Não deve haver perdão a multas da Odebrecht
O Globo
Empresa recorreu a Toffoli para deixar de
pagar por crimes confessados com fartura de provas
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli recebeu no último dia 9 um pedido da Novonor — novo nome da Odebrecht — para suspender os pagamentos à União relativos à multa de R$ 3,8 bilhões imposta pelo acordo de leniência firmado pela empresa na Operação Lava-Jato. A Novonor reivindica tratamento semelhante ao recebido de Toffoli pela holding J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista. Em dezembro, numa decisão provisória que ainda não foi examinada por outros ministros do Supremo, Toffoli suspendeu os pagamentos da multa de R$ 10,3 bilhões que a J&F concordara em pagar no acordo de leniência com o Ministério Público Federal no âmbito de outra operação paralela à Lava-Jato, a Greenfield.
O recuo nos acordos de leniência firmados por
empresas que confessaram seu envolvimento em crimes e falcatruas com dinheiro
público é mais um capítulo lastimável na sucessão de retrocessos no combate à
corrupção nos últimos anos. Para Toffoli, havia no caso da J&F “no mínimo
dúvida razoável” a respeito de um requisito essencial ao acordo: ser
voluntário. Se a justificativa já é questionável para a J&F, usá-la para a
Odebrecht seria completamente fora de propósito.
A Odebrecht entregou de forma voluntária
provas de corrupção em 49 contratos. Os dados de seu sistema de pagamento de
propina foram mantidos intactos, e mais de 70 executivos subscreveram as
delações. Empresários, políticos e executivos confessaram crimes. Tudo foi
registrado em gravações atestando que não houve coerção. A Odebrecht ainda
firmou acordo com autoridades americanas e suíças admitindo ter pagado US$ 788
milhões em propina em 12 países. Apesar de tudo isso, em setembro passado
Toffoli surpreendeu o mundo jurídico ao anular todas as provas da delação da
empresa, embora não tenha invalidado o acordo. Na ocasião, a Novonor não
manifestou intenção de rompê-lo. Agora aparentemente mudou de ideia.
Para justificar a anulação das provas,
Toffoli citou as mensagens obtidas ilegalmente com conversas entre os
procuradores da Lava-Jato e o ex-juiz Sergio Moro e afirmou que não havia
acordo internacional para o envio de dados da Suíça para o Brasil. Pouco tempo
depois, foi desmentido pelos fatos: havia o acordo. Nem assim o caso voltou a
ser avaliado pelos demais ministros da Corte. Ao constatar eventuais problemas,
não teria havido outra alternativa além da anulação total?
Os erros e abusos dos procuradores e de Moro
são de conhecimento público. Tão ou mais evidente é a capacidade de os
envolvidos em corrupção escaparem das garras da Justiça, mesmo quando há
fartura de evidências. No caso da Lava-Jato, as empresas foram condenadas
também no exterior com base nas mesmas provas. Mais que as multas, está em jogo
a credibilidade da própria Justiça. Dada a relevância do tema num país com o
histórico de impunidade do Brasil, a avaliação não pode recair sobre um único
ministro. Deveria ser colegiada. A Segunda Turma, que cuida dos casos da
Lava-Jato, e mesmo o plenário do Supremo têm o dever de examinar a questão,
para que não paire dúvida sobre sua solidez jurídica.
Insistir em vistos é o contrário do que Brasil precisa para
fortalecer turismo
O Globo
Governo deveria voltar a cancelar exigência
para cidadãos americanos, australianos e canadenses
O governo adiou para abril a exigência de
visto de entrada no Brasil para cidadãos americanos, australianos e canadenses.
A obrigatoriedade deixou de existir no governo Jair Bolsonaro, em 2019, mas,
logo depois da posse, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
anunciou que voltaria atrás na decisão, sob o argumento de que cidadãos
brasileiros precisam de visto para entrar nos Estados
Unidos, no Canadá e na Austrália (no
jargão diplomático, tal argumento é conhecido por “reciprocidade”).
Tramita no Congresso projeto acabando com a
exigência dos vistos. Ele nem seria necessário se o próprio governo tivesse o
bom senso de aproveitar a extensão do prazo para cancelá-la. A volta do visto é
contraproducente. De um lado, recriar a barreira a quem quer visitar o Brasil
traz consequências negativas ao turismo. De outro, em nada mudará a exigência
de visto para brasileiros entrarem nos outros países, ligada a fatores locais.
Dentro do governo, o Itamaraty defende a
reciprocidade. Se brasileiros precisam de visto para entrar num país, nada mais
justo, afirma o ministério, que impor a mesma exigência. Até como forma de
pressão para acabar com ela. Só que a realidade contraria essa visão. Ao longo
de todos os anos em que vigorou o visto para os três países, em nenhum momento
eles consideraram abrir mão dele para brasileiros.
Os motivos estão ligados à imigração ilegal,
ditada por circunstâncias econômicas e políticas locais. Mais de 30 mil
brasileiros foram pegos tentando entrar ilegalmente nos Estados Unidos só em
2023. Outros entraram legalmente com visto, mas ficaram além do tempo de
permanência, prática também comum no Canadá e na Austrália.
Ao mesmo tempo, não é difícil imaginar o que
acontecerá se turistas americanos, canadenses e australianos tiverem de voltar
a tirar visto para visitar o Brasil. Garçons e cozinheiros em bares e
restaurantes, camareiros e recepcionistas em hotéis, motoristas de aplicativos,
funcionários de empresas aéreas e aeroportos — toda a cadeia produtiva do
turismo terá menos trabalho.
Entre janeiro e novembro de 2023, 593.246
turistas americanos visitaram o Brasil, segundo os dados oficiais. O
contingente é superado apenas pelos argentinos. A soma de canadenses e
australianos chegou a 118.020. As entradas dos três países cresceram 23% em
relação a 2018, último ano com exigência do visto. De modo geral, turistas de
países ricos gastam bem mais que os da América do Sul. Nos 11 meses entre
janeiro e novembro, o turismo internacional rendeu R$ 30,8 bilhões, de acordo
com o Banco Central.
Ainda é pouco perto do potencial brasileiro.
O Brasil recebe turistas em quantidade comparável a Machu Picchu, no Peru,
destino também distante da América do Norte e da Europa, também com imagem ruim
em termos de segurança pública. O governo deveria se dedicar a lidar com nossas
dificuldades e reforçar nossas vantagens. Insistir na exigência dos vistos é o
contrário do que o país precisa para atrair mais turistas. É hora de ouvir
menos os diplomatas e mais o próprio setor.
Para Trump, o maior teste não é vencer
primárias republicanas
Valor Econômico
Além de se desvencilhar de processos
judiciais em plena campanha, ex-presidente terá de diminuir sua alta rejeição
Com as primárias partidárias de Iowa, na
terça-feira, teve início uma campanha eleitoral que promete ser a mais
tumultuada em décadas nos Estados Unidos. Antes mesmo do início do calendário
da disputa, dois Estados, Maine e Colorado, impediram que Donald Trump,
candidato preferido pela maioria dos republicanos, segundo as pesquisas,
tivesse seu nome inscrito na cédula. Motivo: participação em insurreição, em
referência à invasão do Capitólio para impedir o democrata Joe Biden de tomar
posse. A Suprema Corte julgará o caso. Ao longo da campanha, pelo menos três
processos contra Trump poderão ser julgados - o de que incitou uma insurreição
contra a democracia será feito em breve, 4 de março. Há inclusive a
possibilidade de Trump ser condenado, ir preso, vencer as eleições, e governar
até em prisão domiciliar. Como presidente, poderia perdoar seus próprios
crimes, segundo juristas, mas poderia haver também questionamentos legais. Como
isso nunca ocorreu, a hipótese nunca foi testada na prática.
Donald Trump começou sua caminhada eleitoral
com grande e previsível vantagem, 51%, sobre seus concorrentes, o governador da
Flórida, Ron DeSantis (21%), a ex-embaixadora americana na ONU Nikki Haley
(19%) e o empresário de biotecnologia Vivek Ramaswamy (7,7%). Haley, que quer
se firmar como a principal rival do ex-presidente, pode ir melhor nas primárias
de New Hampshire, na terça-feira, 23. Pesquisas a colocam como preferida de 30%
dos eleitores, ante 43,5% que pretendem votar em Trump e apenas 5,4% em DeSantis.
Iowa era um território amigo para o radical
republicano: pesquisa de boca de urna mostrou que mais da metade dos que foram
às urnas acredita que Biden não ganhou legitimamente as eleições de 2020.
Nacionalmente, é igual a fatia dos republicanos que acreditam na narrativa de
fraude, para a qual não existem mínimos indícios ou provas.
Haley tenta se manter na corrida porque sabe
que Trump é um candidato vulnerável. Os processos judiciais que se desenrolarão
durante a campanha trazem forte narrativa contra o republicano, não só por
atentados contra a democracia, como por fraude corporativa, com multa pedida
pela promotoria de Nova York de US$ 370 milhões. As desventuras judiciais de
Trump podem afastar apoio de republicanos moderados, os quais Haley diz
representar. Além disso, Haley, em pesquisa da CBS News/YouGov, é a candidata
do partido que venceria Biden por maior margem se as eleições fossem hoje: 53%
contra 45%, ante 50% a 48% de Trump e 51% a 48% de DeSantis.
Sem reviravolta radical no cenário, Haley não
é páreo para Trump. O ex-presidente tem uma média de 63% de apoio no partido,
ante 12% da candidata, de acordo com o agregador de pesquisas FiveThirtyEight.
Por mais estapafúrdias que sejam as histórias de Trump sobre a eleição que
perdeu, são elas que prevalecem em um partido no qual boa parte acha válido
recorrer a métodos antidemocráticos para impedir a posse de um rival.
Trump promete ir à forra contra seus
inimigos, encastelados no “pântano” de Washington, assim como aprofundar
políticas protecionistas, desta vez não só contra a China, mas contra todos -
ele tem dito que imporá uma tarifa de 10% sobre todas as importações. Nos
processos sobre suas ações para desvirtuar eleições e impedir a posse de Biden,
Trump mostra sua concepção de democracia ao alegar que, pela lei, nunca poderia
ser processado como presidente por seus atos, fossem eles quais fossem. É uma
visão que se assemelha a de um país sem instituições, não aos EUA. A Justiça
dará a palavra final.
Biden é um candidato fraco, embora não tenha
cometido grandes erros. A economia se manteve em boa forma durante seu mandato
até agora, com nível de emprego recorde. Sua política econômica, embora
protecionista, é mais ampla e sofisticada para criar empregos, estimular e
modernizar a indústria americana e preparar o país para mudanças climáticas. O
ritmo da economia deve diminuir a partir de agora, o que é um problema para um
presidente cujo trabalho não foi bem avaliado quando ela caminhava bem. A agregação
de pesquisas mostra que 56% dos americanos desaprovam a atuação de Biden,
enquanto 38,6% a aprovam. Sua popularidade agora é a menor que a dos últimos
presidentes que tentaram a reeleição no início do ano da disputa.
Mas, apesar disso, está em pé de igualdade com Trump nas pesquisas, nas quais a diferença segue mínima e dentro da margem de erro. Isso porque há o outro lado da moeda: Trump não é um valentão amado. Pouco mais da metade dos americanos (52%) tem uma opinião desfavorável em relação a ele e 42,3%, favorável, uma avaliação que varia muito pouco nos últimos dois anos (FiveThirtyEight). Se o quesito é impopularidade, Biden e Trump também estão empatados na margem de erro. Com o início da campanha, o democrata vai concentrar seu fogo na ameaça autoritária que Trump e radicais republicanos representam. A seu favor terá a exposição pública das peripécias do rival na prestação de contas à Justiça, pelo mesmo motivo. Se isso será suficiente para vencer Trump só o futuro dirá.
Estatal fisiológica
Folha de S. Paulo
Uso político da Codevasf é parte de arranjo
que não será superado com bravatas
No papel, a Companhia de Desenvolvimento dos
Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) é uma estatal federal.
Entretanto ela não é uma empresa que gere receitas para bancar seu custeio e
seus investimentos, o que fica a cargo do bolso do contribuinte.
A falta de recursos próprios não impede a
Codevasf de expandir projetos e atividades, graças aos interesses do mundo
político. No projeto original de Orçamento para 2023, a estatal contava com
modestos —para os padrões brasilienses— R$ 874 milhões; ao final do ano, os
gastos autorizados chegavam a R$ 3,5 bilhões.
A multiplicação no início do mandato de Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) repete a que já ocorria sob Jair Bolsonaro (PL). As
dotações orçamentárias da empresa para 2022 saltaram de R$ 909 milhões
propostos para R$ 3,3 bilhões.
Levantamento da Folha mostra que no
ano passado as licitações da
Codevasf para obras e aquisições somaram R$ 5,3 bilhões, pouco
abaixo dos R$ 5,6 bilhões, em valores corrigidos, de 2021 (em 2022, foram R$
3,8 bilhões). Há, pois, desembolsos garantidos no futuro.
A pujança se deve ao empreendedorismo
político-eleitoral de parlamentares e dirigentes que usam a companhia —na
prática, uma repartição do Ministério da Integração e do Desenvolvimento
Regional— para direcionar verbas federais a seus redutos locais.
Em contraste com o desenvolvimento prometido
nos nomes da pasta e da estatal, os recursos são pulverizados em iniciativas de
prioridade e qualidade duvidosas, para nem mencionar os casos de lisura sob
suspeita. Exemplo quase caricatural é o do asfalto que se esfarelava em cidades
nordestinas, que ganhou o noticiário.
Esse arranjo disfuncional está entre os
sustentáculos do entendimento mínimo entre o centrão, a massa amorfa de
partidos fisiológicos dominante no Congresso, e o Palácio do Planalto —não
importando aí seu ocupante.
Lula e outros petistas que atacaram a farra
das emendas parlamentares durante a campanha eleitoral não tardaram a aderir ao
modelo depois de vitoriosos.
Inexiste saída fácil e rápida para ele no
presidencialismo brasileiro de múltiplos partidos, no qual o Executivo perdeu
poderes sobre o Orçamento para o Legislativo. Ajustes do sistema politico, como
a correta cláusula de desempenho para reduzir o número de legendas, são apenas
parte do caminho.
Há que cobrar
critério, transparência e prestação de contas das emendas parlamentares.
Expor os desmandos é um começo.
Indústria do concurso
Folha de S. Paulo
Certame nacional unificado traz avanço, mas
urge combater distorções mais graves
Por permitirem acesso a salários acima da
média do mercado e estabilidade quase absoluta no emprego, os concursos
públicos atraem atenção desproporcional no país, a ponto de reunirem atividades
econômicas, políticas e jurídicas em torno de si.
Cursos preparatórios para as provas e
professores especializados se espalharam pelas maiores cidades; candidatos não
selecionados acionam advogados em busca da vaga na Justiça; aprovados fazem
lobby nos três Poderes para serem contratados em tempo hábil.
No mais das vezes, o processo atende ao
interesse não do serviço público, mas dos assim chamados concurseiros —termo
cuja vulgarização também revela como o propósito dos certames se desvirtuou.
A seleção tende a favorecer candidatos que
dispõem de tempo e dinheiro para se preparar, em geral nas metrópoles. Os
exames, que privilegiam questões objetivas, pouco ou nada aferem experiência e
vocação. Grande parte dos admitidos segue disputando postos ainda mais
vantajosos.
Nesse contexto, há avanços no
recém-instituído Concurso Público Nacional Unificado, apelidado de
"Enem dos concursos". De mais importante, possibilita-se que
interessados participem em 220 cidades de todas as unidades da Federação, com
taxa de inscrição mais barata e mais opções de aproveitamento dos selecionados.
Outros aperfeiçoamentos estão em debate, como
projeto já aprovado pela Câmara e em tramitação no Senado que estabelece regras
nacionais para reduzir a judicialização. Especialistas defendem certames em
mais etapas, incluindo análise de currículo e entrevista —o que, para outros,
eleva riscos de favorecimentos pessoais.
Fato é que há distorções mais profundas a
enfrentar, a começar pela ausência de diagnósticos transparentes sobre as reais
necessidades de pessoal nos órgãos dos três níveis de governo. Sem isso,
concursos são suspensos ou acelerados conforme preferências dos governantes e
pressões dos servidores.
Hoje
exagerados, ao menos na administração federal, os salários iniciais
das carreiras deveriam ser reduzidos de modo a desencorajar a rotatividade. O
alcance desmesurado da estabilidade no emprego igualmente precisa ser revisto,
não para promover demissões em massa, mas especialmente para desestimular a
ineficiência.
O concurso é instrumento precioso para a profissionalização do serviço público e merece ser valorizado. Não pode ser encarado, entretanto, como meio de ingresso em uma casta privilegiada.
O declínio da atratividade do Brasil
O Estado de S. Paulo
Pesquisa com CEOs divulgada em Davos mostra
que o País já não está entre os primeiros mercados considerados cruciais para
as grandes empresas globais, mas há espaço para recuperação
Pela primeira vez em dez anos, o Brasil ficou
fora da lista de países considerados estratégicos pelos principais executivos
do mundo. A 27.ª edição da CEO Survey, realizada anualmente pela consultoria
internacional PwC e divulgada na abertura do Fórum Econômico Mundial em Davos,
revelou que o País ficou com a 14.ª posição entre os mercados avaliados como
cruciais para o crescimento dos negócios de suas empresas, atrás de Estados
Unidos, China, Alemanha, Reino Unido, Índia, França, Canadá, Japão, Austrália e
México.
Na pesquisa, realizada entre os meses de
outubro e novembro, mais de 4,7 mil executivos em 105 países foram instados a
citar três nações e territórios que eram os mais importantes na estratégia de
crescimento de suas respectivas organizações, com exceção daquele em que o
participante reside.
É inegável que a pandemia de covid19 mudou a
dinâmica do ambiente geopolítico e econômico e, consequentemente, a visão que
os CEOs têm sobre o Brasil. Mesmo os Estados Unidos, que lideraram o ranking
deste ano, registraram queda nas menções por executivos. Foram citados por 40%
deles no ano passado e por 29% neste ano. Segunda da lista, a China também teve
queda nas menções, de 23% em 2023 para 21% em 2024. E nada menos que 30% dos
executivos não indicaram nenhum país como relevante para o crescimento de suas
empresas nos próximos anos, ante 19% no ano anterior.
O claudicante desempenho da economia na
última década também explica parte da perda da relevância que o Brasil já teve
no passado em termos globais. Há, no entanto, muito espaço para o País
recuperar posições, tanto que os CEOs das companhias brasileiras demonstraram
mais otimismo que o restante dos líderes empresariais.
Segundo a pesquisa, 55% dos presidentes das
grandes empresas nacionais apostam na aceleração do crescimento econômico
brasileiro, 15% apostam em estabilidade e 29% trabalham com a hipótese de uma
recessão. Somente os chineses e os indianos demonstraram maior otimismo em
relação às suas economias.
Isso tem tudo a ver com o controle da
inflação, segundo o sócio-presidente da PwC Brasil, Marco Castro.
“É um traço cultural do brasileiro ser mais
otimista do que a média global. E, talvez, ela se justifique neste momento por
causa de alguns elementos. O assombro que a inflação representa para o
brasileiro é muito maior do que para qualquer outra pessoa lá fora no passado
recente”, disse Castro. “O fato de a inflação estar controlada, numa fase
descendente, dá um sinal positivo para as reações do mercado. A taxa de juros
está sendo reduzida, o que também dá um alívio para as empresas”, afirmou.
A trajetória mais recente do País mostra que
há espaço para recuperar sua relevância no exterior. Desde 2016, por exemplo, o
Congresso aprovou as reformas trabalhista e previdenciária, além de leis
importantes como o marco do saneamento e a autonomia do Banco Central.
No ano passado, o País venceu um gargalo
histórico ao aprovar a reforma tributária sobre bens e serviços, tema a ser
regulamentado nos próximos meses. A força do agronegócio impulsionou as
exportações e o crescimento econômico, o desemprego continua baixo e a renda se
recuperou parcialmente depois de anos de estagnação.
Ainda há um enorme problema estrutural a ser
enfrentado na área fiscal. O vigor do arcabouço ainda precisa ser testado, as
receitas não se recuperaram da forma como a equipe econômica previa e o governo
é avesso a qualquer debate sobre corte de despesas. Há muitas oportunidades de
desenvolvimento na economia verde e na transição energética, mas aproveitá-las
demandará investimentos pesados em educação e qualificação profissional.
Os desafios são grandes, mas o caminho para
enfrentá-los já é mais do que conhecido. Basta não se desviar dele e seguir na
trajetória de reformas que ampliem a segurança jurídica, fortaleçam o ambiente
de negócios e atraiam mais investimentos. Só isso será capaz de proporcionar um
crescimento econômico sustentável que devolverá ao País a relevância
internacional que já teve no passado.
Não há bala de prata contra o bullying
O Estado de S. Paulo
Lei que tipifica o bullying é vaga e desproporcional. Ademais, é ilusão pensar que basta a lei para deter a violência contra crianças nas escolas. Pais e professores têm papel fundamental
Está em vigor no País a Lei 14.811/24,
sancionada pelo presidente Lula da Silva no dia 15 passado. A nova lei alterou
o Código Penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a chamada Lei dos
Crimes Hediondos para tipificar o crime de bullying, inclusive em sua
modalidade digital, o cyberbullying, e agravar as penas cominadas a delitos
cometidos contra menores de 18 anos.
Pratica o crime de bullying quem “intimidar
sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou
psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem
motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de
discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas,
físicas, materiais ou virtuais”. Quando essas agressões são praticadas no
ambiente digital, vale dizer, por meio de redes sociais, aplicativos ou jogos
online, está-se diante do cyberbullying.
Bullying e cyberbullying são violências que
afetam milhões de crianças e jovens no mundo inteiro, deixando cicatrizes
profundas e não raro duradouras em suas vítimas. No Brasil, esses ataques se
tornaram preocupação crescente de alunos, professores, pais e responsáveis,
exigindo do Estado a implementação de leis voltadas à prevenção de casos e à
punição dos agressores. Das famílias e da chamada comunidade escolar tem sido
exigido um envolvimento cada vez mais presente na educação dos menores com
vista à criação de um ambiente escolar mais seguro e acolhedor para todos.
Eis a questão central. A Lei 14.811/24 tem
méritos, entre os quais o de elevar o grau de proteção jurídica da integridade
física e psíquica de crianças e adolescentes, sabidamente mais vulneráveis, e
de fomentar ações de prevenção da violência nas escolas, criando protocolos
para resguardar os alunos nos estabelecimentos educacionais. Contudo, não se
deve esperar que a edição da lei, sozinha, sirva como panaceia para os males
que ocorrem nas escolas, principalmente uma lei que tem lacunas bastante problemáticas.
Ainda não está claro, para citar apenas um
exemplo, como e a quem as penas serão aplicadas. De acordo com a Lei 14.811/24,
o bullying está sujeito à pena de multa, “se a conduta não constituir crime
mais grave”. Mas, afinal, qual será o valor dessa multa e quem haverá de
pagá-la? O infrator? Seus pais ou responsáveis? A direção da escola onde
ocorreu o ataque? Já o cyberbullying é punido com pena de 2 a 4 anos de
reclusão, além de multa. Por que o legislador entendeu que a violência contra
menores praticadas na internet é mais grave do que sua modalidade presencial, a
ponto de levar à cadeia quem a comete? Terá sido pelo alcance potencial dos
danos causados às vítimas? Não se sabe.
Que fique claro: é de vital importância,
literalmente, que o poder público tenha à sua disposição meios jurídicos para
coibir a prática de violência dirigida e sistemática contra crianças e
adolescentes. Em casos extremos, o bullying e o cyberbullying podem levar as
vítimas à morte. Nesse sentido, era preciso ter um poderoso instrumento de
dissuasão. É ilusório, porém, pensar que só a Lei 14.811/24 basta para eliminar
todos os riscos a que estão expostos crianças e adolescentes nas escolas,
creches e universidades País afora. Convém lembrar que a legislação anterior
sobre bullying no País, de 2015, revelou-se ineficaz para a prevenção de casos
de violência contra crianças e adolescentes em idade escolar, como tristemente
ficou notório nesses últimos oito anos. É preciso ir além das leis.
As famílias têm um papel crucial na prevenção
do bullying. Educar os filhos sobre respeito mútuo, empatia e tolerância desde
a infância é dever dos pais e responsáveis. Já nas escolas, professores e
demais profissionais devem estar atentos aos possíveis casos de violência, além
de acolher as vítimas e promover ações que desenvolvam uma cultura de paz nas
escolas, sem a qual não há aprendizado possível. Como tantas outras mazelas, o
bullying não desaparece com uma bala de prata.
Confusão guatemalteca
O Estado de S. Paulo
Tensão golpista cercou a posse do novo
presidente da Guatemala; democracia triunfou, por ora
Em respeito à vontade dos eleitores e ao
Estado Democrático de Direito, o presidente eleito da Guatemala, Bernardo
Arévalo, finalmente tomou posse na noite de domingo após nove horas de tensão.
Manobras de última hora do Ministério Público e de políticos e magistrados
conservadores para tentar deslegitimar a vitória eleitoral de Arévalo,
sociólogo e ex-diplomata de centro-esquerda que obteve 60% dos votos válidos,
atrasaram a cerimônia. Mas as reações de chefes de Estado e de representantes
de governos estrangeiros ali presentes, bem como manifestações populares,
impediram a mais recente tentativa de ruptura institucional. Na Guatemala, ao
menos por ora, a democracia prevaleceu.
Não causa assombro a resistência de setores
da classe política, do Ministério Público e do Judiciário à posse de um
político progressista que prometera, na campanha eleitoral, reavivar a
democracia e combater a corrupção endêmica no país. A Guatemala figura entre os
países mais corruptos entre os 180 avaliados pela organização Transparência
Internacional e mostra-se tão vulnerável quanto o Equador aos objetivos dos
múltiplos cartéis do narcotráfico ali presentes de corroer as instituições. Aos
favorecidos por esse statu quo, a continuidade da vista grossa do agora
ex-presidente Alejandro Giammattei bem valeria um golpe de Estado.
A mais recente iniciativa do Ministério
Público contra Arévalo surgiu com o veto à diplomação dos deputados eleitos de
seu partido, o Semilla, o que não permitiria sua própria posse no Congresso.
Essa foi apenas a última de uma série de investidas antidemocráticas desde o
segundo turno das eleições presidenciais, em agosto. A lisura das urnas
eletrônicas e a legalidade da candidatura de Arévalo e de seu partido foram
contestadas no Tribunal Supremo Eleitoral, sem trégua nem argumentação
plausível. Tal movimento contradiz os fatos de as eleições guatemaltecas e seus
resultados terem sido avalizados por mais de 8.000 observadores, dentre os
quais os enviados pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e pela União
Europeia.
Articulações políticas internas foram
essenciais para evitar a ruptura democrática no país nos seis meses entre o
segundo turno e a tumultuada posse, que se deu em um centro cultural da Cidade
da Guatemala. Mas as reações dos Estados Unidos, da União Europeia e da OEA
mostraram-se determinantes – sobretudo no momento da posse de Arévalo.
Não se prevê o apaziguamento da Guatemala no curto prazo. Muito menos uma gestão minimamente tranquila para o novo presidente. A execução de sua agenda anticorrupção será posta à prova pelos setores antidemocráticos. O Orçamento exíguo do país limitará as políticas em favor dos pobres – 60% dos guatemaltecos estão abaixo da linha de pobreza –, justamente os mais afetados pela violência das gangues e que arriscam a vida tentando emigrar para os EUA. A garantia internacional para a posse de um governo essencialmente democrático terá, agora, de converter-se em apoio político, cooperação, financiamento e investimentos.
É preciso falar do combate à desigualdade no
mundo
Correio Braziliense
Vista como menos urgente do que as mudanças
climáticas, mas tão necessária quanto, a desigualdade social não estará no foco
direto das discussões do Fórum Econômico Mundial
O Fórum Econômico Mundial, que ocorre em
Davos, nos Alpes Suíços, vai se dedicar aos temas que envolvem a transição
climática e a ponte para uma economia que descarboniza sua geração de riqueza,
sob pena de não mais haver retorno na elevação da temperatura do planeta e na
ameaça a milhões de seres humanos no futuro próximo. Gerar empregos, fazer da
inteligência artificial o motor para a economia e para a sociedade, a segurança
e a cooperação em um mundo fragmentado, e, obviamente, uma estratégia para o clima
e a energia são os temas do Fórum, que, entre chefes de Estado, presidentes de
empresas, representantes da sociedade civil, meios de comunicação e líderes
juvenis, deve reunir 2.500 pessoas nos dias de debate.
Vista como menos urgente do que as mudanças
climáticas, mas tão necessária quanto, a desigualdade social não estará no foco
direto das discussões, sobretudo porque um dos seus maiores defensores atuais,
o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não participará do evento. Ao jogar o
Fórum Econômico para segundo plano, Lula perde a primeira janela internacional
para pôr em prática a prioridade fixada para sua gestão à frente do G20: de
combate à fome e à desigualdade social.
Ao deixar a representação do Brasil em Davos
2024 como responsabilidade da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, do
ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, e do assessor especial da
Presidência, Celso Amorim, o governo brasileiro prioriza as mudanças climáticas
em detrimento de uma agenda social. Isso exatamente no momento em que um estudo
da Oxfam mostra que o mundo está perto de ter os primeiros trilionários até
2033, enquanto para erradicar a pobreza serão necessários 230 anos. E a aposta
da Oxfam está exatamente no Brasil para encabeçar a demanda de se fixar metas
de redução da desigualdade, assim como há metas para redução da emissão dos
gases do efeito estufa.
Os dados do relatório Desigualdade S.A — Como
o poder corporativo divide nosso mundo e a necessidade de uma nova era de ação
pública, divulgado na segunda-feira, mostram que a fortuna das cinco pessoas
mais ricas do mundo mais do que dobrou no ano passado, enquanto a renda de 5
bilhões de pessoas no mundo diminuiu. Pelo menos quatro dos cinco bilionários
brasileiros mais ricos aumentaram em 51% sua riqueza desde 2020. Nesse período,
outros 129 milhões de brasileiros ficaram mais pobres. A desigualdade social no
mundo e no Brasil é gritante e está na origem da crise migratória nas Américas
e da África para a Europa, assim como da fome a que estão condenados milhões de
seres humanos.
A Oxfam estima que, se apenas os recursos
usados em dividendos e recompra de ações para os 10% mais ricos em 2022 fossem
redistribuídos aos 40% mais pobres, a desigualdade teria uma redução de mais de
20%. E, ainda, se metade do valor pago aos 10% mais ricos em 2022 fosse
distribuído, seria suficiente para acabar com a pobreza global (US$ 6,85 por
dia). Para a entidade, grandes empresas e monopólios estão aumentando a
desigualdade social em toda a economia, sendo necessária uma ação dos governos
de fortalecimento dos serviços públicos para a população e de cobrança de
impostos sobre grandes fortunas e a parcela dos mais ricos, no sentido de
aumentar a distribuição de renda e combater a desigualdade.
No Brasil, a desigualdade vem de longa data,
hora tendo pequenas reduções, hora avançando. Na década de 1970, com o milagre
econômico, se criou o conceito de que era preciso fazer o bolo crescer para,
depois, distribuir, e o economista Edmar Bacha cunhou a expressão
"Belíndia", para mostrar a proximidade do Brasil rico com a Bélgica e
a parcela pobre com a Índia. A representação precisa ser atualizada. Não porque
a realidade brasileira mudou, mas porque os países que foram referência no
passado mudaram. A retomada dos programas sociais ajuda a diminuir a
desigualdade, mas de forma ínfima. É preciso que as nações, e em especial o
Brasil, adotem medidas para efetivamente combater a desigualdade, com
estabelecimento de metas a serem cumpridas.
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