Folha de S. Paulo
O Nordeste é tão "conservador"
quanto o Brasil
As declarações recentes do governador mineiro, Romeu Zema
(Novo-MG), abriram uma caixa de Pandora de disparates políticos. Trato aqui
apenas do suposto "esquerdismo nordestino", o qual exigiria uma
mobilização para contrabalançá-lo. Disparates sem o menor respaldo empírico.
No Nordeste há mais representantes na Câmara dos Deputados ligados ao centrão e outros partidos que orbitam em torno desse agrupamento do que a partidos afiliados a legendas de esquerda. Mais importante: o percentual de eleitos pelo PL, PP e Republicanos na região Nordeste (35,5%) é similar ao observado no plano nacional (36%). O Nordeste é, no mínimo, tão "conservador" quanto o Brasil.
Em 2022, os partidos nucleadores do chamado
centrão (PL, PP, Republicanos), somados a PSC e Patriotas, elegeram 35% dos deputados
federais. As legendas de esquerda (PT, PSB, PC DO B, Verde, Rede, Psol,
Solidariedade), apenas 33%. Mas dois terços dos representantes do Nordeste
pertencem a legendas do núcleo duro do centrão, de centro ou centro-direita, em
uma classificação convencional.
O que gera os disparates é a incongruência
entre o voto legislativo e o voto nacional: a concentração do voto em Lula na
região. Mas lulismo não é petismo, muito menos "esquerdismo".
Ele reflete fatores identitários e a preferência por um candidato nativo da
região. A incongruência é brutal em Pernambuco, estado de origem de Lula, onde
ele obteve 67% dos votos: o PT elegeu apenas um deputado em uma bancada de 25.
O quadro é ainda mais dramático em Sergipe, onde o atual presidente obteve
quase dois terços dos votos. Mas nenhum candidato do PT ou de qualquer partido
de esquerda foi eleito; metade é do núcleo duro do centrão. Em Alagoas, a
esquerda elegeu apenas 1/5 dos deputados, mesmo percentual encontrado no Rio
Grande do Norte e no Maranhão.
O efeito supostamente ideológico do voto na
região se dilui quando se controla por renda. O voto da baixa renda tem se
concentrado no PT, independentemente da região.
A incongruência é sobretudo efeito da
incumbência do Poder Executivo: presidentes elegem governadores que elegem
prefeitos. Ambos controlam a máquina que alimenta as redes locais. Para o
eleitor, a estratégia dominante é votar nos candidatos dessas redes porque atraem
investimentos e por receio de serem excluídos dos benefícios gerados por eles.
Como esperado, Bolsonaro teve, em relação a
2018, ganhos muito maiores no Nordeste (16,5% na média) que em
outras regiões. No Maranhão, nas eleições municipais de 2012, o PC do B elegeu
cinco prefeitos. Quatro anos depois, quando Flávio Dino foi eleito, foram
46, um aumento de 820%. O Maranhão elegeu 58% do total de
prefeitos eleitos pelo partido no país. O governador é rei.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)
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