Combate aos supersalários é prioritário
O Globo
Pelo menos 25,5 mil servidores públicos
receberam acima do teto constitucional no ano passado
O Brasil convive com distorções que não
podem ser consideradas normais. É o caso dos supersalários da elite do
funcionalismo. Não é possível que alguém ache justo ganhar acima do teto
constitucional, incorporando ao salário, sem constrangimento, penduricalhos que
permitem romper o limite de R$ 41.650, valor correspondente à remuneração de um
ministro do Supremo.
O Senado, onde tramita desde 2016 uma proposta para limitar os supersalários, relacionou nada menos que 39 tipos de penduricalhos que servem para turbinar os contracheques, como mostrou reportagem do GLOBO. São gratificações por tempo de serviço, remuneração por assumir outras funções, adicionais para capacitação profissional, auxílios-paletó, creche, aluguel e por aí vai. Esses extras — conhecidos como “verbas indenizatórias” — podem até dobrar o salário do servidor. Para citar um exemplo, num único mês um promotor pode receber R$ 34 mil de salário, mais R$ 34 mil de verbas indenizatórias, furando o teto.
A prática está tão arraigada nos três níveis
da administração e nas três esferas de poder que a classe política nem pensa em
derrubá-la. Dos 39 penduricalhos, o Senado propôs a manutenção de apenas nove.
Na Câmara, para onde o projeto foi enviado, o número foi ampliado para 32.
Significaria praticamente deixar tudo como está. Mesmo assim, a proposta nunca
foi votada.
Um estudo do Centro de Liderança Pública
(CLP) mostrou que no ano passado havia 25,5
mil servidores recebendo acima do teto no país. Em média, ganhavam
R$ 12,7 mil além do limite. As remunerações mais altas estão no Judiciário, no
Ministério Público e no Executivo federal. O privilégio, sem cabimento num país
conhecido por ter um serviço público caro e ineficiente, custa R$ 3,9 bilhões
por ano.
A questão obviamente não se resume ao
impacto orçamentário, até baixo. Trata-se, sobretudo, de péssimo exemplo que
contribui para as distorções no funcionalismo. “Cinquenta por cento dos
servidores públicos recebem até R$ 3.500, um salário modesto. Setenta por
cento, até R$ 5 mil. Se a gente quer reduzir as desigualdades, governos têm de
dar exemplo, não podem perpetuá-las ou ampliá-las com esses supersalários”,
afirma Helena Wajnman, diretora executiva do Instituto República.org.
É bom sinal que o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, se mostre favorável à aprovação do projeto que ataca os
supersalários. Para ele, a proposta significaria “uma economia robusta para o
Estado brasileiro”. Com tantas necessidades prementes, especialmente em
educação, saúde, assistência social, segurança e infraestrutura, o Brasil gasta
bem mais com pessoal (ativo e inativo) que os países ricos da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) — 13,5% do PIB, ante média de
9,3%.
Evidentemente, os supersalários são apenas
parte de uma discussão maior: a reforma administrativa, necessária para dar
eficiência e modernizar o serviço público, reduzindo gastos e acabando com
privilégios num país desigual. O governo tem sido pressionado pelo presidente
da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a incluí-la na agenda de prioridades. Mas o
tema é evitado pelo PT, partido que tem laços históricos com as corporações do
funcionalismo. O governo poderia ao menos seguir a recomendação de Haddad e
combater os supersalários. Já seria alguma coisa.
Retorno dos golpes à África reforça
tendência de ‘recessão democrática’
O Globo
Militares provocaram rupturas
institucionais no continente pelo menos oito vezes desde 2020
Depois de duas décadas de declínio, os
golpes de Estado voltam a assombrar a África, reforçando o movimento global que
o cientista político Larry Diamond batizou de “recessão democrática”. No caso
africano, em vez de autocratas minarem a democracia por dentro, como na Hungria
ou na Venezuela, estão de volta golpes militares clássicos, com tomada do poder
à força.
No Níger, em fins de julho,
militares, a maioria em uniformes camuflados, anunciaram em rede nacional de TV
a deposição do presidente Mohamed Bazoum. O líder dos golpistas declarou agir
em razão da situação cada vez pior na área da segurança e da má gestão do
governo. No final de agosto, também pela TV e usando figurino idêntico,
militares no Gabão afirmaram
intervir na condução do país porque “o método da eleição não tinha sido bom”.
Desde 2020, houve oito golpes nas regiões central e ocidental da África. Além
de Níger e Gabão, a lista inclui Chade, Guiné (um cada), Burkina Faso e Mali
(dois cada).
Para angariar apoio popular, parte dos
golpistas explora o sentimento contrário à França, ex-poder colonial ainda com
presença militar na região. A estratégia tem funcionado. Mas a influência
francesa, em declínio, não pode ser responsabilizada pela falta de avanços na
economia, na educação e na saúde. Pesquisas de opinião mostram a confiança dos
africanos na democracia como melhor sistema. Na prática, contudo, poucos países
do continente são realmente democráticos. Os que são não têm cumprido as
promessas de desenvolvimento e melhoria das condições de vida.
No ano passado, apenas 7% dos africanos
viviam em países considerados livres pela Freedom House, ONG que classifica
regimes políticos. O grupo reunia Gana, Namíbia, Botsuana e África do Sul. Em
lugares como Quênia, Nigéria, Malauí, Senegal e Zâmbia, há eleições, e os
perdedores costumam aceitar os resultados quando perdem. Mas, em vários países,
líderes aprenderam a usá-las para se perpetuar no poder. Mudanças
constitucionais permitem reeleições em série. Paul Biya, o presidente dos
Camarões, está no poder desde 1982. Yoweri Museveni, de Uganda, chegou à
Presidência em 1986. Ali Bongo, afastado pelo golpe no Gabão, é de família que
comandou o país por cinco décadas.
Na área social, houve melhorias na última
década. A proporção de famílias com renda ou consumo abaixo de US$ 1,9 por dia
caiu de 40% em 2010 para 34% em 2018. A fatia na faixa abaixo de US$ 3 saiu de
63% para 59%. Embora positivas, as conquistas foram tímidas diante dos
desafios. Infelizmente, a pandemia fez tudo retroceder. A África (sem contar a
região Norte) foi a região do mundo onde o impacto do coronavírus na pobreza
foi mais agudo. Apenas em 2020, 31 milhões entraram no grupo dos miseráveis. A
crise social dos últimos três anos está entre as causas do apoio popular aos
golpistas. É ilusão achar que os atuais homens em uniformes camuflados
resolverão os problemas. Antes deles, muitos outros fizeram as mesmas
promessas.
Pelas beiradas
Folha de S. Paulo
Reforma ministerial tem alcance modesto,
assim como ambição legislativa de Lula
Decorridos mais de dois meses de barganhas
e pressões variadas, foi
modesta a reforma promovida por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em seu
ministério. Houve não mais que uma demissão, uma transferência de
posto e uma recriação de pasta, tudo isso para acrescentar mais dois partidos
aos representados na Esplanada brasiliense.
As mudanças se deram somente na periferia
do primeiro escalão —mais precisamente, em estruturas que nem mesmo justificam
com clareza o status ministerial, casos de Esporte, Portos e Aeroportos e a
recriada pasta das Micro e Pequenas Empresas.
A necessidade política de reforçar a base
de sustentação ao Planalto no Congresso poderia ser combinada com algum
aperfeiçoamento administrativo, mas não foi o que aconteceu. Ninguém foi
substituído por demérito e nenhum dos ingressantes apresenta alguma credencial
maior para o cargo.
Apontado no início do processo como partido
que deveria ceder vagas, o PT
terminou agarrado a seus 11 ministérios —de um total que subiu de 37 para 38.
Nesse conjunto estão postos-chave para as
decisões de governo (Casa Civil, Relações Institucionais, Secretaria-Geral e
Fazenda), pastas com muitos recursos e visibilidade (Educação e Desenvolvimento
Social) e setores estratégicos para a agenda do partido (Trabalho, Gestão,
Mulheres, Comunicação e Desenvolvimento Agrário).
Como já se viu no passado, a resistência
petista em dividir de fato o poder tende a tornar mais frágeis as coalizões
situacionistas. Ao todo, haverá agora 11 partidos com nomes no primeiro escalão
—no entanto isso não garante necessariamente o apoio integral dessas legendas
no Congresso.
Um dia após a reforma ministerial, na
quinta (7), o Republicanos, agraciado com Portos e Aeroportos, divulgou
nota para afirmar que não fará parte da base de Lula. É também incerto o
grau de adesão do PP, que ganhou Esporte.
As duas legendas têm laços com o
bolsonarismo. Ademais, a primeira abriga o governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas, um potencial candidato ao Planalto, e a segunda, o presidente da
Câmara dos Deputados, Arthur Lira (AL), que busca preservar o protagonismo
recente do Legislativo.
Do ponto de vista da articulação política,
o governo não está errado em ao menos buscar os votos de parcelas dessas
siglas, valendo-se da distribuição de cargos e verbas. Esse tipo de aliança,
porém, costuma ser mais volátil.
Por ora ao menos, Lula parece operar mais
para evitar sustos no Congresso, como o assédio de CPIs e projetos de lei
tresloucados, do que propriamente arregimentar forças para uma agenda
ambiciosa.
Cemitérios de obras
Folha de S. Paulo
PAC mira projetos inacabados, mas deve-se
avaliar se todos merecem mais aportes
Certas promessas são recorrentes em todo
início de governo. Uma delas é a retomada de obras paralisadas com a
justificativa de combater o desperdício de dinheiro público. Não foi diferente
no caso do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que deu destaque ao tema
na nova
edição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
A intenção, em princípio, é correta, mas o
passo seguinte deve ser uma análise mais aprofundada. Em muitos casos, o aporte
adicional pode significar mais gasto em empreendimentos perdulários, mal
planejados ou sem clara utilidade para a população.
Segundo levantamento do Tribunal de Contas
da União, há cerca de 8,6 mil obras públicas paradas no país, o equivalente a
41% do total da carteira de iniciativas em andamento. O percentual tem
crescido: eram 29% em 2020 e 38% em 2022, como noticiou o Valor Econômico.
Os dados mais recentes mostram que a lista
de projetos no limbo já recebeu R$ 8,3 bilhões em recursos do erário e
demandaria mais R$ 24 bilhões para a conclusão.
Os setores de educação, infraestrutura e
utilidade pública respondem pela maior parte dos casos, aproximadamente 63% do
total. Os
exemplos vão de escolas e creches até projetos de pavimentação e corredores de
ônibus.
A conveniência de retomar muitas das obras
talvez seja duvidosa, uma vez que podem ser necessárias alterações de condições
contratuais e até mesmo novas licitações.
Inventariar material e periciar a qualidade
do que foi entregue são exemplos de tarefas que trazem novos custos e não
necessariamente geram resultados positivos óbvios.
Cumpre avaliar, como fazem empresas, se
valores já aportados em algum projeto problemático têm potencial de recuperação
se a ele forem destinados mais recursos. Caso a resposta seja negativa, deve-se
reconhecer o erro anterior e descontinuar o projeto.
Naturalmente, é preciso apurar se houve
vício na decisão original, seja de má gestão ou de corrupção, o que deve ser
objeto de medidas administrativas e legais adequadas.
Corrupção e incompetência andam juntas
muitas vezes, mas nem sempre. Melhorar o planejamento estatal demanda evolução
institucional em várias frentes.
Politicamente, cabe entender que mudanças de governo, em todos os níveis, não podem levar a desconsiderar o que foi feito antes, talvez a principal razão para os milhares de canteiros abandonados no país.
Emendas parlamentares estão exageradas
O Estado de S. Paulo
Na proposta do Executivo, as emendas
receberam fatia desproporcional do Orçamento. Não cabe aumentá-las mais, o que,
além do efeito fiscal, desfiguraria a função do Legislativo
Enviado pelo governo ao Congresso, o
Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) reservou R$ 37,6 bilhões para emendas
parlamentares em 2024. A quantia se refere a emendas impositivas, que o
Executivo tem a obrigação de pagar. Essa verba representa 2% da Receita
Corrente Líquida (RCL) da União e cresceu R$ 2 bilhões de um ano para o outro.
Reportagem do Estadão mostrou, no entanto,
que os deputados e senadores não ficaram satisfeitos com o montante previsto no
Orçamento. Querem, ao menos, mais R$ 20 bilhões, um valor que não tem nada de
aleatório. Representa justamente a soma que era paga, até o ano passado, em
emendas de relator, a base do orçamento secreto.
Revelado por este jornal, o esquema
funcionou entre 2020 e 2022, quando o governo Bolsonaro abdicou do controle do
Orçamento para construir uma base de apoio no Legislativo. O dinheiro era
controlado pela cúpula do Congresso, que a distribuía livremente, por critérios
nada transparentes, sem vinculação a políticas públicas e sem informar a
autoria da indicação.
Formalmente, essas indicações eram do relator
do Orçamento. Na prática, somente os presidentes da Câmara e do Senado sabiam
quem recebia a emenda, quanto recebia, quando recebia e, sobretudo, por que
recebia. Afinal, um deputado que soubesse que seu voto, em termos monetários,
valia menos que o de um colega poderia retaliar o governo na apreciação de
outra proposta. A falta de transparência era crucial para o funcionamento dessa
estrutura.
Justamente por esse motivo, o Supremo
Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade do orçamento secreto.
Considerou que o esquema desrespeitava a transparência que deve reger o uso dos
recursos financeiros do Estado e era incompatível com a publicidade e a
impessoalidade, princípios constitucionais que devem pautar os atos do poder
público, também os do Congresso.
O julgamento do STF se deu em dezembro do
ano passado, com o Orçamento proposto por Bolsonaro já aprovado. Sabendo que
não contava com uma base de apoio firme no Legislativo, o governo recém-eleito
optou por evitar um desgaste político antes mesmo da posse. Remanejou,
portanto, a verba do orçamento secreto para outros tipos de emendas
parlamentares nas quais é possível identificar o autor, e conseguiu maioria
para aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição.
Neste ano, o governo Lula elaborou um
Orçamento que expressa a promessa de zerar o déficit no ano que vem. Para
chegar a esse resultado, o Executivo
conta com medidas que ainda dependem do
aval do Congresso para se converterem em receitas. Com a aprovação dessas
propostas, a meta de déficit zero já é improvável; sem elas, no entanto,
torna-se materialmente impossível.
Não há, portanto, nenhuma folga para
aumentar o valor das emendas parlamentares para além dos R$ 37,6 bilhões já
reservados. Considerando apenas as emendas individuais, cada deputado poderá
indicar R$ 38 milhões para suas bases; e cada senador, R$ 66 milhões. O
montante independe da posição política de cada parlamentar, e mesmo quem faz
oposição ao governo tem direito a recebê-lo.
A elaboração do Orçamento é prerrogativa do
governo, o que não impede que deputados e senadores façam ajustes no momento de
apreciá-lo. Nenhum dos Três Poderes é absoluto. Como se sabe, recompensar
parlamentares pelo apoio a votações relevantes para o Executivo é parte do jogo
democrático, desde que (i) os valores sejam razoáveis, (ii) as indicações
tenham autoria e destino transparentes e (iii) atendam a políticas públicas
consistentes.
A relação entre Executivo e Legislativo
pode e deve ser aprimorada, incluindo o pagamento de emendas. Para isso, o
Congresso deve ser responsável. As emendas parlamentares já abocanharam uma
fatia muito grande do Orçamento-Geral da União. Se politicamente é difícil
diminuir o valor proposto pelo Executivo, tampouco há qualquer folga fiscal
para aumentá-lo. Além disso, quem deseja executar o Orçamento deve se
candidatar ao Executivo, não ao Legislativo.
Retrocesso petista na Petrobras
O Estado de S. Paulo
Sob influência do governo, com sua visão
monopolista ultrapassada, Petrobras cancela vendas de ativos e tenta reingressar
em segmentos que abandonou. É o retorno a velhos erros
Dois anúncios recentes, feitos no mesmo dia
pela Petrobras, chamaram a atenção pela sinalização política. O primeiro foi o
de cancelar negociações para a venda de dois polos terrestres com um total de
35 campos produtores, além da participação em um campo marítimo na costa da
Bahia. O segundo foi o acordo com o fundo árabe Mubadala – que há dois anos
comprou da petroleira a refinaria de Mataripe, na Bahia – para investimento na
unidade.
À parte a questão negocial, relativa à
empresa, seus acionistas e investidores, o fato é que, somadas a outras
desistências de venda informadas desde o início do ano, as medidas representam
um recálculo de rota. O retorno a segmentos dos quais a petroleira havia
decidido afastar-se, como a produção de fertilizantes, indica não se tratar de
mero ajuste, mas de redefinição de uma política.
Uma fábrica de fertilizantes em Mato Grosso
do Sul, ainda em construção, teve sua venda cancelada; outra, no Paraná, desativada
em 2020, será retomada. Notícias sobre um eventual retorno à atividade de
distribuição de combustíveis, abandonada desde a privatização da BR, em 2019,
não foram negadas. Aos questionamentos da Comissão de Valores Mobiliários
(CVM), a Petrobras respondeu que ainda não há uma decisão tomada.
Na área petroquímica, a empresa age do
mesmo modo. Segundo seu presidente, Jean Paul Prates, a Petrobras pode aumentar
sua participação na Braskem, a maior petroquímica brasileira, cujo controle é
dividido pela petroleira e pela Novonor (ex-Odebrecht), que tenta vender sua
parte para quitar as dívidas acumuladas pós-crise da Lava Jato.
A cada nova gestão federal, é natural que a
mudança no comando da petroleira busque alinhar a estratégia da empresa aos
preceitos gerais do governo eleito. Mas as regras estatutárias, impedindo
ingerência política, são muito claras. E ficaram mais rigorosas depois dos
escândalos de corrupção revelados pela Lava Jato, que expôs o desvio de bilhões
de reais da companhia.
Até hoje a Petrobras, na condição de
vítima-beneficiária, é ressarcida pelos estragos. Neste ano, de acordo com
comunicados da empresa enviados à CVM, recuperou ao menos R$ 588 milhões por
acordos de leniência e colaboração premiada. Os prejuízos financeiros e de
imagem causados pelo uso indevido do poder da Petrobras na definição de
contratos de obras e serviços, distribuição de cargos e um sem-número de
desmandos colocaram a empresa no degrau mais alto de endividamento mundial em
2015, com US$ 160 bilhões.
Governo federal (com 28,67%), BNDESPar
(6,9%) e BNDES (1,04%) formam o grupo de controle da companhia, o que equivale
dizer que a União detém o poder de mando da empresa com 36,61%. O restante está
em mãos de acionistas privados, nacionais e estrangeiros, que cobram da
companhia uma atuação de empresa de capital aberto que ela nunca chegou a
apresentar de fato, apesar do rigor das regras de governança. Nos quatro anos
de governo Bolsonaro, teve quatro presidentes e chegou a ser militarizada com
um pelotão de generais, coronéis, majores e capitães.
Agora, novamente sob o governo Lula, a
Petrobras parece rumar em direção a grandes obras e a um controle maior do
mercado petrolífero, que desde 1997 teve o monopólio quebrado por lei. Desde o
início do ano, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, enviou ao
menos três ofícios à Petrobras pedindo a revisão dos desinvestimentos,
inclusive aqueles que já haviam tido contratos assinados. O próprio Lula já se
manifestou publicamente. “Avisei ao Jean Paul que é preciso suspender todas as
vendas de ativos”, disse, em março.
Expedientes como estes representam não
apenas um risco para a Petrobras e seus acionistas, mas também um grande
descrédito para o País. Não há como impor, a cada mudança de governo, novas
regras, ignorando contratos anteriormente firmados. Também é um retrocesso
restaurar uma visão monopolista de mercado – que não faz sentido em uma
economia globalizada –, além de propiciar ambiente favorável à corrupção e a
toda sorte de malfeitos e ineficiências.
Admirável insistência no erro
O Estado de S. Paulo
Entra governo, sai governo, a Codevasf
permanece como fonte de escândalos. E ninguém se escandaliza mais
Amais recente investigação da Polícia
Federal sobre fraudes e irregularidades em contratos da Companhia de
Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) no Maranhão
causa indignação. Mas não surpreende. Criada em 1974 para promover a irrigação
do semiárido e o desenvolvimento de áreas rurais de 16 Estados, a estatal
converteu-se em celeiro de barganhas entre o governo federal e o Centrão,
escoando recursos do contribuinte para políticas eleitoreiras. O assombro fica
por conta da tolerância com o esquema. Entra governo, sai governo, ele parece
permanecer intacto.
Evidências, alertas e cobranças do Tribunal
de Contas da União (TCU) e da Corregedoria-Geral da União (CGU) sobre as
irregularidades em obras avalizadas pela Codevasf têm sido recorrentes nos
últimos anos. A cada escândalo, porém, assiste-se à negligência do governo
federal. Até o momento, não se vislumbra nenhum empenho para desfazer o
controle partidário da “Estatal do Centrão”, tampouco para impedir seu uso
eleitoreiro por parlamentares, via emendas de relator e outros instrumentos de
destinação de recursos públicos. A inércia reflete-se em obras superfaturadas e
de baixa qualidade, que beneficiam empreiteiras não raro ligadas a políticos, e
em doações de máquinas e equipamentos com base no compadrio típico dos tempos
do coronelismo.
A recente iniciativa da Polícia Federal, no
âmbito da Operação Benesse, teve relatório da CGU como base. O texto evidenciou
superfaturamento de R$ 2,2 milhões em obras da Codevasf em Vitorino Freire
(MA). O caso resvala no ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União
Brasil-MA), incluído entre os investigados, e alcançou sua irmã, Luanna
Rezende, afastada do cargo de prefeita.
Como deputado, Juscelino destinou R$ 16
milhões em emendas de relator, via Codevasf, para a cidade. Pelo menos quatro
empresas cujos donos são ligados ao ministro venceram licitações da estatal
para obras na cidade que, juntas, somam R$ 36 milhões. Como não bastasse,
Juscelino usufruiu do asfaltamento de estrada que passa pela porteira de sua
fazenda, avalizado pela Codevasf, para o qual destinou R$ 5 milhões por meio do
orçamento secreto. Seus bens estão bloqueados por decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF). Embora ilustre o uso político da estatal, esta é apenas uma das
inúmeras variantes do escoamento de recursos públicos sem critérios técnicos,
para atender a interesses eleitorais.
As evidências de governança falha da Codevasf e de negligência, registradas nos relatórios dos órgãos de controle, somam-se a cada escândalo. O governo federal tem o dever de estancar essa fonte de irregularidades e de resgatar a Codevasf da gestão partidária e do compadrio político. Basta de tantos malfeitos com o dinheiro público. É preciso atender responsavelmente às legítimas demandas e às necessidades de pequenos agricultores e pescadores do semiárido. E, obviamente, investigar e punir os indícios de crimes envolvendo a Codevasf. Ação estatal não pode ser sinônimo de corrupção.
Meio ambiente tem a ver com câncer
Correio Braziliense
A doença tem diferentes causas. A maioria
delas é por fatores ambientais, que respondem por 80% a 90% dos casos
O Instituto Nacional do Câncer (Inca) prevê
uma queda da mortalidade prematura pela doença entre 2026 e 2030, na faixa
etária de 30 a 69 anos, na comparação com os dados do Sistema Nacional de
Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, de 2011 e 2015. A
projeção positiva dos pesquisadores do Instituto não significa a erradicação da
doença, mesmo com todos os avanços da ciência e da medicina, ainda há um
caminho a seguir até a cura dos variados tipos de câncer.
A pesquisadora do Inca, Marianna Cancela,
da Coordenação de Prevenção e Vigilância (Conprev), lembra que ao mesmo tempo
que há previsões positivas para alguns tipos de câncer, existem outras de
aumento do número das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNTs), entre as
quais estão câncer, diabetes mellitus, respiratórias crônicas e aparelho
circulatório.
Entre os exemplos de crescimento do número
de casos, citados pela pesquisadora, está o câncer de intestino, ou colorretal,
com risco de morte prematura tanto para homens quanto para mulheres. O avanço
do número de casos poderá ser de até 10% no Brasil, como um todo, mas com
variações distintas entre regiões. As diferenças têm relação com o grau de
desenvolvimento socioeconômico regional. De acordo com o estudo do Inca, o
Norte deverá ter o maior aumento de casos (52%), seguido do Nordeste (37%),
Centro-Oeste (19,3%), Sul (13,2%) e Sudeste (4,5%). A desigualdade social e
econômica aparece como fator comprometedor de parcela dos brasileiros. Nas
regiões com menor grau de desenvolvimento, carentes de serviços públicos de
alta qualidade, principalmente no campo da saúde, há um maior comprometimento
da vida dos cidadãos.
O câncer tem diferentes causas. A maioria
delas é por fatores ambientais, que respondem por 80% a 90% dos casos. Entre
eles, estão as intervenções humanas no meio ambiente, hábitos e comportamentos
inadequados, tais como tabagismo, ingestão desregrada de álcool, sedentarismo,
alimentação, obesidade, exposição solar, radiações e medicamentos. A predisposição
genética fica na faixa de 10% a 20%.
A preservação da flora e da fauna, os cuidados contra a poluição de nascentes,
rios e mares são cobrança permanente dos ecologistas e dos militantes
ambientalistas. As advertências têm sentido. Ainda que muitos coloquem em
dúvida a relação qualidade de vida e meio ambiente, pesquisadores, médicos e
cientistas apontam os impactos da degradação ambiental na saúde humana. Em
recente entrevista ao Correio Braziliense, a oncologista Ana Carolina Salles
citou a suspeita em torno do plástico (micropartículas) com aumento do câncer
de intestino.
O estudo do Inca reforça a necessidade de políticas públicas de saúde pública preventivas de modo geral, mas especial e multissetorialmente em relação ao câncer. As unidades de saúde têm de ser dotadas de capacidade para fazer prevenção, diagnóstico precoce, tratamento com nível de excelência. Hoje, a rede pública ainda está muito aquém das demandas da sociedade brasileira. A maioria dos cidadãos não tem condições de aderir aos planos de saúde privados. Ou seja, ficam desguarnecidos quando a vida deles depende de atendimento de alta complexidade. Essa dura realidade exibe um Brasil que está longe de vencer as iniquidades, o que o torna menor mesmo sendo detentor de uma riqueza invejável.
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