Recuperar grau de investimento é uma meta tangível
O Globo
Para isso, será imprescindível manter as
políticas fiscais de Haddad sem recair em desvios de rota populistas
Embora esperada, a elevação da nota do Brasil
pela agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) traz
motivos para celebração. É a primeira melhora na avaliação da agência em 12
anos e a primeira desde a perda do grau de investimento em 2015, em razão da
política econômica desastrada do governo Dilma Rousseff. Mas a notícia precisa
ser entendida em sua real dimensão: o Brasil ainda precisa subir dois degraus
na escala das agências de risco para recuperar o selo de bom pagador capaz de
atrair investimentos em larga escala. Por enquanto, estamos no patamar que as
agências classificam como “especulativo”.
A S&P foi mais conservadora que as agências Moody’s e Fitch, que elevaram a nota brasileira no meio do ano (também sem tirar o país do grau especulativo). Preferiu esperar pela aprovação da reforma tributária. Em nota, a S&P elogiou a conquista e antecipou que poderá voltar a elevar a nota nos próximos dois anos. Avisou, porém, que políticas que levem à “deterioração fiscal e a uma carga de endividamento acima das expectativas” poderão significar revisão da nota para baixo.
A conquista do grau de investimento em 2008
se apoiava na política responsável do primeiro governo Lula.
Agora, o mercado deposita confiança no trabalho do ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, que tem conseguido levar adiante a agenda de equilíbrio
nas contas
públicas, a despeito de resistências no próprio PT. A melhoria na
percepção do risco brasileiro também deriva de aperfeiçoamentos institucionais
de vários governos: a reforma trabalhista de Michel Temer, a autonomia do Banco
Central de Jair Bolsonaro e, agora, a reforma tributária do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. Apesar de todos esses avanços, falta muito para o Brasil
voltar a ser avaliado como um país de alta qualidade para os investidores.
Recuperar o grau de investimento teria enorme
significado para uma economia carente de capital como a brasileira. Grandes
fundos de pensão com atuação global são autorizados a comprar títulos apenas de
países com esse selo. Com o aumento na demanda por papéis brasileiros, o
impacto seria sentido imediatamente nos juros, pois o governo poderia praticar
taxas mais baixas para captar dinheiro.
Apesar da boa notícia, autoridades reclamam
que um país com mais de US$ 300 bilhões em reservas internacionais e baixo
endividamento externo merecia tratamento melhor. Para avaliar as expectativas,
porém, as agências consideram a trajetória de longo prazo no endividamento e o
compromisso efetivo do governo com boas práticas de política econômica.
A dívida pública brasileira, em torno de 80%
do PIB, continua alta para uma economia emergente, fragilidade que tem vínculo
com a questão fiscal. Ainda persiste dúvida se o novo arcabouço estabilizará a
alta no endividamento. Além disso, apesar dos bilhões em reservas, a economia
brasileira continua dependente do cenário externo. À menor crise, os
investidores correm para títulos seguros de americanos ou europeus, deixando o
Brasil às voltas com pressões cambiais e inflacionárias.
Em vez de criticar as agências, o governo
deveria manter vigilância sobre a regulamentação da reforma tributária e uma
política fiscalmente responsável. Se persistir no bom caminho, é apenas questão
de tempo o Brasil reconquistar o grau de investimento. Há experiência
suficiente em Brasília para não repetir os erros do passado.
Justiça do Rio acerta ao permitir apreensão
de menores sem flagrante
O Globo
Quando se cobra da polícia prevenção do
crime, não se podem cercear as ações necessárias a isso
Tão previsíveis quanto as multidões que
correm para as praias do Rio nos fins de semana tórridos do verão são as
discussões sobre a melhor forma de policiamento para manter a ordem em bairros
das zonas Sul e Oeste, que nessas ocasiões recebem uma população muito acima da
habitual. Conciliar interesses tem sido um desafio para as autoridades,
especialmente num momento em que todos estão apreensivos e temerosos diante do
recrudescimento da violência,
corroborado tanto pelas estatísticas oficiais quanto pelas imagens de câmeras
de segurança. Ainda que os acontecimentos despertem preocupação, é preciso
manter o bom senso.
Por isso fez bem o presidente do Tribunal de
Justiça do Rio, desembargador Ricardo Rodrigues, em revogar a
liminar da 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Capital que proibia
a apreensão sem flagrante de crianças e adolescentes a caminho das praias. Na
decisão, que atendeu a pedido do governo fluminense e da Prefeitura do Rio,
Rodrigues argumentou que a “ingerência judicial” na formulação e implementação
de política pública “encerra inegável risco de lesão à ordem administrativa e à
segurança pública, além de comprometer a concretização do postulado da proteção
integral de crianças e adolescentes no território da capital fluminense”. As
apreensões não violam, segundo ele, o direito de ir e vir.
Não se desconhecem injustiças, preconceitos,
falhas e excessos praticados por policiais na abordagem a adolescentes e jovens
— e isso não diz respeito apenas à praia. Trata-se de um problema que merece
ser debatido pela sociedade. Na ação que motivou a decisão, o Ministério
Público questionou a motivação dos agentes da lei. Segundo o MP, jovens
relataram ter sido levados para instituições de acolhimento sem qualquer
explicação. Em apenas um de 89 casos analisados pelo MP constatou-se motivo
para acolhimento.
Todos esses aspectos devem ser levados em
conta. Mas não se pode perder a noção da realidade. Há farto material gravado
por câmeras de segurança mostrando a ação violenta de adolescentes e jovens
contra cidadãos. As imagens chocantes do empresário derrubado, agredido e
roubado dias atrás em Copacabana são apenas parte de um acervo que só faz
crescer. Tampouco é segredo o caos que se forma na saída das praias, em que
arrastões e vandalismo infelizmente são corriqueiros. Se a polícia só puder
agir em casos de flagrante, estará impedida de atuar na prevenção de crimes. O
estado alega que adolescentes só são apreendidos quando desacompanhados e sem
documento.
Claro que policiais precisam ter critério,
não podem sair por aí detendo adolescentes negros e pobres só para justificar
seu trabalho. Mas cobra-se da polícia justamente que aja preventivamente, antes
que os crimes aconteçam. Isso pressupõe abordagens, revistas, checagens. O MP e
a Justiça têm papel importante para coibir excessos e cobrar respeito à lei. O
trabalho da polícia, porém, não pode ser cerceado. Isso só beneficiaria os
infratores, que se sentiriam livres para delinquir.
Reformas ajudam nota do Brasil, mas dever de
casa é grande
Valor Econômico
Para a S&P, a forte posição externa do
país e a credibilidade da política monetária atenuaram o fraco desempenho
fiscal
O Brasil ficou mais perto do grau de
investimento - o “selo” de bom pagador - ao ter sua nota de crédito soberano
elevada pela empresa de rating S&P. É uma boa notícia - faltam dois degraus
para que o país volte a ter a posição que conquistou em 2008, no segundo
governo Lula, e perdeu em 2015, sob gestão da presidente Dilma Rousseff. A
aprovação da reforma tributária foi o marco que impulsionou a promoção. Nas
justificativas para a melhoria da nota, a S&P também listou obstáculos que
tornam o retorno do país ao grau de investimento uma empreitada difícil. Dois
pontos pesam especialmente contra: dívida muito alta e baixo crescimento.
Ao elogiar a reforma tributária como mais um
passo no caminho do “histórico de pragmatismo político”, a decisão traça um
continuum de reformas que atravessaram os últimos governos, como a trabalhista,
a previdenciária e a autonomia do Banco Central. O governo Lula comemorou a
decisão, atribuindo-a à reforma tributária, uma mudança histórica, qualitativa
e estrutural do sistema de impostos. Não poderia ir muito além dessa
explicação, porém, porque o PT votou contra todas as outras medidas.
A distância do grau de investimento se mede
pela continuidade dos problemas que tolhem o crescimento do país. “O componente
ausente tem sido a falta de progresso para lidar com os gastos grandes, rígidos
e ineficientes do governo”, registra a S&P. Quando o Brasil obteve grau de
investimento em 2008, lembrou Manuel Orozco, diretor da S&P, a dívida
líquida era de 45% do PIB. Pelas estimativas da empresa, ela chegará a 67% em
2026. “Mesmo assumindo que a situação microeconômica seja melhor hoje que em
2008, em função das reformas feitas, o Brasil ainda assim precisaria de uma
situação fiscal melhor do que a que tem”, disse. O país, segundo a S&P, tem
demonstrado um progresso “lento e desigual” na resolução de seus desequilíbrios
fiscais e econômicos.
A correção dos desajustes fiscais continua
problemática hoje. O governo Lula “tem enviado sinais divergentes” sobre o
compromisso com o novo regime fiscal. Como os analistas domésticos, a S&P
projeta déficits nos próximos dois anos. Além disso, o governo tem procurado
evitar cortes de gastos e preferido aumento de receitas, que terá algum grau de
frustração. A recuperação de voto do desempate no Carf terá resultados
“difíceis de se prever”, assim como os efeitos dos benefícios do ICMS na base
tributável federal, pois haverá “cautela” no tratamento da questão - o
texto-base da MP que trata do assunto foi aprovado ontem pelo Senado, faltando
avaliar destaque que propõe o fim da retroatividade do litígio.
Para a S&P, a forte posição externa do
país e a credibilidade da política monetária atenuaram o fraco desempenho
fiscal. A política apertada do BC foi capaz de conter a inflação e trazê-la de
volta para os intervalos definidos pelo regime de metas, apesar das inúmeras
contrariedades manifestas em público do presidente Lula e do PT em relação à
atuação da autoridade monetária. “A autonomia obtida pelo Banco Central em 2021
tem lhe permitido resistir às pressões políticas e manter a política monetária
restritiva”, constata a S&P.
A boa posição externa do Brasil praticamente
não se alterou desde 2008. A composição da dívida, segundo a S&P, “mitiga”
os riscos da alta carga de endividamento. A dívida interna é inteiramente
expressa na moeda local e a parcela nas mãos de não residentes não ultrapassa
hoje 10% dos débitos do governo central. A dívida emitida pelas empresas do
setor público é inferior a 10% do PIB, um “risco limitado”, ao contrário dos
precatórios potenciais, que, ao redor de 20% do PIB, são “passivo contingente significativo”.
O déficit em conta corrente é baixo - estimativa de 2% do PIB entre 2023-2026 -
e totalmente financiado por investimento direto. As reservas de US$ 368 bilhões
são tranquilizadoras.
O baixo crescimento da economia dificulta a
obtenção do equilíbrio fiscal. Pelos cálculos da S&P, a tendência do
crescimento médio per capita em 10 anos é de 1,5%, “abaixo da tendência dos
governos soberanos na mesma categoria de PIB”. Segundo Orozco, “o PIB per
capita, em termos reais, deve chegar em 2024 ao mesmo nível de 2010. Isso
mostra a grande dificuldade do Brasil em crescer”.
Para o diretor sênior da agência, Sebastian
Briozzo, houve surpresa positiva com o crescimento de 3% que deverá se
materializar em 2023, mas isso deveria ser algo corriqueiro e não excepcional.
“Não deveria ser algo fora do normal para um país com um PIB per capita de US$
10 mil. Com a estrutura atual fica difícil o Brasil crescer uns bons anos a 3%,
e esse é o desafio”, afirmou.
A agência prevê desaceleração da economia,
que deve sofrer ainda impacto do menor nível de atividade global. O Brasil deve
crescer 1,5% no ano que vem e ter ligeira recuperação para 2% nos dois anos
seguintes, nível inferior a países com nível semelhante de desenvolvimento.
Enquanto isso, projeta “correção fiscal muito gradual” e permanência de um
déficit fiscal elevado. A dívida pública líquida brasileira deve subir de 52,3%
do PIB no ano passado para perto de 67% em 2026.
Muito pela frente
Folha de S. Paulo
Alta na nota de crédito é positiva;
investimento requer menos gasto e mais PIB
As três maiores empresas globais de avaliação
de risco de crédito agora consideram que faltam duas promoções para que a
dívida do governo do Brasil deixe
de ser considerada um investimento especulativo —e que receba o
assim chamado grau de investimento.
Na terça (19), a S&P juntou-se à Moody’s
e à Fitch e levou a esse patamar a nota que dá à credibilidade dos títulos
soberanos do país. É um avanço, embora de escasso efeito prático por enquanto.
A percepção dos investidores a respeito do
Brasil já mudara antes das reclassificações dessas firmas de avaliação de
crédito. O risco-país se encontra nos níveis mais baixos em uma década.
Além do mais, a não ser em caso excepcional,
ainda levará anos para que a dívida do governo federal chegue ao décimo e mais
baixo patamar da elite dos ativos confiáveis, de reduzido risco de calote.
Chegando à primeira divisão, o Brasil ganha
chances de se tornar destino de capitais que ora se desviam daqui por causa da
falta de grau de investimento.
Segundo a S&P, a elevação da nota se
deveu ao progresso das reformas —incrementado agora pelo grande feito da aprovação da
mudança na tributação do consumo, que tende a tornar a economia mais
eficiente a longo prazo.
Há ressalvas, claro. Uma melhora fundamental
do crédito está associada à contenção do aumento da dívida pública. O
endividamento, por sua vez, depende do tamanho dos déficits nas contas do
Tesouro, de taxas de juros e do crescimento econômico. Juros menores e PIB
maior dependem do controle da dívida, tudo mais constante.
É um trabalho concertado de administração
macroeconômica. A estabilização do passivo do Estado como proporção do PIB
ainda não está no horizonte. O próprio PT
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva resiste ao controle do déficit,
e o governo insiste no erro de fazer o ajuste apenas pelo lado da arrecadação
—o que não é factível.
É possível que o efeito acumulado das
reformas e a pujança exportadora permitam taxas maiores de crescimento nos
próximos anos. Infelizmente, porém, ainda não se vislumbra uma aceleração maior
do ritmo de avanço do PIB.
A melhoria da nota de crédito ainda assim é
uma boa notícia, um retoque na imagem do Brasil, arruinada na última década. Há
como recuperar credibilidade mais rapidamente, porém, e colher seus efeitos
mesmo antes que amadureçam as notas das empresas de avaliação de risco.
Reformas, mais concorrência, controle de
gastos públicos, mais educação, ciência e tecnologia são modos de acelerar o
desenvolvimento, reduzir o peso da dívida e recolocar o país em outra divisão.
Amazônia violenta
Folha de S. Paulo
União do tráfico com garimpo e segurança
precária elevam taxa de crime na região
São alarmantes os índices de criminalidade na
Amazônia Legal. A pesquisa Cartografias da Violência na Amazônia, do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública e do Instituto Mãe Crioula, mostra que a taxa
de mortes violentas intencionais em 2022 foi 45% maior nessa região do que a
média nacional.
Contaram-se lá 33,8 homicídios para cada 100
mil pessoas, ante 23,3 na média brasileira. Atuação precária do Estado e
associação de facções criminosas com garimpo e desmatamento são causas do
fenômeno que urge ser combatido.
Com dimensões colossais e áreas de difícil
acesso, a região formada por Acre, Amazonas, Roraima, Amapá, Rondônia, Pará,
Tocantins, Mato Grosso e parte do Maranhão representa um desafio para a atuação
das forças de segurança.
Os números refletem carência nos setores de
inteligência e investigação. São 60,4 mil policiais militares na Amazônia
Legal, o equivalente
a 83 km² para cada PM. Já os 14,8 mil policiais civis e os 2.358
peritos disponíveis precisam cobrir em média áreas de 339 km² e 2.127 km²,
respectivamente.
A estrutura material também é precária. O
território corresponde a 20 vezes o do estado de São Paulo, mas a Polícia
Militar paulista tem 4 helicópteros a mais.
Reportagem da Folha expôs a
situação de um garimpo na Terra Indígena Sarará (MT), localizado
próximo a um posto de vigilância da Funai que tem só três servidores e cinco
policiais da Força Nacional de Segurança Pública para lidar com cerca de 2.000
invasores.
A área de extração ilegal de ouro ali saltou
de 36 hectares em 2022 para impressionantes 252,3 hectares até outubro deste
ano.
A associação entre facções do narcotráfico,
como o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital, e garimpo aumenta o
poder de fogo desta atividade, o que dificulta ainda mais a fiscalização e a
segurança. Membros do CV
e do PCC já estão em 178 dos 772 municípios da região, atingindo 59%
da população local.
A região conta com 1.249 delegacias, mas,
para os temas de conflitos agrários, crime organizado, drogas, lavagem de
dinheiro e casos relacionados, são apenas 54.
Essa nova cara da violência, que une infrações ambientais a tráfico e ocultação de dinheiro exige operações especializadas para quebrar a cadeia de comando dessas organizações. Não basta a presença do Estado, é preciso ação de inteligência coordenada e de longo prazo.
O distante grau de investimento
O Estado de S. Paulo
Melhora da nota de crédito do País pela
S&P é boa notícia, mas não deve iludir ninguém: enquanto houver rombo
estrutural no Orçamento, não retomaremos o grau de investimento
A agência de classificação de risco S&P
Global Ratings elevou a nota de crédito soberano do Brasil de BB- para BB. O
motivo, segundo a empresa, é a aprovação da reforma tributária pelo Congresso.
O Brasil está agora a dois degraus do chamado nível de investimento para as
principais agências de classificação de risco no mundo – S&P, Moody’s e
Fitch.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
reconheceu que a aprovação da reforma tributária foi o “ponto alto” da
trajetória do País nos últimos meses.
Disse, também, que nunca se conformou com o
fato de o País não deter o selo de bom pagador, uma vez que a maior parte da
dívida está denominada em moeda local e as reservas internacionais estão
próximas da marca de US$ 350 bilhões.
As três agências reconhecem a posição
favorável do País no setor externo. A composição da dívida mitiga sobremaneira
os riscos, e o déficit nas transações correntes é inferior ao investimento
estrangeiro direto. Mas, como se sabe, não são estas as vulnerabilidades da
economia brasileira. O problema continua a ser a área fiscal.
Foi o descontrole das contas públicas que
levou à perda do grau de investimento, em setembro de 2015. Assim como elevou o
rating soberano brasileiro quatro dias após a aprovação da reforma tributária
na última terça-feira, a S&P rebaixou o País uma semana depois de o governo
Dilma Rousseff apresentar ao Congresso uma proposta de Orçamento com déficit de
R$ 30,5 bilhões.
Se hoje o envio de um Orçamento deficitário é
algo encarado com certa naturalidade, na época isso ainda era algo inédito.
Alguns anos antes, o País havia sido capaz de registrar superávits primários
robustos, chegou-se a discutir a possibilidade de adoção do déficit nominal
zero, durante o primeiro mandato do presidente Lula da Silva. Nessa mesma
época, o País registrava um de seus melhores momentos em termos de crescimento
econômico.
Desde então, o debate sobre a política fiscal
regrediu muito, a ponto de o País ainda perder tempo com diferenças semânticas
entre “gasto” e “investimento”. A adoção de recorrentes manobras desmoralizou
as metas fiscais. No lugar delas, veio o rígido teto de gastos, mas nem
encravar a âncora na Constituição impediu que ela fosse desrespeitada inúmeras
vezes.
Com o Orçamento cada vez mais vinculado a
despesas obrigatórias, o desequilíbrio fiscal tornou-se estrutural. Não é
coincidência que o crescimento econômico ao longo desse período tenha sido
extremamente baixo e absolutamente errático. É por isso que o comunicado da
S&P enfatiza a importância de que o País permaneça na rota do pragmatismo:
só isso pode criar as bases para um crescimento econômico sustentável e perene.
Como destacou a agência, as mudanças
proporcionadas pela reforma tributária serão implantadas de forma gradual, com
ganhos de produtividade a serem aferidos no longo prazo. Mas a aprovação do
arcabouço, por exemplo, foi considerada pela S&P um “progresso lento” na
gestão dos desequilíbrios fiscais, uma vez que os déficits continuarão bastante
elevados.
Um bom exemplo a ilustrar o que a agência
disse está na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Embora tenha mantido a
meta de déficit zero em 2024, a própria LDO impõe condições que tornam o
compromisso inexequível, como os limites ao contingenciamento de investimentos
e emendas parlamentares.
O governo Lula da Silva, por sua vez, envia
sinais mistos sobre seu compromisso com as contas públicas. O Executivo
continua a apostar na recuperação de receitas, uma política cujo sucesso tem
sido parcial, mas não faz qualquer esforço efetivo no sentido de conter seus
gastos no horizonte de curto, médio e longo prazos.
Não é por acaso, portanto, que as três
agências tenham mantido a perspectiva da nota de crédito brasileira como
estável, ou seja, que descartem novas mudanças no rating nos próximos meses.
Não há evidências claras de que o País esteja pronto para dar um passo além na
direção da responsabilidade fiscal. Enquanto houver tamanha distância entre
discurso e prática, a recuperação do grau de investimento continuará a ser um
sonho distante.
O novíssimo Ensino Médio atrasou
O Estado de S. Paulo
Articulação política do MEC falha, e o País
deixa para o ano que vem o que deveria ter sido uma das prioridades da área em
2023, deixando aflitos milhões de estudantes
Quando políticas públicas exigem tramitação
no Congresso Nacional, boas premissas técnicas nem sempre se traduzem em
eficiência política, e vice-versa. Com isso, no complexo jogo de relações entre
o Executivo e o Legislativo, pautas urgentes e imprescindíveis acabam em
segundo plano pelas deficiências na articulação do governo, como ficou evidente
no adiamento da votação do projeto que reformula o Novo Ensino Médio. Sem
acordo com o relator Mendonça Filho (União-PE) e prevendo uma derrota iminente
no plenário da Câmara, o Ministério da Educação (MEC) optou pelo adiamento.
Assim, o tema só deve voltar à pauta do Congresso em março de 2024, após o
recesso legislativo e o carnaval, deixando ainda mais aflitos milhões de
estudantes.
O adiamento resulta de algo maior do que
pontos de divergência com Mendonça Filho, como a carga horária das disciplinas
obrigatórias e optativas previstas no novo currículo. Em bom português: o
ministro Camilo Santana comeu mosca no diálogo com os congressistas e fez o
Brasil deixar para o ano que vem o que deveria ter sido uma das prioridades da
Educação Básica em 2023. Perdeu a chance de iniciarmos 2024 com uma reforma
aprovada e com o esforço dedicado à sua regulamentação e implementação. Falhou
nas negociações e saiu derrotado. A derrota maior, no entanto, é imposta aos
jovens estudantes que desde o ano passado amargam uma reforma implementada de
maneira atabalhoada, o que apenas aprofundou a resistência a ela.
Em 2016, o governo de Michel Temer assinou
uma medida provisória que deu origem à Lei 13.415, que entre outras coisas
trouxe uma nova arquitetura curricular para o Ensino Médio. Diferentemente do
que pregaram as vozes do apocalipse da esquerda, o conteúdo da reforma liderada
pelo então ministro da Educação, Mendonça Filho, incorporava as principais
ideias de um outro projeto de lei que já estava em discussão na Câmara,
apresentado pelos deputados federais Reginaldo Lopes (PT-MG) e Wilson Filho
(Republicanos-PB), após anos de debates e contribuições de diversos setores.
Os princípios da reforma eram corretos e
incluíam a criação de uma formação geral básica, organizada por áreas de
conhecimento, e uma parte flexível, na qual os estudantes escolhem cursar
trilhas de aprofundamento oferecidas – os chamados itinerários formativos.
Ampliação da carga horária, busca por mais interdisciplinaridade, organização
curricular mais flexível e a opção dada ao aluno por uma formação profissional
e técnica integravam as mudanças que se mostravam compatíveis com a necessidade
de modernizar o Ensino Médio e torná-lo mais atrativo, superando um modelo
monolítico, espremido em poucas horas e atrasado.
Ocorre que o MEC do então presidente Jair
Bolsonaro tinha outras prioridades. Mesmo diante da pandemia de covid-19 e suas
sequelas na educação, os planos de implementação da reforma não foram revistos,
e o País assistiu a uma pletora de problemas de estrutura nas escolas e falta
de capacitação de professores para promover de fato uma revolução em sala de
aula. A revolução, no caso, iria ganhar contornos risíveis, incluindo cursos
como “O que rola por aí”, “Brigadeiro caseiro” e “Mundo pets S.A.”, saídas encontradas
pelas escolas públicas para que pudessem, às pressas, preencher a carga horária
flexível prevista na mudança curricular.
Havia problemas no desenho e mais problemas
ainda na implementação – razões pelas quais o novo MEC iniciou um processo de
alteração da reforma de 2017. O Projeto de Lei preparado pelo governo
aperfeiçoou a reforma, mas igualmente exibiu pontos a serem melhorados, tarefa
dada ao deputado Mendonça Filho. Não é sem ironia, porém, que o principal
artífice da reforma de Michel Temer tenha sido o nome escolhido pelo presidente
da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para ser, a contragosto do governo lulopetista,
o relator do projeto. Agora o ministro Camilo Santana credita o adiamento à
divergência na carga horária da formação geral básica. Pode ser. Mas a lição
mais evidente é que, por arrogância técnica ou incapacidade política, ele e sua
equipe ajudaram a estender o atraso.
‘Celular Seguro’ é primeiro passo
O Estado de S. Paulo
Iniciativa de ajudar quem teve o celular
roubado é boa, mas prova fracasso na prevenção
Os brasileiros que possuem celular para uso
pessoal – um universo de cerca de 160 milhões de indivíduos, segundo o IBGE –
estão divididos em dois grupos: os que já tiveram seus aparelhos roubados e os
que têm medo de ser a próxima vítima desse tipo de crime, sobretudo nos grandes
centros urbanos. Em muitas cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, por
exemplo, ter o celular roubado ou furtado é quase uma questão de tempo. O
problema é grave e impõe a ação das autoridades.
Estima-se que haja cerca de 250 milhões de
smartphones em uso no Brasil, o que revela, obviamente, que há muitos
indivíduos que adquiriram mais de um aparelho nos últimos anos. Uma das
motivações para isso, claro, é a falta de segurança. Assustados com o
crescimento dessa modalidade criminosa, não é incomum que os cidadãos deixem um
celular protegido em casa, reservado para a realização de transações
financeiras ou outras operações mais sensíveis, e saiam às ruas com o “celular
do bandido”. Um descalabro.
É lamentável que a sensação de insegurança
tenha chegado a esse ponto no País. Mas, como não é possível alterar a
realidade, o governo federal fez bem ao criar um mecanismo que ao menos proteja
os dados dos cidadãos contidos em seus celulares, especialmente os financeiros.
No dia 19 passado, o Ministério da Justiça e da Segurança Pública lançou o
aplicativo “Celular Seguro”, que serve como uma espécie de “botão de
emergência” em caso de roubo ou furto.
O grande mérito do “Celular Seguro” é
concentrar em uma só plataforma toda a comunicação do dono do aparelho – ou de
alguém de sua confiança, que deve ser cadastrado no aplicativo – com as
empresas telefônicas e os bancos e administradoras de cartão de crédito a fim
de bloquear o aparelho e impedir a realização de transações financeiras pelos
criminosos. Esse processo costuma ser um calvário adicional para as vítimas.
Portanto, agiu bem o governo federal ao
mitigar um problema que aflige milhões de brasileiros, das mais variadas
formas. Mas, é forçoso dizer, o “Celular Seguro” é apenas um primeiro passo
para coibir o roubo de celulares no País, tornando essa prática desinteressante
para os criminosos. Hoje, é o exato oposto. O roubo de celulares é um crime
bastante atrativo porque envolve riscos relativamente baixos para os bandidos
ao mesmo tempo que oferece alto retorno financeiro. O agravamento desse
lucrativo tipo de delito se deve justamente ao interesse que despertou em
organizações criminosas como o PCC e o Comando Vermelho, entre outras.
Quando o governo se vê na obrigação de criar um aplicativo para reduzir o prejuízo de quem teve o celular roubado, percebe-se que a segurança pública falha exatamente no que ela deveria ser mais eficiente: a prevenção. É mais fácil atuar depois que o crime é cometido do que impedir que ele aconteça. Cabe ao Estado criar condições para que aplicativos como esse sejam desnecessários no futuro.
Exigências para um Brasil sustentável
Correio Braziliense
Preservar a potencialidade do patrimônio
natural do Brasil está entre os grandes desafios do país, como colaborador do
esforço global para conter o aquecimento do planeta
Preservar a potencialidade do patrimônio
natural do Brasil está entre os grandes desafios do país, como colaborador do
esforço global para conter o aquecimento do planeta. Embora o governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha uma equipe engajada na defesa dos
recursos naturais, as políticas de Estado esbarram em vários obstáculos e
desafios para o desenvolvimento de ações pautadas no conceito de
sustentabilidade.
Diferentemente de outras nações, o Brasil tem
recursos hídricos, uma extensa costa marítima, tecnologia e áreas agricultáveis
para a produção de biocombustível que elevam a sua capacidade de desenvolver a
transição energética. Ou seja, o país não está entre as nações dependentes de
combustível fóssil, como queima de carvão e petróleo, para impulsionar as
atividades econômicas.
Para a coordenadora de Políticas Públicas do
Observatório do Clima, Suley Araújo, a crise climática chegou e não há mais
tempo de mitigar o problema. Para ela, o Brasil erra quando aposta na produção
de mais petróleo, na abertura de novas áreas de exploração, como a Margem
Equatorial, que abrange parte do litoral do Nordeste e todo o trecho marítimo
da Região Norte.
O presidente do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) Rodrigo Agostinho, durante o debate,
promovido pelo Correio Braziliense, entende que o país precisa levar a sério o
tema da sustentabilidade, o que exige seriedade e compromisso de todos os
setores econômicos, e não só dos órgãos de Estado.
Neste ano, as ações combinadas das forças
militares, Ibama e Polícia Federal, amparadas pelo Judiciário, reduziram as
atividades predatórias na região. Mas até quando? Para Rodrigo Agostinho, é
preciso uma consciência sustentável. Além disso, o Ibama necessita recompor o
seu quadro de profissionais, desmontado no governo passado para fazer frente
aos desafios impostos pelos contumazes predadores da floresta.
As autoridades identificaram, no auge da
crise território Yanomami, que a degradação ambiental por garimpeiros e
madeireiros é impulsionada pelas organizações criminosas do Sudeste. Diante do
quadro, o ex-presidente do Banco Central e um dos autores do Plano Real, o
economista Armínio Fraga, hoje preocupado com a crise climática, alertou,
recentemente, sobre o avanço do crime organizado na Região Norte. Algo que
precisa ser enfrentado, com muito rigor, pelas instituições de Estado.
A superação desses e outros obstáculos são condições indispensáveis para que o Brasil assuma uma posição de liderança e de exemplo na transição energética, na preservação do meio ambiente e padrão de sustentabilidade. As escolhas dos governos e suas ações apontarão o rumo que a nação seguirá no futuro. Para isso, é preciso que os demais poderes da República tenham engajamento expressivo, sobretudo o Legislativo, que reluta em acolher propostas e aprovar medidas favoráveis a uma transição não só energética, mas também para uma economia verde.
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