quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Ruy Castro - O eclipse do artista

Folha de S. Paulo

Os Três Mosqueteiros da bossa nova eram quatro, com Carlinhos Lyra como D'Artagnan

Carlos Lyra, que morreu no sábado último (16), não gostava de ser visto como o quarto maior nome da bossa nova. Nenhum desdouro nisso, sendo os três primeiros, em qualquer ordem, Tom Jobim, Vinicius de Moraes e João Gilberto. Mas, para ele, não era bem assim —os Três Mosqueteiros eram quatro. E, com seu cartel de canções produzidas entre 1956 e 1965, o D’Artagnan era ele. Afinal, quem poderia superar "Primavera", "Minha Namorada", "Você e Eu", "Influência do Jazz", "Coisa Mais Linda", "Lobo Bobo", "Sabe Você" e tantas mais?

E Carlinhos não se contentava com sua obra excepcional. Reivindicava também o pioneirismo. Em conversas, dizia casualmente que chegara à bossa nova antes de João Gilberto e, no máximo, junto com Tom. E tinha um bom argumento: o 78 rpm de Sylvia Telles com, de um lado, "Foi a Noite", de Tom e Newton Mendonça, e, do outro, "Menino", dele, Carlinhos. Quando esse disco foi gravado, em agosto de 1956, João Gilberto estava perdido em alguma nebulosa no espaço e a parceria de Tom e Vinicius ainda não era pública —o musical que a deslancharia, "Orfeu da Conceição", só estrearia no Municipal no dia 25 de setembro. Para todos os efeitos, Carlinhos, aos 23 anos, chegara mesmo no primeiro pelotão.

Exceto por um senão: "Foi a Noite" e "Menino" não eram ritmicamente bossa nova, mas belos sambas-canção. Tom e Carlinhos só descobriram a bossa nova quando João Gilberto a inventou, em 1957.

Durante os primeiros anos, Carlinhos e Tom seguiram fulgurantes carreiras paralelas. Mas, a partir de 1964, algo mudou. Tom disparou e ficou inalcançável: gravou com Frank Sinatra, compôs "Wave" e "Águas de Março", submeteu-se à ponte aérea Rio-Nova York e lutou por cada semifusa. Carlinhos, por temperamento, eclipsou-se. Seu patrimônio tornou-se o passado.

O talento não o abandonou, mas o mercado sim. Ali ele precisava ter sido D’Artagnan.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Muito bom o artigo.