Valor Econômico
O negacionismo climático é ponto cada vez
mais caro à extrema direita no ano eleitoral mais importante do século
“Agora o negacionismo climático se tornou uma
espécie de tatuagem tribal da extrema direita.” A frase é do jornalista Claudio
Angelo, coordenador de política climática do Observatório do Clima, rede com
mais de 90 organizações no Brasil com essa agenda. O OC, como a organização é
carinhosamente chamada, foi uma das vozes mais críticas à política de desmonte
do sistema nacional de meio ambiente promovida nos anos de governo Bolsonaro.
A metáfora de Angelo pode ser transposta a
três inquietações contemporâneas. A primeira diz que os sacrifícios exigidos
pela descarbonização da economia abrirão oportunidades e novos empregos, mas
também deixarão gente sem renda e perspectiva, e, por isso mesmo, pesam nas
urnas.
A pauta verde não costuma eleger políticos. A crise climática é complexa e difícil de comunicar. Enfrenta discursos negacionistas sem compromisso com a verdade e de gente que habita Terras planas. “Não é simples um político se levantar para essas questões. Esses temas, de fato, não dão muita visibilidade e muitos estão apanhando por conta de hastear bandeiras de diversidade, inclusão e meio ambiente”, concorda Carlo Pereira, CEO do Pacto Global da ONU no Brasil.
Na sua visão, contudo, trata-se de um dos
vários espinhos da transição e, como tal, vai transmutar. “Há uma questão
geracional muito forte, e entendo que este é o último fôlego de um
conservadorismo para muitos destes temas.”
Pereira constata que, ao que parece, o Acordo
de Livre-Comércio UE-Mercosul “acabou de ser implodido, muito devido aos
agricultores europeus. Estamos em uma fase forte de protecionismo dos países,
pela crise e inflação”, reforça. A mudança é difícil de acontecer quando
eleitores sentem que suas necessidades básicas estão sendo, em alguma medida,
ameaçadas. “Vimos o adiamento de algumas legislações. É de fato um momento
sensível.”
No início de fevereiro a União Europeia
derrubou metas ambientais mais ambiciosas. A Comissão Europeia, braço executivo
do bloco, recuou para atender a protestos de agricultores disseminados pelo
continente no início do ano, com longos comboios de tratores circulando pelas
capitais europeias.
Assim foi deixado de lado, ao menos
provisoriamente, o plano para reduzir pela metade a utilização de agrotóxicos
em 2030. “Tornou-se um símbolo da polarização”, reconheceu Ursula von der
Leyen, presidente da Comissão Europeia. “Nossos agricultores merecem ser
ouvidos”, reforçou. “Muitos se sentem encurralados em um canto”. No mesmo dia
também foi descartada a meta recomendada para cortar emissões agrícolas de
gases-estufa. Ursula von der Leyen reconheceu que a agricultura europeia tem
que transitar para um modelo mais sustentável de produção. Fez uma autocrítica:
“Talvez não tenhamos defendido esse ponto de vista de forma convincente”.
A retirada desses dois pontos da pauta tinha
endereço e data: a eleição do Parlamento Europeu, em junho. Pesquisas de
opinião indicam que a extrema direita pode conquistar muitos assentos e se
tornar uma força política importante em grandes economias do bloco. A eleição
presidencial de novembro nos Estados Unidos tem o republicano Donald Trump, que
retirou os EUA do Acordo de Paris, como nome forte. Em 2024, pelo menos quatro
bilhões de pessoas em mais de 40 países irão eleger líderes - é o ano eleitoral
mais importante do século, porque ocorre em um momento crucial para o mundo
enfrentar a crise climática. “ Com eventos climáticos cada vez mais extremos e
frequentes, não há como a população não perceber que, cada vez mais, os eventos
afetam sua própria existência. Isso irá se reverter como uma demanda à classe
política”, diz Pereira. É como se diz: a mudança virá, pelo amor ou pela dor.
A frase do início da coluna toca em uma
segunda preocupação global, a que o multilateralismo anda a passos lentos
enquanto a crise climática cresce exponencialmente. O mundo se compromete a
distanciar dos combustíveis fósseis - a grande mensagem da COP28, a conferência
do clima da ONU que aconteceu em Dubai, em dezembro -, depois de 31 anos de
regime climático internacional. A promessa é feita sem prazos, arrancada nos
malabarismos da linguagem diplomática, enquanto empresas de petróleo planejam
abrir novas frentes de exploração.
O terceiro ponto é menos pragmático: o
capitalismo consegue responder à crise do clima? A reunião dos ministros de
finanças do G20 nesta semana, em São Paulo, procura encontrar soluções e
direcionar fluxos financeiros para alvos menos danosos ao ambiente.
O mundo, contudo, segue mais desigual do que nunca e são os mais pobres quem mais sofrem com a crise climática. Em 2023, os investimentos mundiais em descarbonização somaram US$ 1,3 trilhão, mas só 6% desse valor foi destinado à América Latina, disse Mark Carney, enviado especial da ONU para Ambições Climáticas e Soluções durante a primeira edição do Fórum Brasileiro de Finanças Climáticas, ontem, em São Paulo. O grande volume de recursos foi investido na China, nos EUA e na União Europeia. O dinheiro que promove a nova economia global é gasto em países ricos ou na maior (e muito atenta) potência emergente do mundo.
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