Folha de S. Paulo
Slogan cunhado pelo governo para o 7 de
Setembro revela que inexiste um consenso
"Democracia, soberania e união"
–o slogan cunhado pelo governo para o 7 de Setembro revela que inexiste um
consenso nacional mínimo sobre o significado da Independência. Nisso, o Brasil
distingue-se tanto dos EUA quanto dos países da América Hispânica.
Independência é ruptura: revolução. As
guerras de independência nas Treze Colônias e na América Espanhola desaguaram
em Repúblicas, exprimindo uma cisão radical com as monarquias europeias. Na
América Portuguesa, também ocorreu uma revolução de colonos –que, no entanto,
gerou um Estado monárquico. Continuidade na ruptura.
O Brasil já não era colônia de fato desde a transferência da Corte –e deixou de sê-lo, de direito, em 1815. No fundo, Portugal tornara-se, a um só tempo, colônia do Brasil e protetorado da Inglaterra. A Revolução do Porto (1820) derivou do declínio iniciado em 1808 e tentou revertê-lo por meio de uma Constituição liberal e da tentativa de restauração da soberania sobre a América Portuguesa.
Esqueça a "democracia" do slogan.
Nossa revolução de 1822 deve ser lida como contra-revolução: uma reação à
Revolução do Porto. A efêmera aliança entre Pedro 1º e José Bonifácio prometia
uma monarquia constitucional, mas a dissolução da Constituinte de 1823 anunciou
a implantação de um regime absolutista.
"União" sim, mas não no sentido
pretendido pelo slogan. Na hora da Independência, inexistia
Brasil. O que havia era uma coleção de colônias de Portugal na América do Sul.
Foi a presença de um monarca que evitou a fragmentação numa constelação de
Repúblicas caudilhescas, o destino da América Hispânica.
O Estado monárquico nascido em 1822
inventou, ao longo do tempo, por meio da espada e da palavra, a unidade
brasileira. Espada: a repressão às revoltas regionais, algumas de conteúdos
separatistas como a Confederação do Equador e a Revolução Farroupilha. Palavra:
a produção historiográfica, sociológica, paisagística e literária de um
nacionalismo brasileiro.
"Soberania", claro, mas em
sentido muito diverso do evocado no slogan. As oligarquias regionais aceitaram
subordinar-se ao monarca porque precisavam de um Estado forte, capaz de
resistir à pressão britânica pelo fim do tráfico atlântico. A unidade do Brasil
exprimiu o interesse compartilhado das elites na manutenção do escravismo. A
escravidão funcionou como poderosa solda territorial e, simultaneamente, como
razão de existência do Estado monárquico.
Os EUA sabem perfeitamente como narrar sua
independência: a Revolução Americana. As nações da América Hispânica embutem
uma mensagem consensual nos nomes dos Libertadores. O Brasil, porém, perdeu-se
no labirinto de significados ambíguos ou decididamente reprováveis de 1822. Daí
o impulso de impor-lhe leituras arbitrárias: Bolsonaro enxergou no 7 de Setembro um
trampolim para sua purificadora "intervenção militar"; Lula tenta
vesti-lo no duplo manto da "resistência democrática" e da
"reconciliação nacional".
Para nós, por tudo isso, uma só
Independência não basta. Desde 1889, as Forças Armadas passaram a narrar a
Proclamação da República como a "segunda Independência" – e, em 1895,
inventaram a tradição dos desfiles militares do 7 de Setembro. O novo poder
apropriava-se dos despojos do velho.
Bem mais tarde, pela esquerda, sob o
influxo do terceiro-mundismo, falou-se na necessidade de uma "nova
Independência", que dependeria da ruptura com o "imperialismo
americano". O Lula de
2009, no apogeu do verde-amarelismo petista, descreveu a descoberta do pré-sal
como ponto de partida de uma redentora "nova Independência". Hoje, à
luz das doutrinas identitárias, sobram acusações iradas à "falsa
Independência", assim como à "falsa Abolição".
O golpe retórico de declarar o passado um
impostor ou um farsante não o modifica, mas nos paralisa. A esfinge do 7 de Setembro
merece decifração melhor.
2 comentários:
Pois é!
Que texto horrível... O colunista quer criticar o slogan deste ano escolhido pelo governo Lula, e para isto tenta fazer uma análise histórica, tão ruim quanto sua crítica inicial. Pura perda de tempo a leitura deste texto confuso e perdido ideologicamente.
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