O Globo
Nenhum deles precisou fugir da cadeia para
voltar a roubar, estuprar, matar. Estavam soltos por decisão judicial
Reynaldo Rocha Nascimento, que confessou ter
estuprado, tentado degolar e, por fim, enforcado a sobrinha — Kemilly, 4 anos
de idade — em Nova Iguaçu, já tinha sido preso em flagrante por assaltos
violentos. Foi solto três dias depois.
Vitor Hugo de Oliveira Jobim, que espancou e
roubou Marcelo Benchimol — empresário, 67 anos — em Copacabana, tinha nove
anotações criminais por roubo, furto e tráfico de drogas.
Carlos José de França, suspeito de matar a facadas, em Búzios, Florencia Aranguren — 31 anos, argentina, acrobata —, tinha sido condenado a 15 anos de prisão por estupro e roubo.
Jonathan Batista Barbosa (currículo: tráfico,
duplo homicídio, violência doméstica, furto, roubo e posse ilegal de arma de
fogo) foi preso por mais um roubo numa sexta-feira, solto no sábado e, no
domingo, matou Gabriel Mongenot Santana Milhomem Santos — estudante, 25 anos —
com uma facada numa praia da Zona Sul. Seu comparsa, Anderson Henriques
Brandão, tinha 14 anotações criminais e já fora abordado 56 vezes por
policiais, no bairro.
Reynaldo, Vitor, Carlos e Jonathan não são a
exceção, mas a regra. Todos cometeram vários crimes, todos foram presos, e
nenhum deles precisou fugir da cadeia para voltar a roubar, estuprar, matar.
Estavam soltos por decisão judicial.
Num mundo ideal, teriam passado por
ressocialização antes de recuperar a liberdade. Passaram foi por um aprendizado
de impunidade, com a certeza de poderem continuar a delinquir sem maiores
consequências.
A culpa não é do juiz, que faz o que a lei
manda (e a lei diz que bandido bom é bandido solto — em regime semiaberto —
depois de cumprido 1/6 da pena). O Estado é que deve (precisa) ser
responsabilizado — pela inépcia da polícia (no Brasil, apenas um em cada três
assassinatos é esclarecido — no Rio, um em cada seis...). Pela lentidão do
Judiciário (uma alavanca para a prescrição). Por não garantir o mínimo previsto
na Constituição (direito à vida, à segurança). E todos pagamos a conta: o SUS
gastou, em 2022, R$ 41 milhões no atendimento a quase 50 baleados por dia. (Se
não é uma guerra civil, é um bom trailer.)
Não adianta aumentar as penas se elas não
forem aplicadas — e cumpridas. Se a polícia continuar investigando (salvo
exceções) precariamente. Não adianta inventar categorias (feminicídio,
lesbocídio, crime hediondo) e ter legislação mais dura no papel se, na prática,
ela for letra morta. Nem prender só para punir, sem recuperar.
No vácuo do Estado, milícias e tráfico já
dominam vastos territórios. Agora, surgem os bandos de “justiceiros”, com um
código penal próprio, à base de soco-inglês. (Pode não ser ainda a barbárie,
mas é uma boa amostra grátis.)
Se as leis fossem mais justas, e sua
aplicação efetiva, é provável que Marcelo não tivesse tido de arriscar a vida
para defender uma desconhecida na rua. Que Florencia, Kemilly, Gabriel — e
cerca de 40 mil brasileiros que morreram vítimas de violência neste ano —
pudessem comemorar mais um Natal, mais um Réveillon.
Quanto a Reynaldo, Vitor, Carlos, Jonathan e
tantos outros, terá sido apenas mais uma anotação na ficha criminal. E — ao
contrário do que sentiram suas vítimas — possivelmente nem dói.
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