a 4,5% do faturamento. Já aprovado no Senado, o Projeto de
Lei que prorroga a desoneração até 2027 chega à Câmara em condições de ser levado
nesta semana ao plenário para aprovação final. Os deputados deveriam aprová-lo.
A medida tem recebido duas críticas, ambas
descabidas. Primeiro, contesta-se que valha a pena renovar a desoneração num
contexto em que a reforma tributária modificará toda a estrutura de impostos
paga pelas empresas. Segundo, critica-se o impacto da renúncia da contribuição
previdenciária para os cofres públicos e questiona-se o alcance restrito dos
setores abrangidos, em detrimento dos demais.
A primeira crítica não tem fundamento, já
que a reforma tributária, se aprovada neste ano, só passará a ter efeito a
partir de 2027, ano em que expiraria a renovação. A segunda crítica se choca
com a realidade: está comprovada a eficácia da desoneração na manutenção e
geração de postos de trabalho. Se não houver renovação, o impacto negativo será
imediato.
Entre as 17 atividades abrangidas pela
medida estão os principais empregadores do país: construção civil e pesada, informática,
infraestrutura de telecomunicações, centrais de atendimento, comunicação,
transporte urbano e intermunicipal, ferroviário e metroviário e, na indústria,
os ramos têxtil e de confecções, calçados, couro, proteína animal, veículos e
carrocerias. Ao todo, os setores cujas folhas salariais foram desoneradas
geraram 1,2 milhão de empregos entre 2017 e 2022 — alta de 15,5%, para 8,93
milhões.
Em 2018, o governo Temer reonerou 13
setores sob a justificativa de compensar a perda de arrecadação com a retirada
de impostos federais sobre o diesel por pressão dos caminhoneiros. Com base no
ocorrido naquela época, calcula-se que, se fossem reonerados os 17 setores
atualmente desonerados, teria havido perda de 1,6 milhão de postos de trabalho
entre 2018 e 2022, 621 mil apenas no ano passado.
É também falsa a ideia de que a desoneração
desequilibra a Previdência Social. A preservação de empregos e a expansão do
mercado de trabalho elevam a renda e evitam perdas no INSS. Sem a contribuição
dos empregos resultantes da desoneração, a Previdência teria deixado de receber
R$ 34,3 bilhões entre 2017 e 2022, segundo cálculo da Associação das Empresas
de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom).
Em 2021, a desoneração foi prorrogada por dois anos. Havia expectativa de que a pauta avançaria no Congresso para todos os segmentos da economia. Mesmo que isso não tenha ocorrido como desejável (a expansão foi vetada na reforma da Previdência), os benefícios em vigor são suficientes para justificar a prorrogação por quatro anos.
A fórceps
Folha de S. Paulo
Lira mostra pragmatismo ao dizer que
governo deve debater reforma administrativa
Com votação final esperada neste mês na
Câmara dos Deputados, o novo marco fiscal, mesmo sem um controle rígido de
gastos, representará um desafio para o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A tarefa será garantir sua credibilidade
por meio do pleno cumprimento dos limites das despesas e da redução contínua do
déficit das contas do Tesouro. As metas traçadas são de cumprimento muito
difícil nas condições atuais.
O rombo de R$ 145,4 bilhões (1,4% do PIB)
projetado para este ano, segundo os cálculos mais recentes da área econômica,
terá de se transformar num superávit equivalente a 1% do PIB até 2026.
A diferença, próxima a R$ 250 bilhões,
representa o tamanho do ajuste necessário, que demanda ações do lado da receita
e dos gastos. O governo
erra ao sinalizar que só dará atenção a coletar mais impostos —como
se houvesse grande margem para elevar uma carga tributária já exorbitante.
Qualquer esforço sério de saneamento de
contas também precisa passar pelas despesas, que se concentram em Previdência,
assistência social e salários do funcionalismo. O pouco que sobra, cerca de
10%, tem destinação mais livre, incluindo investimentos, que deveriam ser
preservados.
A rubrica mais promissora a ser trabalhada
é o custo dos servidores ativos, que, pela metodologia do Fundo Monetário
Internacional (FMI), ronda 12% do PIB nos três níveis de governo, um dos
maiores patamares do mundo.
Uma reforma administrativa, contudo, é tabu
para a Planalto, dadas as origens sindicalistas do PT e de Lula. O partido e o
governo já fizeram saber que trabalharão contra qualquer tentativa de conter
remunerações e reduzir o alcance da estabilidade funcional.
Mas nos últimos anos, felizmente, o
Congresso deu mostras de pragmatismo em temas de interesse nacional —tomando as
rédeas da reforma previdenciária sob Jair Bolsonaro (PL) e sustando a ofensiva
petista contra o marco do saneamento, por exemplo.
É positivo que parlamentares compreendam a
necessidade de enfrentar as distorções do serviço público, a despeito do lobby
das corporações. É relevante a afirmação do presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), de que o governo
terá de entrar na discussão da reforma administrativa "forçadamente"
ainda neste ano.
Os deputados já aprovaram uma proposta de
emenda constitucional que modifica critérios de estabilidade, institui novos
modelos de contratação e abre espaço para mudanças nas carreiras. O texto
decerto merece debate e aperfeiçoamento, mas pode ser um bom ponto de partida
para a tramitação a recomeçar no Senado.
Prende-se muito e mal
Folha de S. Paulo
Com lei nebulosa, combate às drogas no
Brasil não distingue usuário e traficante
No Brasil, a repressão a drogas se
caracteriza, em grande medida, por prender por tráfico pessoas sem qualquer
relação com facções criminosas, como mostram resultados preliminares da
pesquisa "Perfil do processado e produção de provas nas ações criminais
por tráfico de drogas".
O levantamento, elaborado pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que em apenas 13%
dos processos analisados há menção às facções. Confirma-se em
números o que já se intui a partir das práticas judicial e policial: prende-se
muito e mal por tráfico de entorpecentes no país.
A Lei de Drogas, de 2006, não definiu a
quantidade de substância ilícita que qualificaria uso individual, o que torna
nebulosa a distinção entre usuário e traficante.
Ao analisar 41 mil processos de tribunais
estaduais com decisões no primeiro semestre de 2019, o estudo esmiúça a
engrenagem judicial que produz desigualdades sob a justificativa do combate ao
crime.
A maioria dos processados é homem (87%)
jovem (72%) negra (67%), com baixa escolaridade (75%), desempregada ou autônoma
(66%) —e possui passagem anterior pela Justiça (50%).
Em 80% dos casos, os réus permaneceram
presos de forma preventiva durante o processo, inchando ainda mais o sistema
carcerário.
A forma como as denúncias chegam ao
Judiciário é digna de nota. Investigação por órgãos especializados, como
Polícia Civil, responde por apenas 20% dos processos. A maioria do restante tem
origem em ações nas ruas da Polícia Militar.
Revela-se, assim, a preferência pelo
policiamento ostensivo, em detrimento da inteligência em apuração, que pode
atingir facções criminosas ligadas ao tráfico.
O levantamento mostra ainda que as polícias
usam justificativas genéricas para abordagens, como patrulhamento (32,5%) e
denúncia anônima (30,9%). Neste último caso, em 93% dos processos, há só menção
genérica às denúncias, sem registro do autor ou do conteúdo do relato.
O tema está em
debate no Supremo Tribunal Federal. O julgamento se encontra
suspenso com placar de quatro votos a zero em favor da descriminalização do
porte de drogas para uso pessoal.
Trazer mais objetividade à lei pode
contribuir para a redução do encarceramento massivo de negros e pobres como
traficantes. Já o Congresso deveria desenhar uma política de drogas que seja
justa e eficaz.
A falência de um Estado em tempo real
O Estado de S. Paulo
A selvageria no Equador é só um episódio do
teatro de horrores do narcotráfico na América Latina. O Brasil é
protagonista-chave e, se não for implacável na repressão, pode mergulhar no
caos
O assassinato de um dos candidatos à
presidência do Equador, Fernando Villavicencio, é só o episódio mais recente e
dramático de uma tragédia a que o mundo assiste em tempo real: o desmoronamento
do Estado Democrático de Direito e a ascensão de um narcoestado.
No último mês foram assassinados um
prefeito e um secretário municipal. Um candidato à Assembleia sofreu um
atentado. A saraivada de balas que matou Villavicencio na saída de uma escola
deixou nove feridos, entre eles um candidato legislativo. No dia seguinte,
outra candidata foi alvejada.
Jornalista, Villavicencio se notabilizou
por denunciar a corrupção política. “O Equador está praticamente submerso no
crime organizado”, disse em entrevista ao Financial Times. “Declararei guerra
às economias criminosas e essa é uma estratégia central da campanha.” Supostos
líderes da facção Los Lobos reivindicaram o crime como uma retaliação por
“promessas” não cumpridas. Seja lá o que as investigações apurem, quando um
presidenciável cercado por uma escolta policial é morto à luz do dia, a 11 dias
das eleições, mais que um acerto de contas ou a execução de um adversário,
trata-se de um recado a todos os políticos e à população: vocês podem brincar
de democracia, mas quem manda somos nós.
Como outros países latino-americanos, o
Equador prosperou no ciclo das commodities. Passado o boom, a crise fiscal, o
desemprego, a instabilidade política, a corrupção e forças de segurança
precárias revelaram-se um terreno fértil para narcotraficantes do país e de
fora, como mexicanos e albaneses. Outrora um enclave pacífico entre os dois
maiores produtores de cocaína do mundo, a Colômbia e o Peru, o Equador
ultrapassou as taxas de homicídio da Colômbia, do México e do Brasil. Em quatro
anos, essas taxas, que eram de 5,6 por 100 mil habitantes, uma das mais baixas
da América Latina, quadruplicaram. Tiroteios em portos, massacres em presídios,
corpos decapitados pendurados em pontes, sequestros, carrosbomba, crianças
mortas a tiros diante de suas casas ou escolas tornaram-se rotina. A segurança
é a maior preocupação dos eleitores, e candidatos os seduzem com propostas
autoritárias.
O Equador é só um dos palcos do festival de
selvageria latino-americano. No ano passado, o principal procurador antidrogas
do Paraguai foi executado. No Uruguai, 14 cadáveres apareceram num período de
10 dias. Nas eleições mexicanas de 2021, mais de 80 políticos foram mortos.
Segundo o Escritório da ONU para Drogas, só três nações latino-americanas não
são “países principais de fonte e trânsito” de cocaína.
Nesse teatro de horrores, o Brasil é
protagonista. As similaridades com o Equador são pavorosas. Lá como aqui, as
facções recrutam e operam dos presídios, tornaram-se grandes exportadoras de
drogas para países ricos e estão se internacionalizando em parcerias com as
máfias desses países. Entre 2015 e 2019, as apreensões anuais de cocaína nos
portos passaram de 1,5 tonelada para inacreditáveis 67 toneladas. Na Amazônia e
centros urbanos, o crime organizado diversifica suas operações em grilagem,
extorsão, serviços ilegais ou contrabando, infiltrando-se nos mercados e
elegendo políticos. A violência política se agrava a cada eleição. Quase todo o
território da cidade do Rio de Janeiro está sob domínio ou disputa das milícias
e facções. Como advogam pesquisadores do Fórum de Segurança Pública, é a
dinâmica dessas organizações, e não as políticas públicas, que determina a
oscilação das estatísticas de violência. O Brasil está sentado sobre um barril
de pólvora que pode explodir a qualquer momento.
“Não entregaremos o poder e as instituições
democráticas ao crime organizado, ainda que ele se disfarce de organizações
políticas”, disse o presidente do Equador, Guillermo Lasso. Mas, quando um
chefe de Estado fala nesses termos, é indisfarçável que parte desse poder e
instituições já foi sequestrada. O Brasil está longe do caos em que mergulhou o
Equador, mas isso não significa que não avance na mesma direção. Ainda há tempo
de desarmar essa bomba-relógio. Mas o ponteiro não para de rodar.
Pagar emenda é prerrogativa do governo
O Estado de S. Paulo
Fixar calendário para pagamento de emendas
na LDO é invadir competências. Legislativo pode fazer indicações, mas cabe ao
governo decidir quando deve executá-las
O relator da Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) de 2024, Danilo Forte (União-CE), estuda incluir no projeto
a fixação de um calendário para o pagamento de emendas parlamentares. Ao
Estadão, o deputado explicou que a liberação de recursos para essas indicações
tem sido condicionada ao humor do governo. O calendário evitaria o que ele
considera ser uma “manipulação política” do Orçamento. “A vontade de celeridade
é unânime no processo da execução orçamentária”, disse.
Por ora, a ideia de Forte não passa de um
blefe do Centrão para pressionar o governo a ceder espaço para novos aliados na
reforma ministerial. Mas não é a única. Enquanto a fatura de distribuição de
cargos não é quitada, deputados não votam a proposta que cria o novo arcabouço
fiscal. Obviamente, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), nega haver
relação entre os fatos e justifica não haver incluído o texto na pauta por
falta de consenso, entre os deputados, sobre a manutenção ou a derrubada das
alterações que ele recebeu no Senado.
A LDO, por si só, já é um projeto muito
relevante, pois norteia a elaboração do Orçamento. A data final para apreciação
da proposta, estabelecida pela Constituição, é 17 de julho – ou seja, o prazo
já foi vencido, tanto que os parlamentares não puderam entrar em recesso
formalmente. Há uma relação direta entre o arcabouço e a LDO: ele precisa ser
aprovado antes da lei; do contrário, a LDO terá de se submeter aos termos do
teto de gastos, que é ainda mais rígido.
A despeito do jogo político, é bem provável
que o Executivo e o Legislativo cheguem a um acordo para garantir a aprovação
do arcabouço antes da apreciação da LDO. É do interesse de ambos os Poderes.
Assim, o que deveria ser motivo de real preocupação para o governo é a ameaça,
do relator da LDO, de impor um calendário para o pagamento de emendas.
Como já dissemos muitas vezes neste espaço,
não há nada de antirrepublicano, a priori, nas emendas parlamentares. Por meio
de indicações transparentes, com autoria e destino definidos, bem como
finalidades vinculadas a políticas públicas, deputados e senadores podem
sugerir de que forma o dinheiro do Orçamento deve ser gasto – diferentemente do
que ocorria no orçamento secreto, revelado pelo Estadão e derrubado pelo
Supremo Tribunal Federal (STF).
Porém, além de terem alcançado um peso cada
vez maior no Orçamento, a maioria das emendas se tornou impositiva nos últimos
anos, o que reduziu significativamente o poder discricionário do Executivo para
gerenciar suas despesas – especialmente quando 95% delas têm caráter
obrigatório. Assim, a única prerrogativa que restou ao governo, no que diz
respeito às emendas, consiste justamente no prazo para pagá-las.
Ao longo do ano, à medida que submete
proposta de seu interesse à apreciação dos parlamentares, o Executivo pode
fazer uso do pagamento de emendas para angariar apoio para aprová-las. Quem
vota com o governo garante verba para suas indicações antes dos demais; quem
vota contra, seja por ideologia ou por convicção de que o projeto é ruim,
também terá o dinheiro liberado, mas em um momento posterior.
Foi o que ocorreu, por exemplo, na votação
da reforma tributária. Um calendário fixo para execução de emendas retiraria
das mãos do governo um mecanismo que indubitavelmente contribuiu para a
aprovação de um projeto que está na lista de prioridades do País já há mais de
30 anos.
Longe de ser um “toma lá dá cá”, o processo
de liberação de emendas é democrático e reflete, de forma transparente, o custo
de fazer oposição ao governo. É do Executivo a função de editar decretos que
fixem limites mensais de empenho e pagamento de recursos públicos. Ao
Legislativo, cabe aprovar a LDO e o Orçamento, não gerenciá-lo.
Espera-se, portanto, que o relator tenha
consciência de sua responsabilidade na elaboração do parecer da LDO e que não
invada competências que não dizem respeito nem a ele nem ao Legislativo. Do
governo, espera-se que faça valer a maioria que busca construir no Congresso e
não deixe passar este verdadeiro absurdo.
O País precisa do Marco das Garantias
O Estado de S. Paulo
Fará bem o Congresso se aprovar o projeto
que amplia segurança jurídica e reduz custo do crédito
Tramita no Congresso um projeto de lei (PL)
apresentado pelo governo Bolsonaro em 2021 e que o governo Lula corretamente
tem apoiado: o Projeto de Lei 4.188/2021, que dispõe sobre o Marco das
Garantias. A Câmara e o Senado aprovaram a proposta, mas como os senadores
fizeram alterações no texto aprovado pelos deputados, o PL 4.188/2021 precisa
de nova análise pela Câmara. O projeto representa um avanço importante, que
pode contribuir para uma maior segurança jurídica e um maior dinamismo do
ambiente de negócios. A expectativa do Ministério da Fazenda é que o Marco das
Garantias ajude a reduzir o custo do crédito no País e, assim, estimular o
consumo e o crescimento.
Entre as mudanças propostas, o novo marco
permite que um mesmo imóvel seja usado como garantia em mais de um empréstimo,
na mesma instituição ou em instituições diferentes. Pelas regras atuais, o
imóvel fica restrito a um único financiamento até a quitação do crédito, mesmo
que a operação tenha um valor inferior ao bem. Pela nova regra, será possível
fracionar o valor e, assim, obter lastro para diversos empréstimos.
Outra novidade do PL 4.188/2021 é a
possibilidade de exploração de um serviço de gestão especializada de garantias,
por meio das instituições gestoras de garantia (IGG). Assim, em vez de ter de
tratar e negociar com cada instituição financeira, para obter a melhor
proposta, o tomador de crédito pode recorrer a uma IGG para avaliação de seu
bem. Essa possibilidade aumenta a concorrência entre as instituições
financeiras, facilita a avaliação da garantia e contribui para a redução das
taxas de juros.
A Câmara tinha aprovado um capítulo sobre
desjudicialização de títulos de execução de títulos executivos judiciais e
extrajudiciais. Hoje, o credor tem de entrar com uma ação na Justiça para recuperar
a garantia dada pelo devedor, o que é, muitas vezes, fonte de muitos problemas.
Em geral, processos judiciais são longos, caros e repletos de percalços.
Originalmente, o PL 4.188/2021 permitia, por exemplo, a busca e apreensão
extrajudicial de veículos, realizada via cartórios, com o auxílio dos
Departamentos Estaduais de Trânsito (Detrans). No entanto, o Senado retirou do
projeto o capítulo da desjudicialização da execução das garantias, tema que
deverá ser analisado em um projeto de lei específico.
O Senado também restaurou o monopólio da
Caixa Econômica Federal para a penhora de bens móveis, como joias, relógios e
pratarias. A Câmara havia excluído essa limitação como meio de aumentar a
concorrência nos penhores e baratear o crédito.
Na prática, os pontos do PL 4.188/2021 que os partidos de esquerda haviam tentado, sem sucesso, retirar na Câmara foram excluídos do texto durante a votação do Senado. Tal como aprovado pelos senadores, o projeto atual está mais distante da proposta original do Executivo, especialmente em relação à execução das garantias. Mesmo mitigado, o projeto do Marco das Garantias continua sendo benéfico para o País. Que possa ser logo aprovado pelos deputados.
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