Folha de S. Paulo
Ditames da civilização exigem que israelenses
e palestinos refreiem instintos mais primitivos
O sangrento ataque do Hamas é
fruto de décadas de abusiva ocupação
israelense sobre os territórios palestinos. Essa é uma observação
sociologicamente irretorquível. Mas precisamos tomar cuidado para não confundir
juízos sociológicos, isto é, a realpolitik, com justificativas morais. Eu não
me surpreenderia se alguém demonstrasse empiricamente que mulheres que usam
minissaia correm maior risco de ser estupradas. É óbvio, porém, que tal
constatação jamais poderia servir de justificativa para os estupradores, por
mais sociologicamente precisa que fosse.
Uma outra lição da realpolitik do Oriente Médio ensina
que, se você ataca seu inimigo, ele fará o que puder para revidar com força
redobrada. Na lógica local, deixar de vingar-se é mostrar-se fraco, o que é um
convite a novos ataques. O Hamas sabia que suas ações de 7 de
outubro provocariam uma resposta duríssima de Israel e
que a vítima seria a população de Gaza.
Quem aceita a realpolitik para justificar as ações do Hamas deveria, para ser coerente, aplicar esse mesmo raciocínio em relação ao revide israelense.
Não há defesa moral possível para os ataques
diretos do Hamas contra civis israelenses. As tropas de Tel Aviv também entram
em terreno moralmente pantanoso quando esticam o direito de autodefesa até
transformá-lo numa espécie de punição coletiva contra os palestinos. Mas o grau
de comprometimento não é idêntico. Se comandos israelenses estivessem invadindo
casas de palestinos e os fuzilando a sangue-frio, acho que nem Biden estaria
apoiando Netanyahu.
Meu ponto é que agir civilizadamente exige
ser capaz de suprimir intuições morais e instintos primitivos. Fazê-lo não
implica renunciar a objetivos legítimos, que, no caso de israelenses e
palestinos é o mesmo: viver em
segurança num Estado soberano. Não há motivos a priori para
acreditar que não sejam capazes disso. Vários outros povos com inimizades
históricas conseguiram.
2 comentários:
Direito de autodefesa é matar mais de 750 crianças palestinas em 9 dias?
Tomara que consigam.
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