Valor Econômico
Relação dos chefes do Executivo com o
Legislativo, em especial, com as lideranças da base e da oposição, sempre foi
de se tourear
Desde que as primeiras Constituições
estabeleceram a separação dos Poderes, a relação dos chefes do Executivo com o
Legislativo, em especial, com as lideranças da base e da oposição, sempre foi
de se tourear.
Um pouco de história: nos anos 50 e 60, no
auge da liderança de Carlos Lacerda e da UDN, que faziam oposição aos governos
de Getúlio Vargas, JK e João Goulart, essa bancada oposicionista ficou
conhecida como “banda de música”.
Isso porque os líderes udenistas se aboletavam nas primeiras cadeiras do plenário e se revezavam na tribuna com oratórias exaltadas. Nos dias de hoje, a oposição, principalmente o bolsonarismo, mantém os discursos estridentes - a diferença é que a repercussão flui nas redes sociais, não no plenário.
Mesmo a base aliada também sempre levou
inquietação aos mandatários. A releitura de trechos aleatórios dos “Diários da
Presidência” do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) evidencia esse
desassossego.
“Hoje vai ser um dia difícil (...) vamos ter
que disparar telefonemas, conversar com os líderes do Congresso, enfim, esse
jogo de convencimento que não é fácil”, lamentou o tucano em uma passagem do
volume sobre o biênio 1997-1998.
Em outro parágrafo, ele anotou que marcara um
jantar com quatro ou cinco líderes do MDB para afinarem um acordo, e reclamou
do aliado volúvel. “O PMDB acerta o tempo todo, desacerta em seguida e
reacerta, não sei em que vai dar tudo isso”, desabafou.
Embora esteja se aproximando da metade do
terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é gato escaldado
na tumultuada relação com deputados e senadores, mas não se curou do medo de
água fria.
Nesse ponto, aliados que acompanham o petista
desde os primeiros governos ponderam que o Congresso tinha maioria governista,
no qual Lula transitava com desenvoltura, enquanto a realidade atual é de um
parlamento majoritariamente de direita, de franca animosidade ao Palácio do
Planalto, e que nas eleições defendeu voto contrário ao PT.
Essa relação histórica de morde-e-assopra é o
pano de fundo da primeira reunião formal de Lula com os líderes da base aliada
na Câmara programada para esta quinta-feira (22), à qual deve se somar o
presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). É um divisor de águas porque será a
primeira reunião neste formato desde o início do terceiro mandato, em janeiro
de 2023.
Lula já se encontrou com os líderes em outras
oportunidades, mas o evento desta semana será uma agenda de trabalho, em que o
presidente avocará para si, igualmente, o papel de articulador político. Missão
que tem o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, na linha de
frente, mas que a depender do interlocutor, tem outros atores no enredo, como o
chefe da Casa Civil, Rui Costa, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Em julho, Lula convidou os líderes da Câmara
para um encontro no Palácio da Alvorada a fim de agradecer a aprovação da
reforma tributária na Casa. Em outubro, reuniu o Conselho Político, que é um
colegiado mais amplo, que agrega os líderes da Câmara e do Senado, presidentes
de partidos e ministros da ala política.
Num cenário em que tenta se consolidar como
mediador de conflitos na arena internacional - e, no entanto, deflagrou o
incidente diplomático com Israel - Lula colocará à prova sua habilidade
política para administrar o conflito com Lira e com os líderes na Câmara.
Até então, haviam sido pontuais as
intervenções de Lula na articulação política. Nos últimos dias de maio, a
medida provisória de reestruturação da Esplanada ia perder a validade, e o
governo ficaria com 23 ministérios, e não 37. Lula entrou em campo, recebeu no
gabinete o líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), e conversou por
telefone com os líderes do Republicanos, Hugo Motta (PB), e do PSD, Antônio
Britto (BA).
Em junho, outra crise: líderes cobravam o
pagamento de R$ 9 bilhões em emendas residuais do “orçamento secreto”.
Insatisfeitos, boicotaram reunião com Lula que ocorreria no Palácio do
Planalto. Uma parcela acompanhou Lira a São Paulo para evento com empresários.
A relação dos líderes com o Planalto, que
nunca foi harmoniosa, azedou de vez nos últimos meses após duas medidas de
Lula. Em dezembro, ele vetou a extensão da desoneração da folha de pagamento
até 2027, aprovada pelas duas Casas. O veto foi derrubado, mas o Executivo
editou uma medida provisória para retomar a cobrança de tributos sobre a folha,
gesto interpretado como desrespeito à autonomia do Legislativo.
O ambiente ainda estava insalubre quando, em
janeiro, Lula vetou R$ 5,5 bilhões das emendas de comissões, com os quais
parlamentares contavam para irrigar suas bases em ano de eleições municipais.
Em resposta, Lira fez um discurso áspero na abertura do Ano Legislativo.
Alertou que o Orçamento é de todos os brasileiros, não só do Executivo, e não
pode ficar engessado por “burocracia técnica” e por quem não foi eleito.
A consequência direta desse discurso foi o
cancelamento de reunião dos líderes na Câmara com Fernando Haddad no dia 6 para
discutir a agenda econômica “por falta de clima”. Lira sequer havia sido
convidado para o evento. Agora Lira será convidado para a reunião com Lula e os
líderes. A expectativa é que transcorra em ambiente arejado.
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