sábado, 16 de dezembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Tarifa zero é uma solução oportunista e inadequada

O Globo

Liberação das catracas em São Paulo é medida eleitoreira que beneficia mais as empresas que os usuários

Faltando menos de um ano para as eleições municipais de 2024, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), candidato à reeleição, anunciou que os ônibus municipais não cobrarão passagem aos domingos. A gratuidade, que começa amanhã, abrangerá 1.175 linhas da capital mais populosa do país. As catracas serão liberadas também no Natal, no Réveillon e no aniversário da cidade. O governo não descarta estender o programa às madrugadas.

O custo, obviamente, não será zero. O município deixará de arrecadar R$ 283 milhões por ano. A Câmara reservou R$ 500 milhões no orçamento do ano que vem para financiar as gratuidades (entre elas, a já existente para idosos). Mais dinheiro para as empresas de ônibus paulistanas, cujo subsídio não para de crescer. A Prefeitura já despeja R$ 5,3 bilhões anuais, ante R$ 520 milhões em 2011.

Em véspera de ano eleitoral, projetos de tarifa zero têm se multiplicado, esquentando os debates entre pré-candidatos não só em São Paulo, mas em cidades como Belo Horizonte, Florianópolis, Salvador e Fortaleza. Tudo indica que será tema central nas eleições do ano que vem. Sua adoção na maior cidade brasileira daria impulso a uma política pública de eficácia duvidosa.

A despeito do frisson, não mais que 89 cidades brasileiras a adotam — 1,6% dos 5.570 municípios. Em geral, são cidades pequenas com orçamentos generosos. Caso de Maricá, no Estado do Rio, campeã de arrecadação de royalties de petróleo no Brasil. Faz quase uma década que os quase 200 mil moradores não pagam passagem nos “vermelhinhos”, que servem de propaganda das administrações petistas.

Não é difícil entender por que tão poucos adotam a tarifa zero. Ela custa caro. Alguém precisa ressarcir o custo de ônibus, peças, combustíveis, garagens etc. Não serão as empresas. O passageiro pode até não pagar no validador, mas pagará por meio dos recursos de seus impostos destinados a financiar o serviço.

Com o passe livre, é inevitável o aumento na demanda e, sem correspondente ampliação da oferta, a qualidade do serviço cai. Em São Caetano (SP), que banca a gratuidade com dinheiro das multas de trânsito, os passageiros mais que duplicaram em um mês. Ao mesmo tempo, o subsídio traz às empresas de ônibus um regime de faturamento confortável, dependente apenas do Estado. Operando bem ou operando mal, receberão do mesmo jeito. De onde virá o incentivo para investirem em renovação da frota, ar-condicionado, câmbio automático, wi-fi etc.?

Embora o estímulo ao transporte coletivo, em detrimento do individual, seja louvável, a tarifa zero é uma política pública sem foco. Assim como os subsídios à cesta básica — defendidos ferrenhamente pelos varejistas —, beneficia indistintamente ricos, pobres e remediados. Em São Paulo, por sinal, as gratuidades já alcançam um quinto dos passageiros, e há diversos programas que garantem subsídio a grupos específicos, como vale-transporte ou passe escolar. Políticas públicas como o bilhete único, que favorecem a integração entre os diversos meios de transporte, beneficiando quem mora mais longe, também são mais eficazes.

A tarifa zero é solução oportunista e inadequada para resolver um problema crônico de cidades brasileiras. O correto seria oferecer subsídio a quem realmente precisa e exigir das concessionárias a prestação de um serviço de qualidade. Mas talvez não renda votos.

Condenação nos Estados Unidos expõe práticas anticompetitivas do Google

O Globo

Empresa foi julgada culpada por impor regras que expulsaram jogo Fortnite de sua loja de aplicativos

Enquanto as grandes plataformas digitais têm sido forçadas na União Europeia (UE) a se enquadrar em novas leis que garantem os direitos dos cidadãos e a livre concorrência, nos Estados Unidos tem cabido à Justiça o papel de discipliná-las. Nesta semana, um júri de San Francisco considerou por unanimidade o Google culpado de adotar práticas anticompetitivas em sua loja de aplicativos para dispositivos móveis. O caso envolve a Epic Games, criadora do jogo Fortnite. Embora o juiz só vá proferir o veredito no ano que vem e ainda possa haver recurso a instância superior, a condenação do Google poderá ter implicações sobre o modelo de negócios de todas as lojas de aplicativos, levando as plataformas a repensar suas regras de relacionamento com os desenvolvedores.

A Epic acusou o Google de obrigar as empresas de aplicativos a pagar comissão de 30% para ter acesso a sua loja. Além disso, argumentou que os fornecedores de aplicativos são forçados a usar o sistema de cobrança do Google. Calcula-se que Google e Apple faturem perto de US$ 200 bilhões por ano apenas com as comissões recebidas das compras de aplicativos em celulares.

Os desentendimentos começaram em 2020, quando o Fortnite foi retirado das lojas da Apple e do Google porque a Epic passou a usar um sistema próprio de faturamento. No processo, a empresa convenceu os nove jurados da Califórnia de que a plataforma abusou de seu monopólio. Os advogados do Google argumentaram que, como a empresa compete com a Apple Store, não há monopólio. Não convenceram. A acusação venceu argumentando que o usuário teria de trocar de celular para ter acesso à loja concorrente.

O processo pode atingir também acordos de Google e Apple com fabricantes de telefones. É citado nos autos pelo menos um entendimento entre a Alphabet, dona do Google, e um dos fabricantes de celulares que usam seu sistema Android, a coreana Samsung. O acerto faz com que os telefones celulares já saiam de fábrica com aplicativos do Google, sem dar ao usuário direito de escolha. Nessa negociação, a Samsung é o lado mais fraco.

A Justiça americana já abriu outras frentes contra o Google. Numa delas, o Departamento de Justiça e vários estados processam a Alphabet por práticas anticompetitivas na pesquisa por anúncios e por dar vantagens ao próprio mecanismo de busca em detrimento de concorrentes. Se perder, o Google poderá ter de repassar seu navegador Chrome e o Android a duas empresas independentes. Os precedentes históricos citados são a divisão da petrolífera Standard Oil em 1911 e a da telefônica AT&T em 1982.

A Alphabet também enfrenta dificuldades no outro lado do Atlântico, onde a Comissão Europeia a enquadrou na legislação antitruste por alijar de forma ilegal concorrentes no mercado de anúncios digitais. Ela já foi multada em US$ 8,6 bilhões na UE. Seja na regulação das plataformas digitais, seja em processos abertos na Justiça, é preciso acompanhar de perto as experiências americana e europeia que decerto também terão desdobramentos no Brasil.

Populismo tarifário

Folha de S. Paulo

Ricardo Nunes aprofunda prática eleitoreira de maquiar custo dos transportes

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), lançou-se de vez na aventura do populismo tarifário na tentativa de reeleger-se em outubro próximo. A manobra consiste em maquiar o preço real do transporte público, sacando do contribuinte parcela crescente de seu custeio.

A tarifa do ônibus continuará congelada em 2024, anunciou o governante, perfazendo meia década fixada em R$ 4,40, contra inflação que terá se acercado de 30% no período. Além disso, aos domingos, a começar deste dia 17, a catraca será franqueada a todos os usuários.

A falsa gratuidade dominical exigirá do Tesouro paulistano direcionar R$ 238 milhões anuais, tomados do pagador de impostos, às concessionárias do transporte coletivo. Somada ao congelamento da tarifa, a iniciativa acrescentará outra larga parcela ao subsídio astronômico já desembolsado.

Em 2022 as compensações da prefeitura às empresas de ônibus chegaram a R$ 5,2 bilhões, alta superior a 40%, considerada a inflação, ante o ano anterior. Um novo recorde será batido neste ano —o repasse ficará próximo de R$ 6 bilhões— e um terceiro em 2024.

Com esses recursos, o município poderia aumentar em 30% o dispêndio com educação ou em 35% o com saúde. A dotação para habitação seria multiplicada por 2,5.

Se a opção fosse cortar impostos, o montante que permaneceria nos bolsos dos contribuintes equivaleria a pouco menos de toda a receita recebida por meio do IPVA (sobre veículos ) e do ITBI (sobre transferências de imóveis).

O debate sobre como dispor de tamanha soma de esforços deveria valer-se de dados e estudos aprofundados e ser travado à luz do dia, numa discussão política madura sobre prioridades municipais.

Nada pior do que o atropelo eleitoreiro e as reuniões fechadas para decidir o destino desse dinheiro.
A distribuição indiscriminada de subsídios por meio de controle de tarifas tende a ser má política social e péssima intervenção econômica. Ela premia ricos e pobres na mesma medida, distorce preços, prejudica a alocação eficiente de recursos e embota investimentos.

Correta foi a decisão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) de reajustar a tarifa de metrô e trens metropolitanos de R$ 4,40 para R$ 5 —alta de 13,6%, que mal chega a metade da inflação acumulada desde 2020, perto dos 27%. Entre outros efeitos, a iniciativa ajudará a estatal deficitária do transporte subterrâneo.

É lamentável que o princípio do realismo tarifário não tenha se impregnado em todos os mandatários brasileiros a esta altura do século 21. As esfregas do passado recente pela prática infantilizada de disfarçar o preço dos serviços não valeram, pelo visto, de aprendizado.

Cinco dias é pouco

Folha de S. Paulo

Congresso deve estender licença-paternidade para diminuir disparidade de gênero

De acordo com a legislação brasileira, mulheres têm 120 dias de licença-maternidade, enquanto homens podem se afastar do emprego por ínfimos 5 dias quando se tornam pais. Tal disparidade é fruto da displicência de parlamentares.

A Constituição de 1988 instituiu a licença-paternidade, mas ressaltou que seu período de duração precisa ser designado por lei; enquanto o Congresso não decidir, valem os 5 dias. E lá se vão 35 anos.

Por isso o Supremo Tribunal Federal, a partir da constatação de omissão na regulação, determinou na quinta (14) o prazo de 18 meses para que os congressistas cumpram seu papel. Abre-se, assim, oportunidade para que se implemente norma importante para a diminuição da desigualdade de gênero no mercado de trabalho.

Isso porque a maternidade é um dos fatores que implica menores salários, afastamento do trabalho e desistência de carreiras entre as mulheres. Dados do IBGE de 2022 mostram que 21,89% das mães com um filho não conseguem trabalhar, ante apenas 0,55% dos pais.

Segundo levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a duração média da licença-paternidade no mundo é de 9 dias, e a das mães é de 18 semanas.

A média da OCDE é de 2,3 semanas para os pais, sendo a Espanha recordista, com 16, seguida por Holanda (6) e Portugal (5).

No Brasil, uma lei de 2008 permitiu a prorrogação por mais 60 dias da licença-maternidade, e outra de 2016 aumentou de 5 para 20 dias o benefício dos pais. Mas ambos os casos só se aplicam a trabalhadores de empresas que aderirem ao programa Empresa Cidadã.

No ano passado, a legislação manteve os benefícios e ainda autorizou que os 60 dias a mais para as mulheres possam ser compartilhados pelo casal, desde que os dois sejam contratados por empresas do programa.

A licença-paternidade não ajuda só mulheres, mas os filhos. Pesquisas mostram que o contato físico entre pais e bebês forma vínculos duradouros que elevam a autoestima, o bem-estar emocional, o desenvolvimento da fala, as relações sociais e a inteligência da prole.

O Congresso precisa aumentar o tempo desse benefício. Não se trata de panaceia, por óbvio, mas é o começo de uma política pública que tem potencial para promover mudanças culturais. Enquanto bebês crescem, pais também devem compartilhar tarefas domésticas e o cuidado dos filhos com as mães.

A COP da transição

O Estado de S. Paulo

Sem declaração veemente ou prazo para suspender de forma gradual a produção de petróleo, a COP-28 teve o mérito de reconhecer claramente a necessidade de transição energética

O documento final da Conferência do Clima das Nações Unidas, COP-28, encerrada nesta semana nos Emirados Árabes, representou de fato um avanço ao explicitar, pela primeira vez, que é inevitável a transição do mundo para fontes de energia não poluentes. Desde que a agenda climática passou a ser discutida de forma global, durante a Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro, foram necessários 31 anos para que os países firmassem esse compromisso formal.

Ainda que nada tenha sido estabelecido sobre os procedimentos da transição, o simples consenso em torno do reconhecimento da transição energética dá à COP-28 importância semelhante à da COP-3, de 1997, que estabeleceu o Protocolo de Kyoto, o primeiro a prever limitação para as emissões de gases causadores do efeito estufa, e à da COP-21, que firmou, em 2015, o Acordo de Paris, com metas específicas para tentar limitar a 1,5ºC o aumento médio da temperatura mundial.

Foi um bom resultado para a conferência de Dubai, cercada de polêmicas e baixa expectativa por ter como sede um dos principais países exportadores de petróleo e como presidente o também CEO da petrolífera Abu Dhabi National Oil Co., Sultan Al Jaber. O encontro, que chegou a ser chamado de “COP do Petróleo” por ambientalistas, não alcançou o tom esperado pela ONU, de urgência na transição e de compromisso na eliminação do consumo, produção e exploração de combustíveis fósseis. A palavra “petróleo” nem sequer foi citada.

De forma cautelosa, o acordo prevê a “redução e produção de combustíveis fósseis de forma justa, organizada e equitativa”, seja lá o que isso signifique exatamente, para atingir o “equilíbrio líquido de zero emissões até 2050”. Não é um compromisso novo, na verdade. O prazo já havia sido fixado em encontros anteriores. A sutileza é que a redução foi colocada como uma possibilidade, não uma imposição.

Os otimistas saíram dizendo que foi mais um passo em direção à mudança das fontes de energia, altamente concentradas (em torno de 80%) em combustíveis fósseis no mundo. Os pessimistas acreditam que ainda não esteja formada a consciência mundial – em especial nos países produtores de petróleo – em torno da situação emergencial do planeta, que muitos alegam estar próxima ao ponto de não retorno.

De forma realista, a riqueza gerada pela exploração de petróleo não será posta de lado abruptamente. Muito menos diante de uma situação que não oferece alternativas renováveis capazes de suprir com a mesma eficiência a demanda por energia. A transição energética, hoje um consenso, não tem ainda uma gradualidade conhecida. E, apesar das fortes apostas em técnicas de descarbonização na produção, não há sinais de declínio das operações.

Ofertas de novas áreas exploratórias continuam a pleno vapor, como mostrou, por exemplo, o leilão de 602 áreas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Realizado exatamente no dia em que o relatório da COP-28 foi divulgado, o leilão teve intensa disputa em algumas regiões e 192 áreas exploratórias adquiridas. Para o diretor-geral da ANP, Rodolfo Saboia, a contradição entre o impulso à exploração de petróleo e a necessidade de investir na transição energética é “apenas aparente”. Com razão, ele disse que a paralisação da produção apenas tornaria o País mais dependente de países produtores “com pegada de carbono maior”.

O ingresso do Brasil na Opep+, como mais um país observador a integrar a Organização dos Países Exportadores de Petróleo, também foi criticado como um contrassenso, especialmente por ocorrer durante a COP-28. Mas até a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, encontrou argumentos para defender a decisão inusitada do governo brasileiro, tomada sob o pretexto de fazer, de dentro do poderoso cartel, uma suposta campanha pela descarbonização.

Com matriz energética notavelmente limpa em relação ao resto do mundo, resultado direto da geração hidrelétrica, o Brasil vive o grande dilema de ser também proprietário de áreas marítimas na Margem Equatorial com potencial de dobrar as atuais reservas de petróleo. Dados o ritmo da transição e a demanda por petróleo durante o processo, seria imprudente desperdiçar essa oportunidade.

Autorização para a vingança

O Estado de S. Paulo

Decisão da Justiça que dispensa câmeras em operações policiais escancara tolerância com as condições que propiciam a violência estatal. Controle da polícia é ponto essencial da democracia

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) estabeleceu que policiais militares (PMs) não são obrigados a utilizar câmeras corporais em operações realizadas em resposta a ataques a agentes das forças de segurança do Estado. A decisão diz respeito à Operação Escudo, deflagrada no litoral paulista depois que um policial militar foi morto no Guarujá, em julho passado. Até que fosse encerrada, a operação deixou um rastro de 28 mortos em 40 dias, tornando-se a ação policial mais letal em São Paulo desde o massacre do Carandiru.

A decisão afronta o bom senso. Justamente nos casos em que a câmera nos uniformes policiais é mais necessária, isto é, quando o controle da atividade policial é mais difícil, a Justiça simplesmente afirma que ela é dispensável. Ou seja, todo o investimento público feito nesse sistema terá sido inútil, a julgar pelo entendimento do TJSP: para os doutos magistrados paulistas, os policiais poderão continuar contando com a opacidade em ações que, sem qualquer controle, se assemelham a pura e simples vingança.

Tudo isso é, por si só, lamentável, mas há duas agravantes. Primeira: esse posicionamento foi dado pelo Órgão Especial do TJSP. Não foi uma decisão disparatada de um juiz de primeira instância ou mesmo de uma das turmas do tribunal. Ou seja, é esse o entendimento da mais alta cúpula do Judiciário paulista.

Mesmo existindo meios de ampliar a transparência da atuação policial, o Judiciário opta pelo caminho oposto, contribuindo para que se mantenha tudo como está. A um só tempo, a mensagem é cristalina e proterva: a Justiça paulista tolera as condições que permitem a violência policial e, pior, dá azo a que essa violência seja cometida impunemente à margem da lei.

Não deve, portanto, surpreender ninguém que as operações policiais sejam tão letais. Há uma consolidada condescendência do Judiciário paulista com esse tipo de atuação. Basta ver o tratamento que o massacre do Carandiru vem recebendo, ao longo de três décadas, do TJSP. A impunidade é consequência direta de uma compreensão do Direito que, indiferente ao princípio da igualdade de todos perante a lei, cuida zelosamente dos interesses do poder estatal.

A segunda agravante refere-se ao contexto da decisão. O Órgão Especial do TJSP não estava discutindo a hipótese teórica de um eventual risco de violência policial. A Justiça paulista tinha diante de si a operação policial estadual mais violenta deste século, com dezenas de mortes, e mesmo assim entendeu que as câmeras nos uniformes dos agentes não eram obrigatórias.

Há aqui muito a entender sobre o quadro de violência policial que se instaurou em muitas regiões do País. Não é que faltem indícios ou elementos probatórios a respeito de ações ilegais de agentes de segurança. O cenário é precisamente o oposto: há muitas e constantes evidências da violência policial, de ações que extrapolam os limites da lei, de medidas que violam direitos básicos da população. No entanto, simplesmente não se quer ver. Nega-se a realidade.

O TJSP decidiu que as câmeras nos uniformes policiais não são obrigatórias mesmo diante de todas as suspeitas de abuso por parte do poder estatal. Em setembro, quando o presidente do tribunal, desembargador Ricardo Anafe, derrubou a liminar que obrigava a PM paulista a usar as câmeras nos uniformes de seus agentes em todas as operações que respondessem a ataques contra PMs, o argumento no tribunal era que, pasme o leitor, a obrigatoriedade das câmeras poderia levar a um “aumento das agressões aos agentes públicos, com grave lesão à segurança pública”.

Essa descarada inversão factual do que ocorreu no litoral paulista ilustra por que razão a violência de Estado segue impune quando as vítimas vivem em regiões pobres das cidades. Simplesmente se negam os fatos, que convenientemente são substituídos por hipóteses carentes de qualquer fundamento.

Roga-se que essa decisão judicial seja revertida, se não no próprio TJSP, em tribunais superiores. Além de lembrar que no País existe direito à vida e de que não há pena de morte nem julgamento sumário, cabe advertir: a Justiça deve servir à lei e ao direito, não à barbárie.

A omissão do Senado

O Estado de S. Paulo

Se o País dependia da sabatina para conhecer o futuro procurador-geral da República, continua no escuro

O Senado, mais uma vez, se eximiu de cumprir uma de suas mais importantes obrigações constitucionais, que é sabatinar com seriedade e espírito público o indicado pelo presidente da República para exercer o cargo de procurador-geral da República. Convenhamos que, no dia 13 passado, não houve propriamente sabatina de Paulo Gonet Branco.

O pouco que se sabe da compreensão do futuro procurador-geral da República sobre o papel do Ministério Público Federal (MPF), sobre os grandes desafios do País e como o parquet pode ajudar a superá-los veio de reportagens da imprensa e de algumas manifestações de Gonet durante as sessões de julgamento transmitidas pela TV Justiça das quais participou.

A imprensa é essencial para informar a sociedade sobre os indicados pelo presidente da República a cargos como o de procurador-geral da República, mas, se o noticiário bastasse, não haveria necessidade de sabatina no Senado. A Constituição atribui ao Senado a tarefa de inquirir esses indicados não somente para que a população possa conhecer sua compreensão do Direito e seu efetivo compromisso com o Estado Democrático de Direito, mas para que eles sejam avaliados, de forma pública e solene, em relação aos requisitos constitucionais previstos para o cargo. Nessas funções públicas, eles não vão exercer suas vontades e idiossincrasias, mas aplicar e defender o Direito. Eis então que a sabatina não é uma etapa meramente burocrática da nomeação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do procurador-geral da República. É uma demonstração de respeito pelos cidadãos e de reverência institucional.

Reconheça-se que os senadores pouco podiam fazer durante uma sabatina cujo formato exótico – feita simultaneamente com Gonet e com Flávio Dino, indicado ao STF – impediu que os senadores se concentrassem exclusivamente no candidato à PGR. Como Dino era a estrela do momento por diversas razões, dominou amplamente as atenções dos parlamentares. Já Gonet se limitou a dar respostas evasivas às poucas perguntas que lhe foram dirigidas. Simplesmente ele não foi sabatinado.

O momento em que Gonet assume a PGR é delicado. A PGR foi jogada na sarjeta durante os mandatos de alguns de seus antecessores, em particular durante as gestões dos ex-procuradores-gerais Rodrigo Janot e Augusto Aras. Cada um a seu modo, ambos reduziram a PGR a instrumento de joguetes políticos e corporativos particulares. O País paga até hoje um alto preço pelos desatinos de um e pela vassalagem de outro.

Com o que se sabe hoje, nada indica que Gonet tomará direções extremadas à frente da PGR. Mas eis o ponto principal. Não há informações suficientes à disposição da sociedade que permitam assegurar que isso não tornará a acontecer. Apenas se torce pelo melhor, para que, sob Gonet, desconhecido da maioria da população até pouquíssimo tempo atrás, a PGR voltará a defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis com técnica, discrição e espírito público.

Desoneração tranquiliza empresas e trabalhadores

Correio Braziliense

A desoneração é uma política já existente, com alta empregabilidade, que não deveria ser alterada de forma abrupta e integral, sem levar em conta a realidade dos agentes econômicos

Ainda bem que o Congresso Nacional derrubou, nesta quinta-feira, o veto integral do presidente Lula ao projeto de lei (PL 334/2023) que prorroga, por mais quatro anos, a chamada desoneração da folha salarial. Seria um desincentivo a 17 grandes setores da economia, que perderiam, aproximadamente, 9 milhões de empregos, cuja desorganização seria um desastroso fator recessivo na economia.

O PL 334/2023 permite que a empresa substitua o recolhimento de 20% de imposto sobre sua folha de salários por alíquotas de 1% até 4,5% sobre a receita bruta. Para compensar a diminuição da arrecadação do governo, o projeto também prorroga o aumento em 1% da alíquota da Cofins-Importação até dezembro de 2027. O texto determina, ainda, a redução, de 20% para 8%, da alíquota da contribuição previdenciária sobre a folha dos municípios com população de até 142.632 habitantes.

São beneficiados os seguintes setores: confecção e vestuário, calçados, construção civil, call center, comunicação, construção e obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carroçarias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, tecnologia da informação (TI), tecnologia da informação e comunicação (TIC), projeto de circuitos integrados, transporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas.

O governo ameaça recorrer à Justiça por considerar a medida inconstitucional, o que não faz sentido, uma vez que essa política vigora desde 2011, quando foi aprovada por proposta do governo Dilma Rousseff justamente com objetivo de proteger as atividades econômicas e gerar empregos. Caso o Congresso não tomasse essa decisão, a partir de 1º de janeiro de 2024, as empresas dos setores beneficiados passariam por grandes dificuldades. A única novidade no texto aprovado, que, em tese, pode ser objeto de arguição constitucional, é a inclusão dos pequenos municípios.

Antes da derrubada do veto integral do presidente Lula, que surpreendeu os setores produtivos e o Parlamento, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ressaltou que a decisão do Congresso não impede a retomada das negociações com a equipe econômica do governo para viabilizar eventuais alternativas. Essa é a atitude mais sensata diante do fato de que não se sabe ainda qual será o impacto da reforma tributária na economia, principalmente na vida das empresas, nem quando seus efeitos começarão efetivamente a ser sentidos na arrecadação da União, estados e municípios.

Não se pode pular na piscina sem saber se há água dentro. A desoneração é uma política já existente, com alta empregabilidade, que não deveria ser alterada de forma abrupta e integral, sem levar em conta a realidade dos agentes econômicos, sejam as empresas ou seus trabalhadores.

Trata-se até de uma questão de segurança jurídica, para que se possa amplificar investimentos, garantir o emprego do trabalhador e gerar riqueza para o país. A lógica da desoneração é mais do que razoável: quem gera mais empregos paga menos impostos. Com a renovação das desonerações da folha de pagamento, até o governo ganha tempo e mais elementos para propor alternativas, já levando em consideração os efeitos reais do novo sistema tributário, que acabará com a guerra fiscal entre os estados e projeta uma forte elevação do Produto Interno Bruto (PIB).

 

 

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