Valor Econômico
Americano Anthony Mazzocchi cunhou o termo
que se tornaria a principal contribuição sindical à política de transição verde
“A transição é inevitável; a justiça, não”, diz o site da Climate Justice Alliance, movimento americano que nasceu há dez anos e reúne gente de Michigan, Indiana, Nevada e Califórnia. A intenção, diz ali, é incluir na transformação verde da sociedade aspectos de raça, gênero e classe social. Alguns de seus membros são comunidades de Detroit, a cidade que moldou sua fama e decadência à luz da indústria automobilística. Do lado de lá do Atlântico, a Comunidade Econômica Europeia tem sigla e mecanismo para não deixar ninguém pra trás na transformação verde do bloco. O JTM, ou Just Transition Mechanism, busca mobilizar €55 bilhões para o período 2021-2027 e aliviar os impactos socioeconômicos da economia descarbonizada nas regiões mais afetadas. Áreas mineradoras de carvão são prioridade. No Brasil, contudo, o tema é pouco sexy.
Na matriz energética brasileira carvão é
fonte inexpressiva, mas petróleo e gás, não. O setor deveria incluir a
transição justa nas planilhas de planejamento.
Para ter uma ideia da dimensão global do
conceito, as palavras “just transition” remetem a 968 milhões de resultados no
mecanismo de busca do Google; a tradução em português leva a 5,6 milhões.
O termo foi cunhado pelo líder sindical
americano Anthony Mazzocchi. Tony, como era conhecido, nasceu no Brooklyn em
1926, em uma família pobre de origem italiana. A mãe morreu de câncer quando o
menino tinha 6 anos e os Mazzocchi perderam a casa para pagar os custos
médicos. Aos 16, mentiu sobre a idade, alistou-se no Exército e desembarcou na
Europa na Segunda Guerra Mundial -ajudou a libertar o campo de concentração de
Buchenwald. Ao ser dispensado, virou operário da Ford em Nova Jersey. Depois
trabalhou na construção civil e na siderurgia, voltou a estudar e se formou em
uma escola técnica.
Aos 26 anos, prometendo igualdade salarial
para as mulheres, virou presidente de um sindicato de trabalhadores das
indústrias de gás e química. Não só conseguiu a equiparação salarial como
também negociou um plano de saúde que incluiu a primeira cobertura de seguro
dentário do setor privado nos EUA. Anos depois tornou-se líder do sindicato dos
trabalhadores da indústria do petróleo, química e atômica.
Na década de 1960, Mazzocchi começou a se
aproximar do movimento ambientalista, preocupado com a saúde dos trabalhadores
da indústria química. Esteve à frente de uma forte campanha sobre os perigos do
amianto e teve muita influência na legislação americana sobre saúde e segurança
no trabalho.
“Mazzocchi se deu conta de que a saúde das
comunidades e dos trabalhadores seria afetada por aquelas indústrias e começou
a construir elos entre trabalhadores e o setor ambiental. Criou uma aliança
pela transição justa onde sindicatos e movimentos sociais se sintonizavam com
as preocupações ambientais”, contou o especialista em políticas sociais
Francesco Chiodi, durante palestra sobre transição verde justa em evento
preparatório à cúpula de líderes europeus e da América Latina e Caribe em
Bruxelas, em julho.
Na segunda metade da década de 1990, Tony
Mazzocchi propôs um “superfundo para os trabalhadores”, inspirado em um
programa para a limpeza de substâncias tóxicas da Agência de Proteção Ambiental
dos Estados Unidos, a EPA. “Temos de dar aos trabalhadores a garantia de que
não terão de pagar pela água e pelo ar limpos com os seus empregos, o seu nível
de vida ou o seu futuro”, escreveu Mazzocchi. Argumentava que os trabalhadores
empregados em setores responsáveis por danos ambientais deveriam ser apoiados e
compensados à medida em que transitavam para novos empregos menos perigosos.
“Hoje o conceito de transição justa é a principal contribuição sindical à
política de transição verde e seu reconhecimento institucional se deu no Acordo
de Paris, em 2015”, seguiu Chiodi, da organização internacional
Ítalo-Latinoamericana ILLA.
Transição justa, contudo, é um conceito
ambíguo e bastante amplo. Há pelo menos três grandes abordagens - aquela que
foca no trabalho, a que mira aspectos ambientais e a terceira, centrada na
sociedade. Não são divergentes. A primeira vertente se preocupa com as perdas
de empregos que podem vir com a transição ecológica e analisa o mercado de
trabalho futuro. A outra linha enfatiza a justiça ambiental. A terceira aborda
as mudanças radicais que devem acontecer nos modelos econômicos atuais. “Mas
quando se fala em justiça social não há unanimidade de visões. O conceito está
sobrecarregado de subjetividades”, observou Chiodi.
“Quando falamos de transição ecológica,
digital e demográfica nos referimos a megatendências que estão marcando uma
mudança na história da humanidade. São movimentos estruturais que pontuam o
antes e o depois de uma mudança de época”, disse. “A grande questão é se o
nosso sistema estará em condições de gerar novas medidas, produzir novas
respostas, criar novos financiamentos e novas ideias que fiquem no centro da
transição verde”, alertou Chiodi. O sucesso da transição verde depende também
de sua capacidade de produzir bem-estar na Europa, na América Latina ou em
qualquer outro lugar.
Anthony Mazzocchi morreu em Washington, em 2002, de câncer no pâncreas. Teve seis filhos. Tinha 76 anos.
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