quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Pedro Cavalcanti Ferreira / Renato Fragelli Cardoso* - Novamente o pessimismo moderado

Valor Econômico

Os cenários mais desastrosos estão afastados, mas nada de muito bom virá de um governo prisioneiro de concepções ideológicas do passado

Desde o início de agosto os mercados vêm mostrando desânimo com o Brasil. Foram 13 pequenas quedas seguidas do Ibovespa. Refletem a percepção de que o Brasil de Lula 3 não será o de Dilma, mas tampouco repetirá o de Lula 1. De animador somente a constatação de que as boas reformas institucionais implantadas no passado não serão revertidas.

Em sua desesperada tentativa de reeleger-se, Bolsonaro promoveu um gigantesco aumento de gastos no ano eleitoral de 2022. O Auxílio Brasil a R$ 600 foi prolongado até dezembro e transferências a caminhoneiros e taxistas de R$ 1 mil foram pagos mensalmente no mesmo período. A redução do ICMS sobre os combustíveis, que gerou uma deflação acumulada de 1,3% (IPCA) nos três meses que antecederam a eleição, levou governadores a acionarem o STF em busca de ressarcimento do Tesouro. Dessa vez, a herança foi maldita mesmo.

A pesar de toda a mobilização governamental, Lula venceu no 2º turno, mas pela estreita margem de 50,9% a 49,1%. Se apenas 2% dos eleitores de Lula - ou 1% do total de votos válidos - tivesse mudado de ideia no dia da eleição, Bolsonaro teria sido reeleito. O que faltou? De onde poderia ter vindo a “ajuda” capaz de mudar essa pequena fração de votos?

Nunca se pode confiar plenamente numa tese histórica baseada em argumentação contra factual, mas uma explicação plausível é que tenha sido a atuação republicana do Banco Central independente. Este, cumprindo diligentemente o mandato de reduzir a inflação à meta de 3% em 2023, iniciou a subida da taxa Selic um ano e meio antes da eleição, dificultando a reeleição do capitão.

A taxa Selic foi reduzida ao piso histórico de 2% durante os meses da pandemia, mas a retomada da inflação levou o BC a elevá-la a partir de 03/04/2021, até a taxa atingir 13,75% em 12/08/2022, menos de dois meses antes do 1º turno. Quando Bolsonaro foi derrotado em outubro de 2022, a taxa de desocupação estava em 8,3%. Somente em agosto de 2023, quando a inflação já dava sinais de queda consistente, o BC começou a reduzi-la.

Uma comparação com outra campanha de reeleição também decidida por estreita margem, no caso a disputa entre Dilma e Aécio, se faz pertinente. Nos sete meses compreendidos entre 11/10/2012 e 17/04/2013, a taxa Selic permaneceu em 7,25%, o menor nível histórico até então. O período coincidiu com o auge da Nova Matriz Econômica. A partir de abril, devido à pressão inflacionária, o BC elevou gradualmente a taxa Selic até ela atingir 11% em 03/04/2014. Esse patamar da Selic foi mantido durante os sete meses que antecederam a eleição. Dilma foi reeleita no dia 26/10/2014, pela estreita margem de 51,6% contra 48,4% de Aécio. Em 29/10/2014, três dias após o 2º turno, o BC voltou a elevar a taxa Selic, que atingiria o nível de 14,25% em 30/07/2015. Em outubro de 2014, quando Dilma se reelegeu, a taxa de desocupação estava em 6,7%.

Estes fatos não constituem uma prova de que a atuação do BC tenha influenciado de forma determinante a decisão do eleitor nas duas eleições. Mas é inegável que o BC independente não “colaborou” com a campanha de reeleição de Bolsonaro. Aqueles que creem que, se Bolsonaro tivesse se reelegido, ele teria conseguido implantar sua ditadura, deveriam reconhecer que o BC independente foi uma importante evolução institucional para a consolidação da democracia brasileira, devendo ser preservada. As críticas de Lula ao BC indicam que ele jamais reconhecerá isso.

Logo após vencer o 2º turno da eleição de 2022, Lula negociou com Arthur Lira a PEC da transição que ampliou gastos sociais permanentes em 1,5% do PIB. Tendo Lula agravado o desequilíbrio fiscal já abalado pela gastança eleitoreira de Bolsonaro, a demora na apresentação do prometido arcabouço fiscal levou os mercados, até então complacentes, a reagir. No fim de março, o Ibovespa chegou a cair abaixo do piso psicológico de 100.000, enquanto as NTN-B atingiram taxas exorbitantes de 6,5% + IPCA. A apresentação do arcabouço fiscal por Haddad apaziguou os mercados, a partir de abril.

Mas as incertezas voltaram em agosto. Os recentes sinais emitidos fora da área econômica sob a alçada de Haddad têm sido assustadores. O governo planeja retomar a direção da Vale, embora sem reestatizá-la. O BNDES anunciou mais uma tentativa de implantar uma política industrial, repetindo os mesmos erros do passado. O novo PAC já nasce velho, com a Petrobras anunciando a encomenda de 25 navios em estaleiros nacionais. A mesma Petrobras, que só consegue refinar 3/4 do consumo doméstico de combustíveis, voltou a praticar preços domésticos inferiores aos preços internacionais, levando as distribuidoras privadas a cortar a importação. Isto foi corrigido esta semana com aumentos dos preços da gasolina e diesel, mas a incerteza sobre a política de preços, entretanto, permanece alta.

O arcabouço fiscal de Haddad aponta na direção correta, mas não resolve o desequilíbrio, apenas reduz o ritmo de crescimento da relação dívida/PIB, que seguirá positivo até o fim do atual mandato com elevação contínua dos gastos.

O ajuste dependerá de aumentos de receitas com baixa probabilidade de se materializarem. Os cenários mais desastrosos estão afastados, mas nada de muito bom virá de um governo prisioneiro de concepções ideológicas do passado. A convicção no “gasto é vida” permanece intacta.

Apesar da melhora recente da avaliação do risco de crédito do país, a chance é baixa de o país recuperar o “investment grade” jogado no lixo por Dilma Rousself. Com um BC independente e resistente a manipulações, esse cenário significa um piso de juros reais em torno de 5% ao ano. O crescimento será baixo e os “rentistas”, inimigos da esquerda, agradecem.

*Pedro Cavalcanti Ferreira é professor da EPGE-FGV e diretor da FGV Crescimento e Desenvolvimento.

Renato Fragelli Cardoso é professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE-FGV).

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