O Globo
Presidente encerrou o ano comemorando
vitórias no Congresso, mas a aliança que mais importa ele fez com o Centrão
Lula encerrou o ano de trabalho nesta
quarta-feira com a promulgação da reforma tributária pelo Congresso e uma
reunião ministerial em que elogiou a articulação política do governo por ter
conseguido aprovar parte importante da agenda econômica no Parlamento — segundo
ele, usando apenas a “a arte da negociação”.
Mas a celebração mais simbólica ocorreu longe
dos holofotes, entre os canapés e os drinques servidos no jantar de Lula com os
ministros do Supremo Tribunal Federal na última terça-feira. Afinal, a
articulação que fez diferença neste primeiro ano de Lula 3.0 não se deu com o
Congresso, e sim com o Supremo.
Com os parlamentares abastecidos por cotas generosas de emendas, portanto menos sujeitos ao “é dando que se recebe”, o tribunal — especialmente com a ala conhecida em Brasília como “Centrão do STF” — enxergou a oportunidade de ampliar seu, digamos, raio de atuação. Lula, por sua vez, entendeu que tinha muito a ganhar aplicando sua “arte da negociação”, assim pôde contar com o Supremo em momentos valiosos.
Desde o início do mandato, o presidente já
nomeou um aliado de Alexandre de Moraes para o Tribunal Superior Eleitoral, um
apadrinhado de Gilmar Mendes para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(Cade) e ainda escolheu o candidato de ambos para a Procuradoria-Geral da
República.
Nesse período, foi do Supremo que saíram
algumas das principais soluções para os problemas do governo — como a saída de
que Lula precisava para driblar a lei que restringiu a presença de políticos
nas estatais.
Com uma canetada dias antes de se aposentar,
o ministro Ricardo Lewandowski derrubou o dispositivo da lei, que ele disse
ferir o direito fundamental do governo de lotear entre os aliados sinecuras com
muitos contratos e bilhões para distribuir.
Há duas semanas, quando a liminar foi a
julgamento no plenário do tribunal e perigava cair — já que cinco dos nove
ministros que podiam votar tendiam a derrubá-la —, Kassio Nunes Marques,
integrante ativo do Centrão do STF, pediu vista do processo e parou a votação.
No ano que vem, quando o julgamento for
retomado, Flávio Dino já terá tomado posse, e a “bancada governista” terá seis
dos onze ministros — além do próprio Dino, Moraes e Gilmar, fazem parte do
grupo Cristiano Zanin, Dias Toffoli e, agora, Nunes Marques.
O novo aliado de Lula prestou um favor
valioso ao governo, mas também recebeu seu prêmio — um apadrinhado nomeado para
o cargo de desembargador no Tribunal Regional Federal de Brasília, onde ele fez
carreira e ainda mantém influência.
Grato, o mesmo Nunes Marques acaba de
encaminhar para uma câmara de conciliação um processo a que Lula tem Supremo
apego: a ação que pede a anulação da parte da lei de privatização da Eletrobras
que limitou o direito de voto do governo na empresa. A decisão foi comemorada
no Planalto, que temia que a liminar fosse negada de saída.
Em qualquer outro momento da História, esse
toma lá dá cá seria visto como algo impróprio, até perigoso para a democracia.
Não é difícil entender por que magistrados com o poder de determinar a vida e a
morte de governos não deveriam se imiscuir em questões políticas.
No Brasil pós-Bolsonaro, porém, não só os
próprios magistrados, como parte da opinião pública passaram a considerar esse
tipo de arranjo natural, uma espécie de compensação justa pelo salvamento da
democracia.
Não foi outro o objetivo do discurso em que
Gilmar Mendes reagiu à aprovação, pelo Senado, da Proposta de Emenda
Constitucional que limita o poder dos ministros de dar liminares, a PEC do
Supremo.
“Não é necessário muito esforço argumentativo
para demonstrar os danos que teriam sido impostos à sociedade, caso a Corte
estivesse limitada, num passado recente, pelas amarras burocráticas desta PEC”,
disse Gilmar no mesmo discurso em que se referiu aos senadores como “pigmeus
morais”. Ele mesmo já havia afirmado, semanas antes, que, “se hoje nós temos a
eleição do presidente Lula, isso se deveu a uma decisão do Supremo Tribunal
Federal”.
Nos bastidores do STF, os governistas que
apoiaram a PEC foram chamados de traidores. Preocupado, Lula chamou Gilmar e
Moraes ao Planalto para dizer que não tinha nada a ver com a história.
Ao final, produziu-se um acordão que
engavetou a emenda.
O episódio é a prova de que o Supremo ganhou
força desproporcional sobre os outros Poderes, capaz de constranger e intimidar
tanto o Congresso quanto o Executivo, se assim lhe convier. Quem quiser pode
até chamar esse arranjo de “novo pacto de governabilidade”, mas não há verniz
que repare os danos que ele pode trazer à nossa democracia.
2 comentários:
Interessante, mas não ficou claro qual a principal aliança de Lula para a colunista: com o congresso, com o Centrão, com o STF ou com o centrão do STF?
Pois é.
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