Ao comparar Israel a nazistas, Lula agride a História
O Globo
Presidente deveria ter a humildade de se
desculpar diante do mundo
O Brasil sempre foi um refúgio para
perseguidos de outras partes do mundo. Recebeu e integrou à sociedade
imigrantes de todas as origens nacionais, étnicas e religiosas, entre os quais
árabes (cristãos e muçulmanos) e judeus. Essa característica acolhedora
tradicionalmente deu à diplomacia brasileira uma posição privilegiada de
equilíbrio em relação aos conflitos recorrentes no Oriente Médio. Atos e
declarações recentes do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, porém, põem em xeque esse equilíbrio, agridem os fatos e, no mínimo,
sugerem que ele desconhece a História.
Na tentativa de criticar as ações de Israel na Faixa de Gaza, Lula fez um paralelo frequente entre os antissemitas, que ofende não somente os judeus, mas as consciências justas do mundo todo. “O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu: quando o Hitler resolveu matar os judeus”, disse Lula. A comparação descabida da guerra em Gaza com o Holocausto que exterminou 6 milhões de judeus na Segunda Guerra recebeu apoio do grupo terrorista Hamas, que agradeceu a Lula nas redes sociais. Isso diz tudo.
A declaração de Lula destoa da posição que
ele próprio emitiu na véspera em seu discurso na 37ª Cúpula da União Africana,
quando considerou o momento “propício” para resgatar tradições humanistas. “Ser
humanista hoje implica condenar os ataques perpetrados pelo Hamas contra civis
israelenses e demandar a libertação imediata de todos os reféns. Ser humanista
impõe igualmente o rechaço à resposta desproporcional de Israel”, afirmou.
É plenamente legítimo que Lula critique
Israel por crer exagerada sua resposta ao ataque terrorista de 7 de outubro do
ano passado, o maior morticínio de judeus depois da Segunda Guerra. Mas é
inaceitável comparar a reação israelense ao extermínio genocida promovido pela
Alemanha nazista e seus Estados-satélites contra os judeus. Imaginar qualquer
equivalência moral entre os nazistas e os judeus é uma ofensa à memória dos
mortos no Holocausto, à dos sobreviventes e de seus descendentes, em Israel ou
em qualquer parte, inclusive no Brasil. E a todos no mundo com consciência
moral.
Lula afirmou, com base em números divulgados
pelo Hamas, que o conflito em Gaza vitimou até agora “quase 30 mil palestinos
em Gaza, em sua ampla maioria, mulheres e crianças” (Israel afirma ter matado
cerca de 11 mil terroristas). Pois, durante o Holocausto, apenas em dois dias
de setembro de 1941, 33.771 judeus foram fuzilados na ravina de Babi Yar, perto
de Kiev, na Ucrânia. Quando os campos de extermínio do Leste Europeu
funcionavam a pleno vapor, em 1942, eram envenenados nas câmaras de gás e
queimados nos fornos crematórios 15 mil judeus por dia. Por mais que as ações
israelenses em Gaza sejam condenáveis — e sobram motivos para condená-las —,
não há termo possível de comparação. Não é uma questão aritmética: o Holocausto
não pode e não deve ser banalizado.
Lula deveria saber disso perfeitamente, pois
visitou em seu governo anterior o mesmo Museu do Holocausto em Jerusalém a que
o embaixador brasileiro foi convocado para levar uma reprimenda do chanceler
israelense, Israel Katz. Numa das instalações mais pungentes do museu, um áudio
reproduz o nome de cada uma entre o 1,5 milhão de crianças judias mortas pelo
nazismo. Katz declarou Lula persona non grata e exigiu um pedido de desculpas.
Alguém pode afirmar que dar uma reprimenda em um museu talvez seja incabível —
mas o Brasil se expôs a isso diante da afirmação tão deformada de Lula.
A declaração de Lula não é fato isolado. Têm
sido frequentes — sempre disfarçadas pelo biombo conveniente do antissionismo —
as manifestações de teor antissemita oriundas de próceres do petismo ou do
governo. O ex-presidente do PT José Genoíno chegou a defender um absurdo
“boicote a empresas de judeus”, sem elaborar o sentido de suas palavras.
Criticado, não apenas não se retratou nem pediu desculpas, como ainda foi
objeto de um ato de desagravo na reunião de um movimento ligado ao PT. O
Conselho Nacional dos Direitos Humanos, sempre cioso de criticar o discurso de
ódio contra minorias, classificou como “censura” o processo movido pela
Confederação Israelita do Brasil contra um jornalista que exaltou os ataques do
Hamas e comparou israelenses a ratos, repetindo uma imagem clássica do
antissemitismo.
Em desafio à posição equidistante e de
equilíbrio esperada do Brasil, Lula também empenhou seu apoio à ação movida
pela África do Sul na Corte Internacional de Justiça, em Haia, acusando Israel
de violar a Convenção do Genocídio por suas ações em Gaza. Em seu discurso no
último sábado, ele nem esperou o julgamento do processo, repleto de acusações
questionáveis ou descabidas. Afirmou taxativamente que “na Faixa de Gaza não
está acontecendo uma guerra, mas um genocídio”. Curioso que tenha sido mais
cauteloso com a opinião da Justiça ao justificar seu silêncio sobre a morte —
em circunstâncias para lá de suspeitas — do líder oposicionista russo Alexei
Navalny, principal adversário político de Vladimir Putin: “Se a morte está sob
suspeita, você tem que primeiro fazer uma investigação para saber do que o
cidadão morreu. (...) Senão, você julga agora que foi alguém que mandou matar e
não foi, depois você vai pedir desculpas”.
Lula pode acreditar que, com suas palavras,
apenas defende uma causa justa, a criação do Estado palestino. Ou que elas são
necessárias para alinhar o Brasil a outros países emergentes no combate às
“potências imperialistas” que povoam o imaginário da esquerda. Ou mesmo que
elas ajudarão a aliviar o sofrimento da população palestina em Gaza. Todos
esses sentimentos são compreensíveis. Mas as críticas às ações do governo do
primeiro-ministro Benjamin
Netanyahu, por mais necessárias e pertinentes que sejam, não podem
abrir flanco a ódios e preconceitos que não devem ter espaço numa democracia
plural. Sejam suas declarações resultado de antissemitismo autêntico ou apenas
de ignorância atroz, elas são incompatíveis com a atitude que se espera de um
presidente da República e envergonham o Brasil. Só um pedido de desculpas
inequívoco, sem ressalvas, poderá reparar o erro e dirimir essa dúvida.
Saldo comercial é recorde, mas há espaço para
crescer
Valor Econômico
Para atingir uma posição relevante nos
principais mercados globais, Brasil precisa reforçar competitividade em outras
áreas além das commodities
O saldo recorde de US$ 98,8 bilhões da
balança comercial no ano passado deixou os brasileiros animados. É 60% maior do
que o de US$ 62,3 bilhões de 2022, também um valor recorde. Além de expressivo,
o resultado garantiu a sensível redução do déficit em conta corrente, que caiu
de US$ 48,3 bilhões, ou 2,47% do PIB em 2022, para US$ 28,6 bilhões, ou 1,32%
do PIB, no ano passado. Outro ponto positivo é que a marca foi atingida apesar
da queda de 6,3% dos preços médios das exportações brasileiras, que haviam subido
em 2021 e 2022. O aumento de 8,7% das quantidades embarcadas compensou os
preços menores, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex/Mdic).
Os números contribuem para amainar as
pressões sobre o câmbio e, em consequência, sobre a inflação, reduzem a
percepção de risco do país e atraem o investidor estrangeiro. Ao Valor (15/2),
o sócio-fundado da SPX Capital, Rogério Xavier, disse que o setor externo é a
“menor das preocupações” no cenário brasileiro. Há reparos a fazer, porém,
quando se examina a balança comercial em detalhes. O resultado poderia ser
melhor em qualidade e quantidade. O saldo foi garantido pela queda de 11,7% das
importações para US$ 240,83 bilhões, e não pelo aumento das exportações, que
foi de apenas 1,7%, para US$ 339,67 bilhões.
Além disso, as vendas externas brasileiras
são muito concentradas na China. Nada menos que 30,7% das exportações são
abocanhadas pelo país asiático. Em 2023, ultrapassaram pela primeira vez a casa
da centena de bilhões, atingindo US$ 104,3 bilhões, 16,6% a mais do que em
2022. Se, por um lado, é bom ter como parceira comercial a segunda maior
economia global, por outro, causa uma forte dependência que determina a
predominância das commodities na pauta das exportações brasileiras. Soja,
minério de ferro e petróleo dominam: a demanda chinesa coincide com a
competitividade brasileira nesses produtos. Os chineses compraram 73% de toda
soja exportada pelo Brasil em 2023, 64% do minério de ferro e de 47% do
petróleo bruto, segundo a Secex. Os três produtos representaram 75% do valor da
exportação brasileira total à China no ano passado.
Os EUA são o terceiro maior mercado externo
brasileiro, com 10,9%, após a União Europeia, com 13,6%, e uma pauta de
exportação mais diversificada, com predominância de mercadorias mais
elaboradas, como óleo bruto de petróleo, produtos semiacabados de ferro e aço e
aeronaves e suas partes, responsáveis por 31,4% do valor vendido pelo Brasil
aos EUA no ano passado, segundo a Secex. A Argentina vem em seguida, com 4,9%
das exportações brasileiras. Geralmente o país vizinho importa bens
industrializados brasileiros, como veículos e autopeças. Mas, no ano passado, a
soja dominou porque a quebra de safra obrigou os exportadores argentinos a
comprarem o grão brasileiro para honrar contratos externos. Em quinto lugar
está o México, com 2,5% das vendas externas, em que dominam automóveis e
veículos para transporte de mercadorias, que dividiram os embarques do ano
passado também com a soja.
Mas há espaço a conquistar. O Brasil tem
posição modesta entre os fornecedores dos dez principais importadores globais,
com exceção da China. No mercado chinês, subiu do nono ao sétimo lugar no ano
passado, representando 4,9% das importações de Pequim e mais da metade do saldo
comercial brasileiro, com US$ 51,2 bilhões. Nos demais está abaixo da 14ª
posição. No mercado americano, o Brasil caiu para o 18º lugar entre os
fornecedores e teve déficit de US$ 1 bilhão. Com a estratégia de depender menos
das importações chinesas, os EUA alçaram o México ao lugar de primeiro maior
fornecedor, posto antes ocupado pela China. Os mexicanos se beneficiam da
proximidade geográfica e do acordo comercial USMCA, mas o Brasil também tem
espaço para crescer mais na pauta de importações dos EUA. É uma oportunidade de
ampliar negócios e diversificar destinos de exportação.
Para atingir uma posição relevante nos
principais mercados globais, o Brasil precisa também reforçar a competitividade
em outras áreas, além do minério de ferro, petróleo, grãos e carnes, que
responderam por 37,2% das exportações brasileiras em 2023, segundo dados da
Secex. A fatia sobe para 45,9% se a lista for ampliada e incluir açúcar e
milho, outras commodities.
O Brasil tem dificuldades para crescer nos
demais mercados importantes por não ser competitivo nos bens que eles demandam.
O ponto fraco é a oferta de produtos industriais, como componentes das cadeias
globais de produção, área em que, em geral, o país está longe de ser
competidor, com exceção de algumas bolhas, como aeronaves regionais. Em
mercados em que a indústria é mais dinâmica e demanda componentes de terceiros,
a participação do Brasil está em queda ou estagnada. Na Coreia do Sul, por
exemplo, mantém 1,1% nos dois últimos anos, e, na Alemanha, 0,6%. Alguns
especialistas, como Lia Valls Pereira, do FGV/Ibre, veem com opção buscar uma
diversificação nas próprias cadeias de commodities. Trata-se de um caminho para
tentar obter maior valor agregado em áreas nas quais o Brasil já é competitivo.
Nem tudo é tecnologia. O avanço da reforma
tributária tende a ajudar, ao contribuir para a melhora da produtividade da
economia e a competitividade da indústria. Além disso, esforços diplomáticos
podem auxiliar na abertura de nmercados. Há espaço para a expansão em setores
que dependem mais de criatividade e inovação, como moda, calçados e cosméticos.
Não se pode, porém, abrir mão de aproveitar as vantagens competitivas.
Escarcéu de Moraes termina em vexame
Folha de S. Paulo
Investigação sobre suposta hostilidade em
Roma teve série de abusos, mas prevaleceu o direito ante a truculência estatal
Terminou de forma vexaminosa para Alexandre
de Moraes o imbróglio que envolveu o próprio ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF), seu filho e três outros brasileiros no aeroporto de Roma.
Segundo relato do ministro à época dos fatos,
ocorridos no dia 14 de julho do ano passado, ele se preparava para voltar ao
Brasil quando ouviu insultos como "bandido" e "comprado".
Seu filho, por sua vez, teria recebido um empurrão.
Moraes fez disso um escarcéu. Exasperou-se
com a agressão, o que é compreensível, e investiu todo o seu peso institucional
na querela, o que é inaceitável.
Pois a Polícia Federal, logo acionada pelo
ministro, passou sete meses apurando o episódio. Na semana passada, concluiu
que o único crime seria o de injúria real, mas, dado o baixo potencial ofensivo
desse delito, o delegado responsável decidiu
fechar a investigação sem indiciar ninguém.
É a proverbial montanha que pariu um rato
—com a diferença que, nesse caso, ela não o fez sem deixar um rastro de fatos
deploráveis.
Quem puxa a fila, por óbvio, é Moraes, mas
ele arrastou consigo todos os que se fiaram em sua versão e vociferaram contra
o trio em tons muito acima do apropriado. O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), por exemplo, classificou o agressor de "animal selvagem".
O vexame não parou aí. A ministra Rosa Weber,
à época presidente do STF, autorizou mandado de busca e apreensão em dois
endereços ligados aos investigados, sendo certo que não havia justificativa
plausível para tanto.
Assim como não houve justificativa para o
ministro Dias Toffoli, relator do inquérito no Supremo, deixar a papelada sob
sigilo durante certo tempo —e menos ainda para manter, por prazo ainda maior, o
sigilo das imagens do circuito interno do aeroporto de Roma.
A PF tampouco passou ilesa. Entre medidas
exageradas e mesmo abusivas, a instituição chegou ao absurdo de revelar a
comunicação de um advogado com seu cliente, em franca violação de um
princípio assegurado pela Constituição.
Com essa sequência de violências
institucionais, Moraes e os que o seguiram ofereceram a bolsonaristas de
diversos quilates um pretexto perfeito para que voltassem à carga contra o STF,
órgão essencial para a preservação da democracia e, por isso mesmo, alvo
prioritário daqueles que querem derrubá-la.
Felizmente, a desavença terminou com uma nota
positiva: a conclusão da PF. Apesar de toda a pressão, e sem que se minimizem
os infortúnios sofridos pelo trio envolvido no imbróglio, prevaleceu, no fim
das contas, o direito do cidadão diante da truculência estatal.
Desvarios de Lula
Folha de S. Paulo
Banalização do Holocausto não deveria estar
no repertório de um chefe de Estado
Não há como saber ao certo se Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) mediu previamente as consequências de suas declarações
desvairadas sobre a ofensiva de Israel na Faixa de Gaza ou se,
como é frequente, sucumbiu ao improviso presunçoso. As duas hipóteses são
péssimas.
"O que está acontecendo na Faixa de Gaza
com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás,
existiu quando Hitler resolveu matar os judeus", pontificou o cacique
petista no domingo (18), em entrevista durante visita à Etiópia. "Na Faixa
de Gaza não está acontecendo uma guerra, mas um genocídio."
Para além da demonstração de plena ignorância
sobre a história dos conflitos da humanidade, a banalização de temas como
genocídio e o Holocausto, que prolifera na gritaria das redes sociais, não
deveria fazer parte do repertório de um chefe de Estado.
Foi flagrante, aliás, o contraste entre a
leviandade das assertivas sobre Israel e a cautela reverente com que Lula, na
mesma viagem internacional, tratou da morte de Alexei Navalni, opositor que
estava encarcerado pelo regime russo.
Ali não se viu
vestígio de questionamento à degradação da democracia sob Vladimir Putin,
seu colega de Brics, como se todo o caso se resumisse a uma investigação de
legistas sobre o que se passou nos momentos finais do morto.
O governo de Israel —que, sim, tem muito a
ser criticado, e não só pela mortandade promovida após o ataque terrorista do
Hamas— não deixaria de responder ao destampatório. O mandatário
brasileiro passou a ser
considerado "persona non grata"; o embaixador do Brasil,
alvo de uma reprimenda, foi chamado de volta ao país.
No plano doméstico, os arroubos retóricos de
Lula têm o efeito de inflamar tanto seguidores quanto opositores mais
extremados, fomentando uma polarização que lhe convém. Se esse é o benefício
esperado, o preço a pagar é a credibilidade da política do Itamaraty.
O Brasil, afinal, cria uma turbulência
diplomática e coloca em xeque sua tradicional equidistância sem uma estratégia
que pareça clara —ou mesmo uma argumentação calcada nos fatos.
Vandalismo diplomático
O Estado de S. Paulo
Ao dizer que guerra de Israel contra os
terroristas do Hamas equivale ao Holocausto, Lula avilta a História, a memória
dos judeus assassinados pelos nazistas e os interesses do Brasil
O presidente Lula da Silva não precisou de
mais do que um punhado de frases carregadas de ranço ideológico e
antissemitismo para fazer do último domingo um dia infame na história da
diplomacia brasileira. Ao dizer que a guerra de Israel contra os terroristas do
Hamas se assemelha ao Holocausto, Lula, a um só tempo, vandalizou a História, a
memória das vítimas da indústria da morte nazista e os interesses do Brasil.
Nem os mais ferozes inimigos de Israel ousaram ir tão longe nas críticas à
campanha militar conduzida pelos israelenses na Faixa de Gaza – uma campanha
que decerto inclui atos que podem ser classificados como crimes de guerra, mas
que nada tem a ver, nem sob licença poética, com o assassinato sistemático dos
judeus europeus na 2.ª Guerra.
Durante uma entrevista coletiva na Etiópia,
onde esteve para a Cúpula da União Africana, Lula afirmou que “o que está
acontecendo em Gaza (as mortes de civis) não existiu em nenhum outro momento
histórico”, a não ser, segundo o petista, “quando Hitler resolveu matar os
judeus”. Das duas, uma: ou Lula é profundamente ignorante ou está de má-fé.
A hipótese benevolente, a da ignorância, é
remota. Custa acreditar que Lula, que está no terceiro mandato presidencial,
desconheça a natureza e a singularidade do Holocausto, talvez a maior tragédia
humana do século 20. Por isso, a hipótese da má-fé é a mais plausível,
sobretudo porque, é forçoso dizer, Lula mal escondeu que tinha lado nesse
conflito ao relutar, por semanas, em reconhecer o ataque do Hamas como o ato de
terrorismo que foi, além de subscrever a frágil acusação de “genocídio” contra
Israel apresentada à Corte Internacional de Justiça pela África do Sul.
Fiel ao discurso esquerdista raivoso contra o
Ocidente, Lula sempre dá um jeito de deslegitimar Israel. O estado da arte
dessa tentativa de deslegitimação é atribuir a Israel – fundado sobre as cinzas
dos milhões de judeus assassinados nas câmaras de gás – crimes semelhantes aos
da Alemanha nazista.
Não haveria nenhum problema se Lula fosse
líder estudantil e estivesse numa assembleia de centro acadêmico, que é o lugar
ideal para esse tipo de discurso inconsequente. Mas Lula é o presidente da
República, e suas falas são consideradas, por quem as ouve, como manifestação
do Estado brasileiro. Assim, até prova em contrário, Lula alinhou o Brasil ao
Hamas – que, não por acaso, elogiou a fala do presidente brasileiro.
O Hamas, convém lembrar, é um movimento que
defende a eliminação física dos judeus – em outras palavras, genocídio. No dia
7 de outubro do ano passado, lançou um ataque covarde e particularmente cruel
contra civis israelenses, que incluiu tortura, estupros e o sequestro de bebês.
Para enfrentar o previsível contra-ataque israelense, os terroristas do Hamas
se escondem entre a população civil palestina, usando hospitais como quartéis,
com o objetivo evidente de provocar o maior número possível de mortes de inocentes
e usá-las em sua campanha de propaganda contra Israel e os judeus.
Nada disso foi levado em conta por Lula. O
presidente também não levou em conta o fato de que os judeus assassinados pelos
nazistas na 2.ª Guerra não haviam atacado a Alemanha ou qualquer outro país,
diferentemente do que fez o Hamas em outubro passado; não levou em conta que os
nazistas mataram milhões de judeus não em bombardeios ou em tiroteios em zonas
densamente povoadas, mas em campos de extermínio cuidadosamente projetados para
otimizar esse processo, num deliberado projeto genocida, algo que nem remotamente
está acontecendo em Gaza; e finalmente não levou em conta que o Brasil,
tradicionalmente neutro nos conflitos no Oriente Médio, perderá qualquer
capacidade de fomentar o diálogo ao comparar Israel à Alemanha nazista.
Isso ficou claro, aliás, quando o governo
israelense chamou o embaixador brasileiro em Tel-Aviv para “uma conversa dura
de repreensão”, além de declarar Lula uma persona non grata em Israel até que
haja uma retratação formal do petista. De fato, Lula deveria se retratar, mas
será surpreendente se o fizer. Não é do feitio de um demiurgo reconhecer que
errou.
O martírio de Alexei Navalni
O Estado de S. Paulo
O testemunho final do principal opositor de
Putin precisa reverberar pela Rússia e pelo mundo: tudo o que é preciso para o
mal triunfar é que as pessoas boas não façam nada
“Podemos resumir a história da Rússia em uma
única frase?”, perguntou-se Aleksander Soljenitsyn em seu Arquipélago Gulag. “É
a terra das oportunidades sufocadas.” À primeira vista, o martírio de Alexei
Navalni, o principal líder da oposição russa, morto num novo Gulag no Ártico,
pareceria confirmar esse desespero. Em 2020 ele foi envenenado e tratado na
Alemanha, onde poderia ter permanecido em segurança. Mas voltou, sem ilusões:
sabia que seria preso, torturado e provavelmente assassinado, como, ao que tudo
indica, foi.
Ainda que, até o último dia – como mostra um
vídeo na véspera de sua morte –, não tenha perdido o bom humor nem a esperança
numa futura Rússia livre e pacífica, tampouco tinha ilusões sobre o presente:
as coisas iriam piorar antes de melhorar. E estão piorando. A guerra sacrifica
jovens e sufoca a economia. Qualquer um pode ser preso ou morto por divulgar
discursos pacifistas. Desde que Vladimir Putin assumiu o poder, há 20 anos, ao
menos 8 opositores políticos sofreram mortes “misteriosas”. Nos últimos 10 anos
o número de prisioneiros aumentou 15 vezes. Boris Nadezhdin, o único líder
disposto a encampar uma candidatura de protesto nas eleições do mês que vem,
foi barrado pela Suprema Corte.
As mensagens finais de Navalni não insuflaram
ilusões: os tempos não estão maduros para o caminho ideal, uma virada
democrática, nem para aquele que é, talvez, o único possível, um levante
armado. Seu testemunho foi simplesmente um apelo à consciência dos cidadãos
comuns: vocês não precisam ser heróis, não precisam ser presos ou se
martirizar, só não mintam para si mesmos.
É uma mensagem que precisa ser propagada pelo
mundo livre. À medida que Putin caminha para um domínio mais longo que o de
Stalin e a guerra de agressão na Ucrânia entra em seu terceiro ano, a fadiga
invade corações e mentes e uma subcultura que tenta racionalizar a iniquidade
de Putin se faz ouvir. Os “idiotas úteis” repetem sua propaganda: a Rússia foi
provocada pela Otan, e a Ucrânia é uma entidade artificial liderada por
neonazistas fantoches do imperialismo americano. Os “pragmáticos úteis” alegam
que é inútil seguir sacrificando ucranianos numa guerra que não podem vencer.
Em ambos os casos, o corolário é o mesmo: deem a Putin o que ele quer e ele nos
deixará em paz.
Mas se a comparação com a escalada de
agressões de Hitler e a pusilanimidade das lideranças ocidentais já se tornaram
um clichê, é porque os paralelos são óbvios demais. O movimento de regimes
fascistas como o de Putin é irreversível: a repressão dentro retroalimenta a
agressão fora e vice-versa. “A guerra”, disse Hitler a Goebbels em 1943,
“tornou possível para nós soluções de problemas que nunca seriam solucionados
em tempos normais.” Inversamente, a opressão torna possíveis guerras
impossíveis em tempos normais.
“(Se eu for morto) a coisa óbvia é: não
desistam”, disse certa vez Navalni. “Tudo o que é preciso para o mal triunfar é
que as pessoas boas não façam nada.” Para o Ocidente, este é um chamado à ação:
libertar a Ucrânia é o melhor modo de libertar a Rússia e afastar a ameaça de
Putin. Para os russos exilados, é um chamado a gritar as verdades de Navalni
sobre os telhados. Os cidadãos russos podem não ter essa opção, mas sempre
serão livres para não mentir a si mesmos. Sob todo o seu desespero, Soljenitsyn
reuniu forças para escrever um ensaio, Não Vivam de Mentiras, e suas verdades
tiveram um papel não desprezível no desmoronamento do império soviético, que
ele sobreviveu para ver.
“Se tomarmos a mais ampla e sábia visão de
uma Causa, não há algo como uma Causa Perdida, porque não há algo como uma
Causa Ganha”, disse o poeta T. S. Eliot – que acrescentou: “Lutamos por causas
perdidas porque sabemos que nossa derrota e nossa frustração podem ser o
prefácio da vitória de nossos sucessores, ainda que a vitória em si mesma seja
temporária; nós lutamos antes para manter algo vivo do que na expectativa de
que algo triunfará”. Navalni não sobreviveu para ver o desmoronamento da
tirania de Putin, mas, se mantiverem suas verdades vivas, a Rússia e o mundo
talvez vejam.
O litoral norte tem pressa
O Estado de S. Paulo
Um ano depois da tragédia em São Sebastião, é
preciso acelerar o enfrentamento dos riscos
Há um ano, o litoral norte de São Paulo foi
devastado pela tempestade perfeita formada por uma confluência de chuvas
fortes, vulnerabilidade social e negligência do poder público. Conforme
registraram as reportagens do que foi feito desde então, o balanço do marco do
primeiro aniversário é perturbador: apesar da anunciada reação bilionária do
poder público, entre investimentos do governo estadual e da prefeitura de São
Sebastião, acumulam-se atrasos e desacertos quanto à oferta de moradia,
desocupação de locais sujeitos aos efeitos de eventos climáticos extremos e
conclusão de obras preventivas.
Segundo o Estadão mostrou, ainda há famílias
vivendo na Vila Sahy, o bairro no sopé da Serra do Mar que concentrou a grande
maioria do número de mortes e desabrigados em São Sebastião, cidade que foi o
epicentro daquela tragédia. Os problemas não se restringem à demora na
conclusão das obras – os prazos podem chegar a até 36 meses em obras desse
porte. Uma nova tempestade perfeita parece ter se formado e inclui também
divergências sobre indenizações, distância dos prédios provisórios definidos
pelo governo estadual e entraves para a regularização fundiária na região,
marcada há mais de duas décadas pela ocupação irregular de encostas e margens
de rios.
A situação se torna ainda mais grave quando
se sabe que há centenas de cicatrizes dos deslizamentos que permanecem visíveis
no entorno da serra, o que significa potencial alto para novos movimentos de
rochas, detritos e terra das encostas. Embora falte um mapeamento mais recente,
especialistas calculam que pelo menos 7 mil famílias convivem com o risco
naquela região.
Está evidente que os esforços exibidos até
aqui se mostram insuficientes. Na tragédia de 2023, a comunicação pública não
deu conta de reduzir o fluxo massivo de turistas que desceram para o litoral, e
São Paulo mostrou não ter um sistema minimamente eficaz na retirada de pessoas
das áreas de risco. Um problema, contudo, ainda persiste, mesmo com toda pompa
e circunstância dos anúncios governamentais: a moradia inadequada e a ocupação
irregular.
O desmate das encostas para ocupá-las com
construções amplia exponencialmente os riscos de deslizamentos. O asfaltamento
desordenado das planícies impermeabiliza o solo e agrava os riscos de
inundações. Tudo somado, para barrar os riscos presentes e futuros, é preciso,
além de uma política bem definida de desenvolvimento urbano de médio e longo
prazos, a aceleração imediata do processo de regularização fundiária e o
cumprimento da lei que impede a ampliação das ocupações irregulares.
O morticínio do ano passado não resultou de uma fatalidade, mas de uma calamidade social, política e cultural. Um ano depois, ainda não se enfrentou devidamente essa calamidade. E, como há um ano, catástrofes podem se repetir, não pela força de uma chuva imponderável, mas por desastres evitáveis. No novo normal dos eventos extremos climáticos, a anormalidade está em não agir com a urgência que os riscos exigem. A lentidão, neste caso, é quase tão grave quanto a inação.
Volta às aulas e seus desafios
Correio Braziliense
Os alunos voltam às aulas em meio a mais uma
crise sanitária, provocada pela dengue e da covid-19, cujos casos têm aumentado
no DF, em Minas Gerais e em outras unidades da Federação
Terminaram, ontem, as férias para crianças e
jovens matriculados na rede pública de ensino do Distrito Federal. Cerca de 470
mil alunos de 835 escolas retornaram às salas de aula — 35 mil a mais do que no
ano anterior, segundo a Secretaria de Educação. Esse aumento implicará esforço
maior dos docentes da rede pública, que tem um deficit de 15 mil professores,
resultado de aposentadorias e mortes no quadro de efetivos. A previsão é de
que, no próximo ano, ocorra novo concurso público, a fim de reduzir a defasagem
de professores nas escolas públicas. Em Minas Gerais, as aulas para 1,6 milhão
de alunos, de 3.525 escolas, começaram em 5 de fevereiro.
Os alunos voltam às aulas em meio a mais uma
crise sanitária, provocada pela dengue e da covid-19, cujos casos têm aumentado
no DF, em Minas Gerais e em outras unidades da Federação. Essas doenças levam
os estudantes a ficar distantes das escolas. Nesse aspecto, cumpre aos
diretores das unidades de ensino tornarem-se aliados da saúde individual e
coletiva, cobrando dos pais ou dos responsáveis o cartão de vacinação
atualizado. Caberia aos dirigentes das escolas, por responsabilidade com a vida
de crianças e adolescentes, criar barreiras ao negacionismo que, durante o
período mais agudo da covid-19, levou a óbito mais de meio milhão de
brasileiros — ainda hoje, segue fazendo novas vítimas.
As dificuldades para os avanços da educação
no país não estão restritas à falta de professores. Há reclamações em relação à
remuneração dos profissionais, instalações inadequadas nas unidades de ensino e
superlotação de estudantes nas salas de aula, comprometendo o repasse do
conteúdo aos alunos. Especialistas e pesquisadores apontam outros desafios a
serem superados pelo sistema educacional brasileiro: acesso à escola e processo
de aprendizagem; modelo distorcido de formação de docentes; falta de investimentos
generalizados e inovação; desinteresse dos alunos; e baixa participação das
famílias na vida escolar. A pobreza extrema, ainda hoje, empurra milhares de
crianças e jovens ao trabalho precoce e é, sem dúvida, mais um fator
comprometedor do desenvolvimento da educação.
Tornar a escola um ambiente agradável e desejado pelas crianças e pelos jovens é um dos maiores desafios aos docentes e às autoridades que conduzem a política educacional do Brasil. Sem educação, não há país desenvolvido, uma afirmativa comprovada, quando se compara a qualidade de vida entre os países. Mas essa transformação não depende só das iniciativas do poder público. É uma construção coletiva que começa pela família e se estende aos dirigentes de colégios em todas as etapas do ensino, seja público, seja privado. O compromisso com uma educação de qualidade deve ser de todos.
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