sábado, 9 de setembro de 2023

Demétrio Magnoli - Leituras da Independência

Folha de S. Paulo

Slogan cunhado pelo governo para o 7 de Setembro revela que inexiste um consenso

"Democracia, soberania e união" –o slogan cunhado pelo governo para o 7 de Setembro revela que inexiste um consenso nacional mínimo sobre o significado da Independência. Nisso, o Brasil distingue-se tanto dos EUA quanto dos países da América Hispânica.

Independência é ruptura: revolução. As guerras de independência nas Treze Colônias e na América Espanhola desaguaram em Repúblicas, exprimindo uma cisão radical com as monarquias europeias. Na América Portuguesa, também ocorreu uma revolução de colonos –que, no entanto, gerou um Estado monárquico. Continuidade na ruptura.

O Brasil já não era colônia de fato desde a transferência da Corte –e deixou de sê-lo, de direito, em 1815. No fundo, Portugal tornara-se, a um só tempo, colônia do Brasil e protetorado da Inglaterra. A Revolução do Porto (1820) derivou do declínio iniciado em 1808 e tentou revertê-lo por meio de uma Constituição liberal e da tentativa de restauração da soberania sobre a América Portuguesa.

Esqueça a "democracia" do slogan. Nossa revolução de 1822 deve ser lida como contra-revolução: uma reação à Revolução do Porto. A efêmera aliança entre Pedro 1º e José Bonifácio prometia uma monarquia constitucional, mas a dissolução da Constituinte de 1823 anunciou a implantação de um regime absolutista.

"União" sim, mas não no sentido pretendido pelo slogan. Na hora da Independência, inexistia Brasil. O que havia era uma coleção de colônias de Portugal na América do Sul. Foi a presença de um monarca que evitou a fragmentação numa constelação de Repúblicas caudilhescas, o destino da América Hispânica.

O Estado monárquico nascido em 1822 inventou, ao longo do tempo, por meio da espada e da palavra, a unidade brasileira. Espada: a repressão às revoltas regionais, algumas de conteúdos separatistas como a Confederação do Equador e a Revolução Farroupilha. Palavra: a produção historiográfica, sociológica, paisagística e literária de um nacionalismo brasileiro.

"Soberania", claro, mas em sentido muito diverso do evocado no slogan. As oligarquias regionais aceitaram subordinar-se ao monarca porque precisavam de um Estado forte, capaz de resistir à pressão britânica pelo fim do tráfico atlântico. A unidade do Brasil exprimiu o interesse compartilhado das elites na manutenção do escravismo. A escravidão funcionou como poderosa solda territorial e, simultaneamente, como razão de existência do Estado monárquico.

Os EUA sabem perfeitamente como narrar sua independência: a Revolução Americana. As nações da América Hispânica embutem uma mensagem consensual nos nomes dos Libertadores. O Brasil, porém, perdeu-se no labirinto de significados ambíguos ou decididamente reprováveis de 1822. Daí o impulso de impor-lhe leituras arbitrárias: Bolsonaro enxergou no 7 de Setembro um trampolim para sua purificadora "intervenção militar"; Lula tenta vesti-lo no duplo manto da "resistência democrática" e da "reconciliação nacional".

Para nós, por tudo isso, uma só Independência não basta. Desde 1889, as Forças Armadas passaram a narrar a Proclamação da República como a "segunda Independência" – e, em 1895, inventaram a tradição dos desfiles militares do 7 de Setembro. O novo poder apropriava-se dos despojos do velho.

Bem mais tarde, pela esquerda, sob o influxo do terceiro-mundismo, falou-se na necessidade de uma "nova Independência", que dependeria da ruptura com o "imperialismo americano". O Lula de 2009, no apogeu do verde-amarelismo petista, descreveu a descoberta do pré-sal como ponto de partida de uma redentora "nova Independência". Hoje, à luz das doutrinas identitárias, sobram acusações iradas à "falsa Independência", assim como à "falsa Abolição".

O golpe retórico de declarar o passado um impostor ou um farsante não o modifica, mas nos paralisa. A esfinge do 7 de Setembro merece decifração melhor.

 

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Pois é!

Daniel disse...

Que texto horrível... O colunista quer criticar o slogan deste ano escolhido pelo governo Lula, e para isto tenta fazer uma análise histórica, tão ruim quanto sua crítica inicial. Pura perda de tempo a leitura deste texto confuso e perdido ideologicamente.