Valor Econômico
Ministro tem recebido críticas veladas até de
aliados
A primeira coluna do ano é sobre ódio,
diálogo e esperança. O ódio foi tema de uma carta de Clarice Lispector ao amigo
Fernando Sabino em maio de 1956, na qual ela confidenciou seu especial
interesse no conto “O búfalo”, que havia acabado de escrever. O texto continha
“uma violência que me faz tremer”, descreveu.
A escritora revelou que tomada por um “ódio
muito forte”, sentimento que lhe era incomum, sentiu necessidade de criar
aquela história. A protagonista é uma mulher abandonada que decide fazer uma
visita ao Jardim Zoológico para aprender com os animais enjaulados como odiar.
Em sua busca, subitamente, a mulher se depara com um búfalo negro e imponente, e ambos passam a se encarar. “Ela não olhou a cara, nem a boca, nem os cornos. Olhou seus olhos... Olhos pequenos e vermelhos a olhavam... Lentamente a mulher meneava a cabeça, espantada, com o ódio com que o búfalo, tranquilo de ódio, a olhava”. A personagem então conclui que a busca chegou ao fim, até que sua mão alcança o punhal que guardava no bolso do sobretudo.
Se vivesse no Brasil contemporâneo, talvez
Clarice, morta em 1977, mudasse o cenário do conto do Zoológico para
transportar a personagem para a Esplanada dos Ministérios no dia 8 de janeiro
de 2023, quando o ódio impulsionou milhares de apoiadores radicais do
ex-presidente Jair Bolsonaro, que invadiram as sedes dos três Poderes
municiados de pedras, bombas caseiras, pedaços de pau e até estilingues para
depredar prédios públicos e destruir obras de arte e objetos históricos em
atentado à democracia.
“Ódio” foi a palavra onipresente nos
pronunciamentos das autoridades que discursaram na solenidade realizada nesta
segunda-feira no Salão Negro do Senado, no aniversário de um ano dos ataques
antidemocráticos. “Desinformação e discurso do ódio foram combustíveis” para os
ataques, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“Precisamos de um choque de civilidade no
país; ódio e golpismo nunca mais”, exortou o presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF), Luís Roberto Barroso. Coube ao presidente do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) e ministro do STF Alexandre de Moraes identificar as redes
sociais como instrumento de desinformação se utilizadas por grupos extremistas
para a “proliferação de notícias fraudulentas e discursos de ódio e
antidemocráticos”.
O saldo da cerimônia foram os alertas de que
a democracia brasileira, embora jovem, envergou diante dos atos extremistas de
8 de janeiro do ano passado, mas resistiu. O tom esquerdista empregado por Lula
no trecho de improviso gerou ruído, mas o recado de que a democracia é
soberana, e quem ameaçá-la sofrerá punição, predominou.
Quando Clarice lhe escreveu em 1956, Fernando
Sabino estava concluindo uma de suas principais obras, o romance “O encontro
marcado”. Pois foi um trecho deste livro que o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, escolheu como mensagem para 2024 em suas redes sociais.
“De tudo, ficaram três coisas: a certeza de
que estamos começando, de que é preciso continuar, e de que podemos ser
interrompidos antes de terminar”, publicou Haddad, em versão adaptada do
original.
Após uma sequência de vitórias emblemáticas
em 2023, com destaque para as aprovações da reforma tributária e da nova regra
fiscal, Haddad vai se dedicar neste ano à continuidade desses esforços, com
foco na regulamentação das novas regras tributárias, no cumprimento da meta de
déficit fiscal zero, e na elaboração de uma medida para reduzir a volatilidade
do câmbio.
Nesta mensagem, contudo, ele prevê obstáculos
como a interrupção dessa caminhada. “Façamos da interrupção um caminho novo; da
queda, um passo de dança; do medo, uma escada; do sonho, uma ponte; da procura,
um encontro”!
Apesar da mensagem em tom de esperança, o ano
começou cinza para Haddad, com a ameaça do presidente do Congresso, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), de devolver a medida provisória que reonerou parcialmente 17
setores da economia, contrariando decisão do parlamento em dezembro.
Apesar de alguns solavancos, na maior parte
das vezes, Haddad foi elogiado pela habilidade política e disposição para o
diálogo.
No entanto, até aliados próximos começaram o
ano criticando, nos bastidores, a postura do ministro da Fazenda, e do
secretário-executivo, Dario Durigan, que em declarações recentes, afirmaram que
se a medida provisória não tramitar ou não for aprovada, a saída será a
judicialização da matéria.
Durigan acrescentou que a não aprovação pode
levar à revisão da meta fiscal para mais, em tom de ameaça. Um aliado de Haddad
comentou, em tom de ironia, que a suposta ameaça soou como promessa porque
justamente uma meta fiscal entre 0,30% e 0,50% do PIB é o desejo da maioria do
Congresso e de uma ala expressiva do governo.
É nesse contexto que um interlocutor do
ministro ponderou que ele precisa se reencontrar com o Haddad de 2023,
reconhecido pelo dom do diálogo. Clarice escreveu a Sabino que após ler “O
encontro marcado”, teve uma impressão visual de “luz”. É o que deveria
impregnar a jornada da política e da economia no novo ano: menos ódio, mais
diálogo, luz e esperança por dias melhores.
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