Folha de S. Paulo
Tribunal emitiu mandado de prisão contra
Putin por crime de guerra
O presidente russo, Vladimir
Putin, e sua comissária para os direitos da infância, Maria Alekseyevna
Lvova-Belova, têm contra si mandados de prisão emitidos pelo Tribunal
Penal Internacional (TPI). São acusados de crime de guerra: a
deportação para a Rússia de
crianças que viviam no território ucraniano ocupado por Moscou.
Esses mandados devem ser cumpridos —por todos os 123 países signatários do
Estatuto de Roma, que criou o TPI em 1998, entre eles o Brasil.
A corte é fruto tardio do secular esforço para civilizar as relações entre países beligerantes, no lugar do uso indistinto da força bruta.
Em 1928, ainda à sombra da hecatombe
da Primeira
Guerra Mundial e da criação da Liga das Nações, o chamado Pacto de
Paris declarou a ilegalidade do recurso à guerra que, desde que o mundo é
mundo, era aceito como legítimo e constituía princípio ordenador do sistema
internacional.
O pacto não substituiu a política de poder.
Nem impediu a sangria desatada do conflito mundial de 1939-45, culminando com
as bombas atômicas lançadas sobre o Japão. Mas foi o início da mudança
normativa que veio para ficar.
Essa é a tese do belíssimo livro dos
professores Oona Hathaway e Scott Shapiro, da Universidade Yale (Os internacionalistas: como
um plano radical para proscrever a guerra refez o mundo —em tradução livre).
Pois, se o confronto armado entre nações deixou ser legal, seus desdobramentos
—agressões, invasões, massacres de civis e outras barbaridades— tornaram-se
crimes a ser tipificados e punidos.
A partir daí foi longo o trajeto até o
estabelecimento do TPI e o ainda precário reconhecimento de que a soberania dos
Estados não pode proteger autoridades responsáveis por crimes contra populações
inteiras. O trajeto passou pelo pioneiro Tribunal de Nuremberg (1945-46);
seguido pelo de Tóquio (1946).
Vieram depois a Convenção de Prevenção do
Genocídio (1948), no âmbito das Nações Unidas; a Comissão de Direito
Internacional, já sob a Guerra Fria; o desenvolvimento da lei internacional
penal; e os tribunais penais para a Iugoslávia (1993) e Ruanda (1994).
O Brasil foi signatário de primeira hora do
Estatuto de Roma. Isso nunca impediu governo algum de comerciar com a China,
dialogar com Cuba e Arábia Saudita ou sentar-se à mesa com a Rússia. Nem é
preciso rejeitar o TPI para continuar a fazê-lo.
Afinal, seus princípios civilizatórios
coincidem com os que moldam a identidade brasileira no mundo: um país que preza
a paz e prioriza o entendimento, sob regras compartilhadas, em vez do que seria
a tentativa desvairada de impor o interesse nacional pela força.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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