Valor Econômico
Os cenários mais desastrosos estão
afastados, mas nada de muito bom virá de um governo prisioneiro de concepções
ideológicas do passado
Desde o início de agosto os mercados vêm
mostrando desânimo com o Brasil. Foram 13 pequenas quedas seguidas do Ibovespa.
Refletem a percepção de que o Brasil de Lula 3 não será o de Dilma, mas
tampouco repetirá o de Lula 1. De animador somente a constatação de que as boas
reformas institucionais implantadas no passado não serão revertidas.
Em sua desesperada tentativa de reeleger-se, Bolsonaro promoveu um gigantesco aumento de gastos no ano eleitoral de 2022. O Auxílio Brasil a R$ 600 foi prolongado até dezembro e transferências a caminhoneiros e taxistas de R$ 1 mil foram pagos mensalmente no mesmo período. A redução do ICMS sobre os combustíveis, que gerou uma deflação acumulada de 1,3% (IPCA) nos três meses que antecederam a eleição, levou governadores a acionarem o STF em busca de ressarcimento do Tesouro. Dessa vez, a herança foi maldita mesmo.
A pesar de toda a mobilização
governamental, Lula venceu no 2º turno, mas pela estreita margem de 50,9% a
49,1%. Se apenas 2% dos eleitores de Lula - ou 1% do total de votos válidos -
tivesse mudado de ideia no dia da eleição, Bolsonaro teria sido reeleito. O que
faltou? De onde poderia ter vindo a “ajuda” capaz de mudar essa pequena fração
de votos?
Nunca se pode confiar plenamente numa tese
histórica baseada em argumentação contra factual, mas uma explicação plausível
é que tenha sido a atuação republicana do Banco Central independente. Este,
cumprindo diligentemente o mandato de reduzir a inflação à meta de 3% em 2023,
iniciou a subida da taxa Selic um ano e meio antes da eleição, dificultando a
reeleição do capitão.
A taxa Selic foi reduzida ao piso histórico
de 2% durante os meses da pandemia, mas a retomada da inflação levou o BC a
elevá-la a partir de 03/04/2021, até a taxa atingir 13,75% em 12/08/2022, menos
de dois meses antes do 1º turno. Quando Bolsonaro foi derrotado em outubro de
2022, a taxa de desocupação estava em 8,3%. Somente em agosto de 2023, quando a
inflação já dava sinais de queda consistente, o BC começou a reduzi-la.
Uma comparação com outra campanha de
reeleição também decidida por estreita margem, no caso a disputa entre Dilma e
Aécio, se faz pertinente. Nos sete meses compreendidos entre 11/10/2012 e
17/04/2013, a taxa Selic permaneceu em 7,25%, o menor nível histórico até
então. O período coincidiu com o auge da Nova Matriz Econômica. A partir de
abril, devido à pressão inflacionária, o BC elevou gradualmente a taxa Selic
até ela atingir 11% em 03/04/2014. Esse patamar da Selic foi mantido durante os
sete meses que antecederam a eleição. Dilma foi reeleita no dia 26/10/2014,
pela estreita margem de 51,6% contra 48,4% de Aécio. Em 29/10/2014, três dias
após o 2º turno, o BC voltou a elevar a taxa Selic, que atingiria o nível de
14,25% em 30/07/2015. Em outubro de 2014, quando Dilma se reelegeu, a taxa de
desocupação estava em 6,7%.
Estes fatos não constituem uma prova de que
a atuação do BC tenha influenciado de forma determinante a decisão do eleitor
nas duas eleições. Mas é inegável que o BC independente não “colaborou” com a
campanha de reeleição de Bolsonaro. Aqueles que creem que, se Bolsonaro tivesse
se reelegido, ele teria conseguido implantar sua ditadura, deveriam reconhecer
que o BC independente foi uma importante evolução institucional para a
consolidação da democracia brasileira, devendo ser preservada. As críticas de
Lula ao BC indicam que ele jamais reconhecerá isso.
Logo após vencer o 2º turno da eleição de
2022, Lula negociou com Arthur Lira a PEC da transição que ampliou gastos
sociais permanentes em 1,5% do PIB. Tendo Lula agravado o desequilíbrio fiscal
já abalado pela gastança eleitoreira de Bolsonaro, a demora na apresentação do
prometido arcabouço fiscal levou os mercados, até então complacentes, a reagir.
No fim de março, o Ibovespa chegou a cair abaixo do piso psicológico de
100.000, enquanto as NTN-B atingiram taxas exorbitantes de 6,5% + IPCA. A
apresentação do arcabouço fiscal por Haddad apaziguou os mercados, a partir de
abril.
Mas as incertezas voltaram em agosto. Os
recentes sinais emitidos fora da área econômica sob a alçada de Haddad têm sido
assustadores. O governo planeja retomar a direção da Vale, embora sem
reestatizá-la. O BNDES anunciou mais uma tentativa de implantar uma política
industrial, repetindo os mesmos erros do passado. O novo PAC já nasce velho,
com a Petrobras anunciando
a encomenda de 25 navios em estaleiros nacionais. A mesma Petrobras,
que só consegue refinar 3/4 do consumo doméstico de combustíveis, voltou a
praticar preços domésticos inferiores aos preços internacionais, levando as
distribuidoras privadas a cortar a importação. Isto foi corrigido esta semana
com aumentos dos preços da gasolina e diesel, mas a incerteza sobre a política
de preços, entretanto, permanece alta.
O arcabouço fiscal de Haddad aponta na
direção correta, mas não resolve o desequilíbrio, apenas reduz o ritmo de
crescimento da relação dívida/PIB, que seguirá positivo até o fim do atual
mandato com elevação contínua dos gastos.
O ajuste dependerá de aumentos de receitas
com baixa probabilidade de se materializarem. Os cenários mais desastrosos
estão afastados, mas nada de muito bom virá de um governo prisioneiro de
concepções ideológicas do passado. A convicção no “gasto é vida” permanece
intacta.
Apesar da melhora recente da avaliação do
risco de crédito do país, a chance é baixa de o país recuperar o “investment
grade” jogado no lixo por Dilma Rousself. Com um BC independente e resistente a
manipulações, esse cenário significa um piso de juros reais em torno de 5% ao
ano. O crescimento será baixo e os “rentistas”, inimigos da esquerda, agradecem.
*Pedro Cavalcanti Ferreira é
professor da EPGE-FGV e diretor da FGV Crescimento e Desenvolvimento.
Renato Fragelli Cardoso é professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE-FGV).
Nenhum comentário:
Postar um comentário