Valor Econômico
G-20, Brics e COP 30 no Brasil entre 2024 e
2025 mostram que Brasil terá dificuldade de abrir mão das Forças Armadas, que
exigem comando
No biênio 2024/25, o Brasil terá a maior
confluência de eventos a projetar a imagem do país. Em novembro de 2024, o Rio
sediará a cúpula do G-20, um ano depois, Belém, a COP 30 e, também em 2025, o
encontro do Brics, possivelmente, acontecerá em Brasília.
Em Nova Déli, o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva ofuscou o desempenho do Brasil na negociação do acordo que levou ao
surpreendente documento final com uma declaração descabida sobre o Tribunal
Penal Internacional, da qual recuou sem convencer.
Se Lula pretende deixar a decisão de prender Vladimir Putin com a Justiça, esta hoje tem a percepção de que o líder russo não correrá o risco de vir. Mais difícil é afastar o perigo dos chefes de Estado que virão. Pelo risco de serem alvejados não pela lei mas pelo crime.
Além do combate à desigualdade, o
desenvolvimento sustentável e a reforma do Conselho de Segurança das Nações
Unidas, prioridades anunciadas em Nova Déli, o Brasil tem o desafio de mostrar
tanto a superação das ameaças à democracia quanto daquelas da segurança.
Convencido de que acertou ao rejeitar uma
operação de Garantia da Lei e da Ordem em 8 de janeiro, Lula pediu uma
alternativa ao modelo. Esta alternativa, que envolveria a atuação conjunta de
todas as forças de segurança, sob uma coordenação civil, esbarra na resistência
das Forças Armadas.
Os militares resistem porque não querem se
submeter a instâncias intermediárias, visto que a Constituição os subordina ao
presidente da República, e também não veem garantias de que seriam julgados
pela Justiça Militar por atos cometidos durante as operações. A contenda, que
opõe os ministros da Justiça, Flávio Dino, e da Defesa, José Múcio, ainda está
longe de uma resolução.
Em 31 anos, houve 145 GLOs no país. Sua
decretação pode advir de greve de policiais, violência urbana, eleições e
eventos internacionais. E foram estes últimos os motivos mais frequentes de sua
decretação.
Um total de 39 eventos contou com GLOs,
desde a primeira delas, a conferência Rio 92, precursora das conferências do
clima, as COPs, até uma simples Conferência Mundial do Café.
Em três décadas, as GLOs garantiram a
segurança de cinco encontros do Mercosul, três do Brics, dois do BID, da Copa
do Mundo e das Confederações, da Olimpíada, da visita do Papa Bento XVI e até
da vinda de um único chefe de Estado, George W.Bush, em 2007.
Na Índia, país que convive com o trauma do
assassinato de Mahatma Gandhi (1948), pai da nação, e de dois
primeiros-ministros, Indira Gandhi (1984) e Rajiv Gandhi (1991), o G-20 teve um
esquema de segurança sem precedentes na história da cúpula.
O plano de defesa foi montado para reagir a
ataques de drones, mísseis e até de aviões como aqueles do 11/9, que completou
22 anos. A defesa do espaço aéreo arregimentou desde os antigos caças russos
Sukhol até os Rafales que o país acabou de comprar. Do Exército saiu a maior
fatia dos 50 mil militares que se juntaram aos 80 mil policiais de Déli.
No Brasil, pelo menos no G-20,
acrescentem-se os desafios da topografia do Rio. Quantos hotéis estão na linha
de mira dos morros da cidade? Além disso, como tanto o G-20 quanto a COP 30
acontecerão no litoral, dificilmente será possível abrir mão da Marinha. A Polícia
Federal cogita criar uma coordenação de proteção a pessoas, mas o aparato está
nas mãos de militares, que querem um general no comando.
Não há ilusão, no governo brasileiro, de
que será possível reprisar esta segurança sem as Forças Armadas. A questão é
saber se será possível submetê-las a um comando civil.
Uma coordenação civil das forças de
segurança do país demonstraria que o Brasil, de fato, foi capaz de avançar
institucionalmente não apenas depois do 8/1 como também depois de intervenções
como a da segurança no Rio, em 2018. Sabe-se agora que, depois de ter começado
com ares de salvação da pátria, terminou em desvios.
Foi na Índia, porém, que Lula se deparou
com a necessidade de optar entre suas convicções em relação à ameaça a seu
governo e às instituições e a necessidade de montar uma segurança capaz de
garantir a presença dos chefes de Estado.
Nenhum aparato será capaz de evitar que Joe
Biden desembarque no Brasil sem os mesmos 14 aviões em cujos porões se
transportaram os carros da comitiva americana em Nova Déli.
Também é verdade que as forças de segurança
se valem das ameaças do terrorismo e do crime organizado para alimentar seus
arsenais - e seu poder. Mas dificilmente Lula estará em condições de pagar para
ver. Por isso se acredita, cada vez mais, que não será desta vez que se poderá
abandonar as GLOs.
Só a investigação e o julgamento dos
militares - da reserva e da ativa - envolvidos no 8/1 seria capaz de
contrabalançar o recuo e deixar o país mais perto de virar a página da
intervenção militar na ordem civil.
Estorvo
O ex-desembargador Sebastião Coelho
denunciou o que chamou de tentativa de “intimidação” do CNJ que, depois de
iniciada a sessão de julgamento dos envolvidos nos atos de 8/1, resolveu abrir
processo para cassar sua aposentadoria.
Antes de virar advogado de um dos quatro
réus em questão, ele se notabilizou com um discurso em que atribuiu sua
aposentadoria a um ato de rebeldia contra o discurso do ministro Alexandre de
Moraes em posse na presidência do TSE.
O dano do ativismo do CNJ poderá ser
aquilatado se o julgamento dos outros 228 réus for para o plenário virtual. A
decisão não apenas afetaria a isonomia do julgamento como estaria a demonstrar
que a ação penal dos atos antidemocráticos virou estorvo para a Corte.
Um comentário:
Sim.
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