O Estado de S. Paulo
O Hamas é o mais recente sinal do fim da ‘pax
americana’
A selvageria do Hamas é um sinal apropriado
para esse mundo novo, mais brutal e imprevisível. Que já chegou: o mundo
multipolar no sentido atual da expressão, ou seja, um mundo sem uma potência
hegemônica.
Esse mundo novo encerra 70 anos do que os
historiadores já chamam de “longa paz”. Nesse novo período a Rússia iniciou a
maior guerra na Europa desde a última conflagração mundial. A China se prepara
para abocanhar Taiwan. E na percebida ausência (ou decadência) de uma potência
dominante, uma série de líderes e grupos armados regionais considera que o
momento favorece ações agressivas, cujos benefícios superariam os riscos.
É claramente o que fez o Hamas. Esse grupo terrorista integra um “arco de resistência” formado por países e grupos religiosos muitas vezes inimigos entre si, mas dedicados a diminuir ou eliminar a capacidade dos Estados Unidos de projetar poder no Oriente Médio ampliado.
As imagens do formidável porta-aviões Gerald
Ford rumo ao mediterrâneo oriental depois dos ataques do Hamas são
significativas. O que consegue uma “strike force” dessa magnitude quando os
dilemas estratégicos na superpotência nessa região nunca foram resolvidos?
Ao contrário, os americanos pagam até hoje o
preço da estúpida decisão de 2003 de invadir o Iraque. E de não saber o que
fazer durante a larga desintegração do mundo árabe na sequência de eventos de
2011 – a não ser manifestar o cansaço de ser “polícia do mundo”.
Sucessivas administrações americanas foram a
reboque de Israel na marcha de décadas para dentro de um dilema fundamental. Ao
abocanhar a totalidade dos territórios árabes e suas populações no lado
ocidental do Rio Jordão, como vem fazendo, Israel ou deixa de ser um Estado
judeu ou deixa de ser um Estado democrático – alerta que o próprio serviço
secreto interno israelense já fazia em 1998.
Nesse sentido, o que a carnificina
injustificável praticada pelo Hamas expõe vai além da complexidade do conflito
árabe-israelense. Um dos objetivos dos terroristas é torpedear os acordos de
Abraham, a tal “normalização” das relações de Israel com vários países do
Oriente Médio ampliado que incluiria até a Arábia Saudita.
Trata-se, portanto, de quem é capaz de impor
qual tipo de “solução” não apenas para o conflito mais antigo da atualidade.
Mas, sobretudo, com quais alianças regionais associadas a quais “potências de
fora”.
Nos últimos 20 anos execrou-se o excepcionalismo americano, também pela assessoria internacional do governo brasileiro, a mesma que exalta a “dimensão internacional” da atuação do Hamas. À espera do “mundo multipolar”. Que está aí, para cada um apreciar como quiser.
Um comentário:
Parece mais fim de era do que começo de outra. Admira-me o Sr escrever que o US demonstram 'cansaço' de serem a polícia do mundo, quando seus aparatos militares ganham com as guerras que eles mesmos inventam. Na verdade, estamos a caminho do fim dessa hegemonia e estão seguindo ao modelo icônico do faroeste: morrem atirando.
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