Folha de S. Paulo
Rotular presidenciável como de 'extrema
direita' mais confunde do que informa
Se tem um país cujo povo está justificado
em querer varrer o establishment para longe, esse país é a Argentina.
São décadas de decadência que tanto a esquerda quanto a direita só fizeram
agravar. Hoje, com inflação a
115%, juros a
118% ao ano e miséria galopante, a escolha por alguém com uma proposta
econômica simples, radical e revolucionária —e que promete desbancar
as elites políticas e tecnocráticas que governaram pelas últimas
décadas— fica bem compreensível.
E é isso que Javier Milei, vencedor das primárias e favorito para a eleição, representa. Ele se define como "anarcocapitalista", ou seja, a versão mais radical da defesa da propriedade privada, da autodeterminação individual e da livre iniciativa. Defende dolarização da economia, abertura econômica unilateral, legalização das drogas.
Essa posição pode estar errada, pode
ser desastrosa
se colocada em prática; tudo isso é discutível. Mas ela é objetivamente
diferente da defesa de um Estado militarizado e nacionalista, altamente
repressor, que busca subsumir as vontades individuais num projeto totalizante
da cabeça do grande líder.
É no mínimo questionável, portanto, que um
mesmo termo —"extrema direita"— seja usado para definir ambas em
diversos veículos de imprensa. (Não é o caso da Folha, que tem optado por
"ultraliberal", rótulo que, aí sim, o descreve com mais precisão e
exclui confusões com outros grupos).
Descrever o posicionamento de políticos em
um rótulo é um expediente necessário para dar um entendimento imediato ao
leitor, um mapa muito básico de como cada um se coloca nas questões que
interessam ao país. Esses rótulos sempre serão imprecisos, isso é inevitável. O
que eles não devem ser, no entanto, é parciais, escamoteando a preferência
política do veículo no que deveria ser uma descrição objetiva.
Numa discussão puramente filosófica ou
técnica os nomes não importam, basta que haja acordo quanto a suas definições.
Tanto faz se chamamos a um político de "direita",
"centro-direita" ou "extrema direita", desde que
esses termos
estejam bem definidos. No debate mais amplo, com a sociedade, os nomes
importam e muito. Cada um carrega consigo toda uma gama de associações e
sentimentos na alma do público; sentimentos que serão mobilizados no momento de
se fazer escolhas.
É um vício intelectual bem brasileiro
confundir rotulagem com refutação. Aplique-se um rótulo que fixa o objeto no
campo do mal e você já o terá desqualificado de antemão. Não há jeito mais
simples e direto de fazer isso do que associar alguém a Hitler. O
rótulo "extrema direita" cumpre esse papel, mesmo que seus alvos não
se assemelhem a Hitler; não sejam racistas,
antissemitas, nacionalistas, militaristas, antidemocráticos, antiliberais, etc.
Assim, o uso
de "extrema direita" para descrever Milei dá a impressão de
que o veículo está contra o candidato. Hoje, quando diversas narrativas
antagônicas competem em pé de igualdade, a estratégia de desqualificar pelo
rótulo é transparente. Ela persuade leitores satisfeitos com o sistema a
rechaçar o candidato sem pensar duas vezes, mas gera nos demais o sentimento
contrário: o de que o veículo está fazendo o jogo do "sistema"
que os eleitores de Milei querem derrubar. Na tentativa de desmerecê-lo
como se fazia antigamente, acaba por fortalecer sua narrativa e intensificar a
revolta que a alimenta.
3 comentários:
Muito bom!
Claro! Claríssimo, o Joel Pinheiro!
E não significa concordar e nem significa discordar do candidato argentino Javier Milei ; significa apenas não banalizar a conceituação, o significado e a definição de aspectos, categorias, temas, pessoas ou organizações, saindo carimbando e gritando por aí como impropérios::
▪"Comunista!";
▪"Fascista"! ;
▪"Neoliberal!"
▪"Não sei o quê!"
E olha que primeiro, na frente, liderando,... inciando... quem sai gritando e carimbando leviana e irresponsavelmente com esses rótulos são filósofos (ops. Desculpem:: "filósofos"), sociólogos (ops. Desculpem de novo:: "sociólogos), etc etc etc . Só depois é que outros, achando bonitinho e, como eles dizem para se autoenganar, achando politizado, danam a repetir pelo mundo e contra o mundo:: "Fascista!" , "Comunista!" , "Sei lá mais o quê!"...
Quando vamos ver, estes que gritam para xingar é gente que, embora não seja fascista, se repetem em ter atitudes fascistas ; é gente que, embora não seja corrupta, se desdobra em proteger corruptos...
É a mesma coisa que tachar um artista de ''brega'',todo mundo acredita e reproduz.
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